Para
Rousseau, os homens no estado de natureza viviam isolados, livres e felizes.
Esse isolamento era quebrado apenas para fins de reprodução. Não havia
problemas de ordem moral ou existencial. A vida resumia-se à busca por alimento
e reprodução. Logo os homens perceberam que juntos podiam facilitar certas
tarefas fundamentais para a sobrevivência, sem que isso implicasse na formação
de algum tipo de sociedade. Em algum momento surgiram a vaidade e a
diferenciação entre os homens, culminando com o momento em que o homem
instituiu a propriedade privada, quando um deles cercou uma porção de terra e
não foi contestado. Desaparece assim aquela liberdade primordial das relações e
do convívio humano. Força-se desse modo a instituição de leis que tem por
objetivo legitimar e proteger essa usurpação, mascaradas sob a falsa promessa
de garantir direitos e justiça. Cria-se assim uma relação de poder entre uma
classe que detém a riqueza sobre outra destituída dela, resultando em dominação
de classe e opressão à liberdade natural. É o que Rousseau chama de primeiro
contrato social, que é falso uma vez que fundamentado na vaidade e na propriedade
social. Temos, então, um falso contrato social que engendra a perda da
liberdade e da igualdade que pertenceriam a todo o homem por direito natural.
Rousseau
propõe, então, como solução para a perda da liberdade do homem, um novo
contrato social. Este fundamentado na prevalência do bem público em detrimento
do bem privado. A base para esse novo contrato é o que Rousseau chama de
“vontade geral”. Nas suas palavras: “Cada um de nós põe em comum sua pessoa e
todo seu poder sob a suprema direção da vontade geral, e recebemos, enquanto
corpo, cada membro como parte indivisível do todo”. Desse modo, constituída a
sociedade como corpo coletivo, cada indivíduo não contrata com nenhum dos
outros indivíduos, mas com o todo, e como ele mesmo faz parte desse todo, na
realidade não contrata nem se obriga senão consigo mesmo. Assim o novo pacto
social não anula a liberdade de ninguém, uma vez que cada um se dá ao todo e
não a outro indivíduo isoladamente. Dando-se a todos, não se dá a ninguém em
particular e não perde sua liberdade frente a nenhum outro indivíduo. Unindo-se
a todos o homem só obedece a si mesmo, permanecendo assim tão livre quanto
antes.
O
conceito de vontade geral, para Rousseau, difere do da vontade de todos. A
primeira refere-se somente ao interesse comum, a segunda se prende ao interesse
privado, não passando de uma soma das vontades particulares.
Rousseau
identifica três tipos de vontade.
A
vontade individual, pessoal ou privada, a qual se refere ao que uma pessoa quer
só para si, não atribuindo consideração aos desejos ou interesses alheios,
exceto quando pode tirar vantagem desses para promover o seu próprio interesse
enquanto indivíduo. Não é impossível que a vontade privada concorde com a
vontade geral, mas é impossível que tal acordo seja duradouro, pois a vontade
privada tende pela sua própria natureza às predileções e a vontade geral à
igualdade. Desse modo muitas vezes os indivíduos podem tentar mascarar a sua
própria vontade particular fazendo-a parecer ser a vontade geral. É o
fundamento do contrato social anterior e falso.
O
segundo tipo é a vontade corporativa, que é aquela derivada dos interesses
comuns de um grupo de pessoas, que devido a sua posição no Estado tem
necessidades e interesses comuns entre si, porém particulares em relação ao
Estado como um todo. O interesse comum no caso não é o interesse de todos, no
sentido de uma confluência de interesses particulares, mas o interesse de todos
e de cada um enquanto componentes de um corpo coletivo, advindo daí o interesse
da maioria, que geralmente não corresponde ao interesse comum, mas ao de um
grupo em detrimento ao de outros grupos.
Finalmente,
o terceiro tipo de vontade é a geral, que não é geral por ser de todos, mas é a
aquela que dá voz aos interesses que cada pessoa tem em comum com todas as
demais, de modo que, ao ser atendido um interesse seu, também estarão sendo
atendidos os interesses de todas as pessoas. A vontade geral é aquela que
traduz o que há de comum em todas as vontades individuais e, portanto, é ao
mesmo tempo de um e de todos. Não conflita com nenhuma das demais vontades
individuais. Para Rousseau é a vontade geral que deve gerir o Estado, tornando
a sociedade soberana e legítima.
Para
Rousseau, o cidadão só se reconhece dentro da lei quando esta não representar
um limite à sua liberdade, mas sim a expressão de sua própria vontade. Dessa
forma a instituição de leis a partir da vontade geral representa para cada
cidadão a instituição de leis de si e para si de forma a se combinar com as
vontades dos demais membros da sociedade num interesse comum, garantindo a
liberdade de todos. Ao obedecer às leis derivadas da vontade geral, a vontade
individual não deixa de obedecer a ela mesma. Esse processo gera em todos os
membros da sociedade o reconhecimento de certos valores comuns e a procura de
objetivos comuns. O total dos interesses comuns, nesse pacto imaginado por
Rousseau, representa muito mais para o próprio indivíduo do que o total dos
interesses meramente particulares. O bem comum, entendido como o bem de todos,
está sempre acima dos interesses individuais sem que disto resulte perda de
liberdade. Estes são, para nosso filósofo, os fundamentos do verdadeiro pacto
social.
Comentários
Postar um comentário