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Diferenças entre o pensamento mítico e o filosófico


O pensamento mítico é uma forma de explicação e compreensão da realidade. Toda a sociedade, desde as mais primitivas, possuem seus mitos, que são narrativas, passadas de geração para geração, contendo elementos que podem ser utilizados na explicação de fenômenos naturais ou na prescrição de condutas morais. Os mitos podem ser apresentados como elaborados por ancestrais antigos, indivíduos extraordinários ou por seres ou poderes sobrenaturais. Os mitos possuem as seguintes características:
- são fantasias, alegorias explicativas da realidade. Representações simbólicas e não exatas da realidade.
- são maleáveis. Sua narrativa não é fixa, podendo variar de acordo com os objetivos de quem faz a narrativa. Como passam de geração para geração, vão sendo alterados com o tempo.
- o mito utiliza elementos sobrenaturais para a explicação dos fenômenos naturais. Quando não há possibilidade de explicação racional para um evento, o mito como explicação sobrenatural é uma forma de amenizar as angústias humanas com relação ao desconhecido.
- em razão da sua forma de transmissão, inicialmente oral, geralmente o narrador do mito torna-se seu coautor, contribuindo com a sua difusão e a sua própria constituição.
- o mito é um fenômeno cultural. Surge da própria sociedade e serve como elemento que reforça a unidade e a identidade de um povo mediante sua aceitação sem discussão por cada um dos membros da sociedade.
O pensamento filosófico é mais recente e surgiu na Grécia em torno dos séculos X a VI a.C. Trata-se de uma nova forma de pensar que se opõe às explicações míticas da realidade e coloca o ser humano como parâmetro para a compreensão racional do universo. Essa passagem da mentalidade mítica para a racional foi lenta e gradual. Podemos identificar certas noções fundamentais da mentalidade filosófica:
- a physis (natureza): a natureza deve ser explicada racionalmente, sem a utilização de elementos sobrenaturais.
- a causalidade: a realidade deve ser explicada relacionando-se o efeito a uma causa. A busca do nexo causal dos fenômenos torna a realidade inteligível.
- a arqué (princípio originário): quando encontramos a causa de um fenômeno, essa causa, por sua vez também tem uma causa. A arqué seria a causa primeira, originária de todas as coisas. O princípio básico de tudo.
-o cosmo: é a ordem natural e racional do universo. Essa ordem natural das coisas deve ser investigada.
- o lógus (razão): é uma explicação onde razões são dadas. Lógus é o discurso racional, onde as explicações são justificadas e criticáveis.
- o caráter crítico: é uma noção prática onde todas as explicações racionais dadas como explicação da realidade devem ser submetidas à crítica racional.
A passagem do mito à filosofia marcou a passagem das explicações sobrenaturais da realidade, baseada na influência de entidades imateriais,  para uma interpretação racional, baseada nas possibilidades do homem.

Fonte: SELL, Sérgio. História da Filosofia I. Palhoça: UnisulVirtual, 2011.

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