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A modalidade de educação à distância (EAD) e o ensino da Filosofia.


            A Educação à distância é uma prática antiga, muito anterior aos computadores ligados em rede mundial. Desde há dois mil anos, filósofos escreviam cartas a seus discípulos com o objetivo de discutir questões filosóficas. Depois disso, uma longa história de epístolas, passando pelos cursos por correspondência na primeira metade do século XX e até hoje, nos modernos cursos de EAD, dotados de modernos sistemas e portais acessíveis, via rede mundial. Podemos conceituar EAD como sendo “o processo de ensino-aprendizagem, mediado por tecnologias, onde professores e alunos estão separados espacial e/ou temporalmente” (E. Moran).

            O ensino da filosofia, por sua vez, possui suas peculiaridades. A filosofia não ensina só a pensar com clareza e autonomia, mas a fundamentar essa cadeia de pensamento. Ainda que não se queira ou não se entenda o que vem a ser filosofia, indubitavelmente ela é vivenciada, seja pelo legado cultural dos pensadores, seja pela busca de uma visão de mundo, de conceitos, valores morais, entre outros aspectos ainda que de forma muitas vezes inconsciente em alguns indivíduos. Kant já dizia: “não se pode ensinar a filosofia, mas apenas a filosofar”.  Enquanto forma de conhecimento conceitual, a filosofia requer um tipo de raciocínio abstrato e argumentativo que exige um tipo de leitura analítica, interpretativa e crítica do mundo, a fim de elaborar argumentações próprias sobre os mais diversos temas. Então, como conciliar um ensino à distância, onde professores e alunos estão separados, com o ensino da filosofia, que exige o desenvolvimento do pensamento e o diálogo?

            Parece-nos que há a necessidade de que os métodos de ensino não sejam, no EAD, do tipo “industrial”, isto é, a mesma metodologia para o ensino de massas de estudantes independente da natureza do curso. Afinal cada disciplina tem as suas especificidades. No caso do ensino da filosofia, ou do filosofar, apenas a leitura das obras dos grandes filósofos e o ensino da história da filosofia não basta, embora seja fundamental. É preciso transcender. Seria oportuno criar estratégias que permitam compreender qual o percurso de pensamento que os filósofos fizeram para alcançarem suas produções, propiciando um sentido mais efetivo à obra estudada. Esse estudo histórico não precisa ser linear, pois um mesmo assunto pode ter sido abordado de diferentes modos em momentos diferentes. É importante relacionar esse pensamento engendrado a partir dos grandes filósofos com questões atuais, de forma a favorecer uma melhor compreensão do tema e o próprio ato de filosofar. Dessa forma o aluno vai problematizando a cultura, a sociedade e o próprio sentido da educação, de forma crítica e resistente à cultura dominante ou oficial. Apenas a leitura das obras não garante esse resultado. Há a necessidade de outros materiais e a possibilidade de contato, de diálogo com outros colegas e com professores devidamente capacitados. Podem ser usadas ferramentas tais como o fórum, o chat, correio eletrônico, mural, etc. Os alunos por conta própria não farão uso de tais instrumentos, daí a necessidade de professores capacitados e dedicados a turmas menores, de forma que se estimule a participação criativa. Não pode haver a situação em que a educação se torne algo burocrático ou apenas reproduza as velhas aulas expositivas, com cheiro do velho pó de giz de outros tempos. O ambiente virtual no qual se dará a interação entre alunos e professores deve ser moderno, eficiente e dinâmico, de forma a possibilitar condições aos professores de estimular a leitura e o debate de ideias, de várias formas. O aluno não pode ser apenas um receptor passivo de informações. Deve assumir uma postura participativa, reflexiva e interativa, construir seu conhecimento, a partir da leitura das obras dos filósofos, sua interpretação e formulação de críticas e novas hipóteses. Assim construirá o aluno seus próprios esquemas de pensamento e o seu conhecimento. O papel do professor de filosofia será, dessa forma, de mediador, aproximando o aluno das fontes do conhecimento e ensinando-o a aprender a aprender.

            Claro que entendemos que é possível o ensino de filosofia por meio do EAD, porém não de forma massiva, sem uma metodologia adequada e uma base virtual tecnologicamente atualizada. Fundamental também uma boa formação dos professores, que deverão estar especializados nessa forma de ensino.

           

 

 

 

 

 

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