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O "mito da caverna" de Platão e a formação da realidade através dos meios de comuicação de massa.



            O “Mito da Caverna” ou “Alegoria da Caverna” foi escrito por Platão e está contido em:  “ A República”.

            Na Alegoria, Platão narra a vida de alguns homens que nasceram e cresceram numa caverna. Ficavam presos de uma maneira tal que só podiam ver o fundo da caverna onde contemplavam uma réstia de luz que refletia sombras distorcidas de animais, objetos, pessoas que passavam diante da abertura da caverna.  Essa era a sua realidade. Toda a vida dos habitantes da caverna girava em torno dessas imagens, dessas sombras. Certo dia, um dos habitantes conseguiu se soltar e sair da caverna e, então, conheceu o lado externo, o mundo real. Viu a luz do sol, os objetos que eram refletidos pela luz solar na parede da caverna, com todas as suas cores e texturas. Tudo muito diferente do que estava acostumado a ver. Voltou para a caverna para contar aos seus amigos o que tinha visto, mas estes não acreditaram e, revoltados com a “mentira”, o mataram.

            Com essa alegoria, Platão apresenta a sua visão de mundo, dividido em duas realidades: a sensível, que se percebe através dos sentidos e a inteligível (o mundo das ideias) que se descobre a partir do pensamento, da razão. Nessa alegoria podemos perceber que a caverna representa o mundo em que vivemos. As sombras, as coisas materiais e sensoriais que percebemos através dos sentidos. O prisioneiro que se liberta é o filósofo em busca do conhecimento. A luz exterior é a verdade. O conhecimento, o mundo inteligível das ideias verdadeiras ou da verdadeira realidade. Os outros prisioneiros zombam e matam o filósofo porque imaginam que o mundo sensível é o real e único verdadeiro, e aí Platão faz referência ao seu mestre, Sócrates, que foi condenado ao suicídio não porque, como alegaram seus algozes, suas ideias estariam influenciando negativamente a juventude, mas porque, na verdade, estavam incomodando os poderosos de seu tempo.

             A alegoria, embora escrita na antiguidade, é, ainda, de uma impressionante atualidade quando aplicada à interpretação de nosso mundo, especialmente no que se refere aos meios de comunicação de massa.

            É quase imediata a relação que se faz entre as paredes da caverna e a televisão. Entre as imagens distorcidas que os prisioneiros da caverna viam e as informações, algumas também distorcidas, oriundas do aparelho de TV. Entre os habitantes da caverna presos por toda a vida em seus lugares e os telespectadores que não conseguem sair do sofá em frente ao aparelho de TV, nem para suas refeições em família. Também entre o filósofo, representado pelo fugitivo da caverna, e as pessoas que “ousam” contrariar o chamado senso comum, que muitas vezes nada mais é do que as opiniões, hábitos e ideias difundidas através da TV. Embora pensemos primeiramente na televisão, esse raciocínio pode ser estendido a todos os meios de comunicação de massa, ou seja, rádio, jornais, revistas, etc. A internet é um pouco diferente porque permite a interação individual entre as pessoas. As pessoas não tem, nesse meio virtual, uma atitude obrigatoriamente passiva, como ocorre nos outros meios.

            Podemos dizer que quando temos bilhões de pessoas, a maioria pouco instruída e sem um senso crítico suficientemente desenvolvido, com acesso a poucos meios de comunicação, esses meios de comunicação têm o poder de projetar para essas pessoas uma realidade própria através de notícias, de hábitos e atitudes refletidas através de filmes, novelas e seriados, sendo capaz de influir na visão dessas pessoas sobre o mundo e, portanto, no comportamento dessas pessoas, da mesma forma que ocorria com os prisioneiros da caverna, na alegoria de Platão. Mas qual seria a “realidade” que esses meios de comunicação transmitem aos usuários? A realidade refletida e percebida pela razão? A realidade segundo a visão da média das pessoas? A realidade segundo o ponto de vista da elite dominante? A realidade segundo aquelas pessoas que detém o domínio sobre os meios de comunicação? Provavelmente a última das hipóteses é a que se aproxima mais da verdadeira realidade.

            O problema não está nos meios de comunicação em sí, que são, inegavelmente, um avanço tecnológico importante e que têm a capacidade de prestar serviços inestimáveis às pessoas, mas no modo como nossa sociedade está organizada e que se reflete na forma como tais meios são empregados.

            Vivemos num mundo capitalista, extremamente consumista, onde tudo é transformado em mercadorias, que podem ser vendidas e compradas por quem oferece mais dinheiro. Os meios de comunicação têm donos e eles são poucos e muito ricos e poderosos. Eles definem quando, como e o que será veiculado nos meios de comunicação. Não há um controle social efetivo sobre eles em grande parte do mundo. Os jornais, revistas e, principalmente, emissoras de TV elegem e derrubam governantes em razão do poder de persuasão que têm. Do poder de criar uma realidade e transmiti-la, sem controle, a uma massa humana gigantesca. Por trás dessas empresas de comunicação temos empresários ávidos por dinheiro e que foram capazes, por exemplo, de estimular a venda de drogas, como cigarros e bebidas, que matam milhares de pessoas todos os anos. Apenas a mobilização social e a pressão sobre os Estados nacionais é que tem a capacidade de deter essa simbiose entre o capital e as empresas de comunicação, cujo único objetivo é o lucro e não a prestação de serviços à sociedade.

            Como vemos, a “Alegoria da Caverna” é um instrumento bastante útil e pedagógico para entendermos o nosso mundo, especialmente a maneira como os meios de comunicação criam uma realidade que é absorvida e tida como verdadeira por uma enorme parcela das pessoas do mundo, assim como ocorria como os habitantes da caverna. A função dos filósofos, tanto naquela época quanto agora, é discutir a realidade, levar as pessoas à luz do conhecimento e combater a força das trevas.

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