Platão
trata da questão da justiça no mito do anel de Giges. O mito trata de um homem
comum que encontra um anel que lhe dá o poder da invisibilidade, o que lhe
permite cometer todo tipo de injustiça sem que seja descoberto. Platão
desenvolve toda uma teoria, com a qual não concorda que a justiça deva estar fundamentada no medo da punição e onde demonstra que
qualquer homem se tornaria injusto se estivesse imune a punições.
Para
Platão, os homens tendem a seguir os seus próprios interesses, ou seja, são
conduzidos por seus afetos e paixões. Ele não via isso com bons olhos, uma vez
que os sentimentos, as paixões, são voláteis e transitórios, de forma que não
podem ser fonte inspiradora da verdade, que é perene, permanente. Não fazia
sentido para Platão uma justiça submetida a uma paixão, o medo da punição, como
no caso do mito do anel de Giges. Para o filósofo a justiça deve ser dirigida
pela razão e não pelas paixões. A justiça seria, para ele, uma espécie de
somatória de todas as virtudes. O medo da autoridade é, para Platão, o
contrário da virtude, ou é apenas a virtude da prudência.
Platão
parte do princípio de que
a Virtude e a Justiça são qualidades que são aprendidas. Baseia-se, para
concluir isso, na sua metafísica, onde, no mundo das Idéias, nossas almas
convivem com a idéia da Virtude, da Justiça e do Bem e de várias outras Idéias,
antes de voltar ao mundo material em um novo corpo. Incorporamos todos estes
conceitos à nossa alma, contemplando todos estes conceitos no mundo do além. Ao
voltarmos ao mundo material, trazemos estas lembranças, que no decorrer da vida
vamos aos poucos esquecendo. É através do processo da educação e da busca do conhecimento,
principalmente da filosofia, que aos poucos nos vamos lembrando daquilo que
vimos no mundo das Idéias. O processo, todavia, não se esgota nessa vida e tem
continuidade em uma próxima vivência que teremos na Terra. É por esta razão que
Platão era contra a simples aplicação de penas, se estas não tinham uma função
pedagógica, no sentido de fazer o infrator lembrar um pouco dos conceitos que
trazia impregnados em sua alma e que foram esquecidos. O medo da punição em
nada ajuda ao infrator – ou potencial infrator – já que não é o medo que vai
ajudar a despertar a lembrança da justiça. Para Platão, a verdadeira ação
correta só pode acontecer se estiver fundamentada na justiça, isto porque
conhecer o bem significa tornar-se virtuoso. Aquele que conhece a justiça não
pode deixar de agir de modo justo.
Trazendo esses conceitos
de Platão para a nossa realidade, podemos comparar, por exemplo, dois sistemas
judiciários completamente diferentes, o sueco e o estadunidense.
No sistema sueco, as penas
são pedagógicas, como propõe Platão. O infrator é afastado da comunidade, porém
fica encarcerado num ambiente que se propõe a recuperá-lo e devolvê-lo à
sociedade. Nesse ambiente o infrator trabalha, estuda, recebe uma remuneração e
é acompanhado por especialistas que verificam se ele está se recuperando. Em
caso positivo ele vai passando para aposentos e instalações progressivamente
melhores e que restringem cada vez menos a liberdade, podendo ter sua pena
reduzida. Caso o infrator não se recupere, sua pena pode ser aumentada até a
prisão perpétua. É um sistema, portanto, que ensina e recupera cidadãos.
Já no sistema estadunidense,
as penas são mais severas, chegando até a pena de morte, em muitos casos. A
situação dos presos é muito ruim, em termos de condições de higiene e de
ambiente. Os presos ficam encarcerados e a maioria não trabalha. É um sistema
do tipo vingativo, ou seja, se o prisioneiro fez alguém sofrer ele merece
sofrer também. O objetivo não é recuperar e instruir o cidadão, mas apenas puni-lo
e vingar a sociedade.
Os resultados são bem
diferentes. O sistema sueco tem um índice de reincidência de aproximadamente
vinte por cento, contra sessenta por cento do estadunidense, ou seja, mesmo
depois de cruelmente punido o preso estadunidense geralmente volta a cometer
crimes. O percentual da população encarcerada em relação à população livre é
muito menor na Suécia do que nos EUA, que é a maior do mundo desenvolvido, o
que nos faz crer que o medo de uma punição maior e mais cruel pode ter um
efeito inverso, aumentando, de modo geral, a violência numa dada sociedade.
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