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O mito da neutralidade científica em Levy-Leblond e Marcuse.



Jean Marc Levy-Leblond, em seu discurso de entrega do prêmio Thibaud da academia de Lyon em 1970, Publicado em Lês Temps Modernes nº 288. Julio/70 nos dá o seu conceito de pesquisa pura nos nossos tempos: “ ... pesquisa “pura” quer dizer, gratuita e sem outro interesse senão o de provocar a curiosidade de uns vinte especialistas em todo o mundo. A maioria das pesquisas reveste-se, atualmente deste caráter totalmente esotérico, e só são compreensíveis a uns poucos iniciados. É verdade que existem outros campos onde se vislumbram gigantescas possibilidades de aplicação: a medicina ou a agronomia, por exemplo, parece que podem contribuir atualmente com algumas respostas técnicas em relação aos problemas da fome e da doença que atingem a maior parte da humanidade. Porém, precisamente a natureza das estruturas sociais impede que estas soluções técnicas possam ser postas em prática”. O filósofo continua: “... (A pesquisa e a ciência) ... não servem em absoluto àquilo e àqueles a quem pretendem servir. A atividade científica, como qualquer outra, não é separável do conjunto do sistema social em que se pratica. Como as demais, está orientada, principalmente, com vistas a garantir a perpetuação, ou ao menos a sobrevivência, deste sistema. E finaliza o raciocínio da seguinte forma: “... gostaria de mencionar, agora, o crucial papel ideológico da ciência. Cabe adiantar a ideia de que depois da religião e das “humanidades” clássicas, atualmente é a ciência que, cada vez com mais vigor, apoia e estrutura as formas de ideologia imposta pela classe social no poder, a burguesia. A ciência é invocada para cobrir com uma máscara de objetividade e tecnicismo a dominação desta classe: Capitalismo? Exploração? Não, claro que não, só se fala de pesquisa operacional, de management, etc!  

            Herbert Marcuse (1898 a 1979), filósofo e sociólogo alemão, que se mudou para os Estados Unidos onde se naturalizou e foi professor e estudioso trata a questão da neutralidade científica, da seguinte forma: “Em outras palavras, a pretensa neutralidade da ciência e a indiferença quanto aos valores, dos quais ela se gaba, na verdade promovem o poder de forças externas sobre o desenvolvimento científico interno”. E se aprofunda ainda mais na análise: “Sua própria indiferença quanto aos valores, torna a ciência cega para o que acontece com a existência humana. Ou, formulando isso de modo diferente, e um pouco menos caridosamente, a ciência livre de valores promove cegamente certos valores políticos e sociais e, sem abandonar a teoria pura, a ciência sanciona uma prática estabelecida. O puritanismo da ciência transforma-se em impureza. E essa dialética levou à situação na qual a ciência (e não apenas a ciência aplicada) colabora na construção da mais eficiente maquinaria de aniquilamento da história”. (www.posugf.com.br. Apostila de Filosofia da Ciência Pós-graduação filosofia ano 2013).

       Percebe-se, pelas suas próprias palavras, e de um modo auto-explicativo, que Marcuse tem posição semelhante à de Leblond quanto à questão da neutralidade da ciência. Não. A ciência para Marcuse não é neutra. Ainda em suas palavras: “A ciência está ameaçada pelos seus próprios progressos, ameaçada por seu avanço como instrumento de um poder livre de valores, em vez de um instrumento de conhecimento e verdade. A ciência, como todo pensamento crítico, tem sua origem no esforço de proteger e melhorar a vida humana em sua luta com a natureza; o telos interno da ciência não é nada mais que a proteção e o melhoramento da existência humana. Essa tem sido a razão de ser da ciência, e seu abandono é equivalente à ruptura entre a ciência e a razão. A ciência pode de fato continuar a crescer, em um sentido limitado, como uma técnica, mas perderá sua própria raison d´être.

Para Marcuse, a única possibilidade de se reverter esse estado de coisas seria uma mudança social radical com uma mudança completa de valores e transformação das atuais instituições, de forma que houvesse um desaparecimento das necessidades sociais de produção de produtos parasitários e desperdiçadores, de competição por status e conformismo, com a restauração da natureza e abolição da afluência até que a miséria tenha desaparecido da face da terra.

           

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