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A QUESTÃO DA INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL: UMA ABORDAGEM À LUZ DO PENSAMENTO DE THOMAS S. KUHN


 

JOÃO GILBERTO PARRAS BENITEZ[2]

 

 

 

RESUMO: O debate que envolve a independência dos bancos centrais não é recente, mas ganhou relevo nos anos 80 e 90 com a crise do Estado de Bem-Estar-Social e a queda do muro de Berlim, que simboliza o colapso dos Estados de Socialismo Real. A literatura sustenta que há um consenso entre economistas amplamente apoiado pela grande imprensa de que os bancos centrais têm a meta “natural” de garantir, através da política monetária, a estabilidade de preços. Para executar essa “missão”, os bancos centrais deveriam estar livres das influências políticas dos Estados Nacionais, que por pressão social têm como principal meta a redução do desemprego. O objetivo deste artigo é refletir, criticamente, sobre essa questão, na perspectiva do pensamento Kuhniano. Nossa hipótese é que esse consenso, longe de representar uma “lei natural”, na verdade se constitui no paradigma científico dominante num determinado momento histórico, e pode ser denominado de: “neoliberal” ou “ortodoxo”. Desenvolvemos, através de pesquisa bibliográfica, uma análise utilizando os conceitos de “paradigmas” e “ciência normal”, presentes no pensamento de Thomas S. Kuhn. Identificamos outras correntes de pensamento que tratam a questão de uma forma totalmente diversa do paradigma dominante, as quais serão também objeto de reflexão.

 

PALAVRAS-CHAVE:

Independência do banco central; política monetária; paradigmas econômicos; ciência normal; Thomas S Kuhn.

 

 

INTRODUÇÃO

            O objetivo deste artigo é refletir sobre a questão, já há algum tempo colocada em evidência pela grande imprensa especializada, da proposta de tornar o Banco Central do Brasil independente em relação ao Governo Federal. Não se trata de uma proposta surgida no âmbito nacional, mas uma recomendação de instituições financeiras internacionais como o FMI e o Banco Mundial. Manifestações de economistas através da imprensa e um aparente consenso dentro da comunidade profissional nos dão a impressão de que tal proposição seria apenas uma decisão de cunho técnico. Manuais didáticos utilizados no treinamento de novos profissionais consideram que, tendo em vista supostas leis econômicas aceitas pela comunidade científica, as funções do banco central seriam naturalmente determinadas. Dessa forma qualquer ingerência dos poderes políticos constituídos na operação do banco central seria, na melhor das hipóteses, inócua, ou então teria um efeito prejudicial ao bom funcionamento do mercado. Nosso objetivo é refletir sobre essa questão, transcendendo os limites da ciência econômica, utilizando o instrumental teórico da filosofia da ciência, mais precisamente o pensamento de Thomas S. Kuhn. Em seu livro: A estrutura das revoluções científicas, Kuhn discorda daqueles que entendem que a ciência se desenvolve através de um processo contínuo e propõe que esse desenvolvimento se dá “aos saltos”, através de revoluções. O filósofo desenvolve, em seu trabalho, os conceitos de paradigmas científicos, de ciência normal e revolução científica, entre outros, que utilizaremos no desenvolvimento deste artigo.

            Na primeira parte deste trabalho, procuraremos desenvolver a problemática da proposição da independência do banco central, sua origem, o seu embasamento teórico e o aparente consenso entre a comunidade científica sobre a necessidade de sua implantação. Analisaremos a existência de opiniões divergentes de grupos profissionais minoritários e os argumentos críticos. Em seguida explanaremos, de forma concisa, os princípios e conceitos do pensamento de Kuhn e a sua possível aplicabilidade aos fenômenos analisados.

            Na segunda parte do trabalho, vamos proceder a uma reflexão crítica da questão da independência do banco central, na perspectiva do pensamento kuhniano. A economia seria regida por leis imutáveis, de forma que as funções do banco central seriam naturalmente aquelas pregadas pelos atuais manuais de economia ou esta proposição seria apenas vinculada ao paradigma dominante neste momento histórico? Haveria outros paradigmas em gestação? Estamos no limiar de uma revolução científica nessa área? Os países que mais cresceram neste início de século, são aqueles que não adotaram as políticas ditadas pelas instituições econômicas internacionais, dentre elas a independência do banco central. Seria essa uma anomalia não explicada pelo paradigma atual, na ótica da teoria de Kuhn? O atual paradigma estaria em crise?

            Enfim, na conclusão do artigo, tentaremos tecer algumas considerações finais acerca do tema, sem, contudo objetivar o esgotamento da questão. Não pretendemos responder de forma taxativa estas importantes indagações, mas propor uma discussão sobre a questão. Pretendemos com este trabalho estimular e contribuir com o debate da questão da independência do banco central numa perspectiva interdisciplinar, tendo em vista a complexidade do tema.

1 - A PROPOSTA DA INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL

            Todo o sistema econômico opera através da moeda, que possui três funções: elemento intermediário das trocas, unidade de valor das trocas e reserva de  valor. (SIMONSEN; CYSNE, 1995, p.16). O sistema monetário é composto pelo Banco Central e pelos bancos comerciais (SIMONSEN; CYSNE, 1995, p.20).

            As funções típicas de um Banco Central são quatro: banco emissor de papel moeda, banqueiro do Tesouro Nacional, banqueiro dos bancos comerciais e depositário das reservas internacionais. O Banco Central é também a instituição reguladora da oferta monetária, através dos instrumentos de controle de que dispõe. (HELLER, 1983, p.233).

            Com esses instrumentos o Banco Central executa a política monetária, através do controle da oferta de moeda. Contrai e expande a oferta de moeda e de crédito no mercado, de forma coordenada com as políticas fiscal e cambial. Há normalmente um conflito entre os objetivos do Banco Central em praticar uma política monetária restritiva, com o intento de desaquecer a economia e controlar a inflação; e o desejo do Governo Nacional de manter o pleno emprego e a economia aquecida. Desse conflito permanente entre as decisões de estabelecer uma política monetária restritiva para manter a inflação sobre controle ou uma política expansionista com o objetivo de manter elevado o nível de empregos na economia é que surge a discussão sobre a independência ou autonomia do Banco Central. Certos autores justificam a necessidade de diferenciar os conceitos de autonomia e de independência do Banco Central, como em CROCCO; JAYME Jr ( 2003, p.6):

[…] a maneira mais adequada para se garantir a estabilidade de preços é através de um Banco Central que seja desvinculado de pressões políticas. De fato, a hipótese central é a de que o aumento no crescimento da oferta monetária conduz, inevitavelmente, a aumentos de preços, uma vez que a moeda, deferentemente do argumento Keynesiano, não é capaz de estimular o produto e a renda no longo prazo. Assim, um Banco Central livre de pressões políticas para obter-se menor desemprego no curto prazo, garantiria uma política monetária não inflacionária. A essência teórica deste argumento é a de que a moeda é neutra, ou seja, a política monetária não é capaz de atuar para afetar os níveis de produto e emprego, mas tão somente variáveis nominais especificamente a inflação. Neste caso, o melhor a se fazer, contrariando a lógica Keynesiana, é garantir uma política monetária cujo objetivo central é o de manter a inflação baixa.

         A proposta de BCI, portanto, garante, em princípio, independência de objetivos. Um pouco diferente da proposta de independência é a de autonomia do Banco Central. Neste caso, a autoridade monetária teria autonomia para utilizar os instrumentos de política monetária definidos pelo governo. Ou seja, o Banco Central se submeteria ao objetivo determinado pelo governo eleito e não seria independente da orientação de política econômica deste governo [...] De fato, independência e autonomia, não obstante possam ser diferentes do ponto de vista legal, são faces da mesma moeda do ponto de vista da política econômica, uma vez que a autonomia do Banco Central coloca a política monetária como tendo um status “superior” ao da política fiscal na condução da política econômica. A descoordenação entre políticas fiscal e monetária subjacente à idéia de autonomia ou independência do Banco Central demonstra que autonomia e independência não obstante diferentes legalmente tem o mesmo status teórico.

            Do texto acima, depreende-se que, para os autores citados, os conceitos de autonomia ou independência dos bancos centrais, em termos teóricos, são equivalentes.  Em função disso vamos utilizar, de agora em diante, apenas a expressão: independência do Banco Central (IBC), quando nos referirmos à essa questão.

            Outro ponto a destacar é que, embora dentro da comunidade acadêmica dos economistas, esta questão da IBC seja vista como uma necessidade técnica, esta não é uma posição unânime. Foram citados, no texto, os economistas Keynesianos que têm uma visão diferente da questão. Vamos nos referir a eles mais adiante. Por ora vamos nos concentrar na ótica do grupo majoritário que, como frisaram os autores citados, conferem um status superior à política monetária em relação à política fiscal e que por isso podem ser chamados de economistas monetaristas.

            O principal argumento que procura justificar esse status superior da política monetária é o de que a economia teria, teoricamente, uma taxa natural de desemprego para a qual a economia tenderia no longo prazo. Em razão disso, a política monetária só afetaria, no longo prazo, as variáveis monetárias. Em outras palavras, no caso de uma política monetária expansionista, com o objetivo de financiar gastos do Governo Central (política fiscal expansionista), a expansão monetária não iria reduzir as taxas de desemprego, no longo, mas apenas no curto prazo. Além disso, a expansão monetária iria apenas causar apenas inflação sem alcançar o objetivo de redução do desemprego que seria, para os monetaristas, “natural” (CROCCO & JAYME JR, 2003, p. 7).

            O argumento dos monetaristas considera que o mercado teria seus próprios mecanismos para o controle do desemprego. Quando o desemprego se tornasse excessivo, mecanismos de mercado obrigariam os trabalhadores a aceitar uma redução em seus salários reais, tendo as empresas, numa situação de crise, que reduzir os custos e a manter o nível de emprego. Considerando-se esses pressupostos teóricos, o problema do desemprego seria resolvido, no longo prazo, pelo simples funcionamento natural do livre mercado. Não haveria possibilidade de redução do desemprego abaixo da sua taxa natural. Já a inflação deveria ser controlada pela política monetária restritiva do Banco Central. De acordo com os monetaristas, o crescimento da oferta monetária é o principal determinante do aumento da inflação. De acordo com a teoria, o desemprego não seria, em nenhuma hipótese, no longo prazo, inferior a sua taxa natural. A política monetária expansionista, dessa forma, seria neutra, no longo prazo, no que se refere ao combate ao desemprego. Apenas geraria mais inflação.

            Há outro argumento utilizado para embasar a proposta da IBC. Trata-se da teoria das expectativas racionais. Essa teoria estabelece que os agentes econômicos não cometem erros quando estabelecem suas expectativas com relação à inflação, produto e renda. Qualquer política que o Governo Central tente adotar, através do Banco Central, em termos de política monetária expansionista seria antecipada pelos agentes econômicos. Assim, os preços seriam elevados aos primeiros sinais dessa política, anulando qualquer efeito sobre produto, renda e emprego. Um aumento de oferta monetária seria a senha para aumentos de preço sem que resultasse primeiro em aumento de produção e, consequentemente, de emprego. Em uma economia desse tipo, onde os agentes econômicos dispõe de informações suficientes e ágeis, qualquer atitude brusca do Banco Central, não prevista pelos agentes econômicos e que poderia induzi-los ao erro, reduz o que os monetaristas chamam de “credibilidade do Banco Central” o que leva a uma antecipação da ação dos agentes econômicos aumentando seus preços e gerando inflação. (CROCCO & JAYME JR, 2003, p. 6)

            A seguir vamos transcrever um texto extraído de um manual de economia, muito utilizado nas universidades brasileiras, e que versa sobre a teoria das expectativas racionais:

A macroeconomia das expectativas racionais baseia-se numa hipótese central: os agentes econômicos conhecem um modelo macroeconômico que descreve o comportamento das primeiras a partir das equações do modelo e do desempenho esperado das segundas, isto é, das regras esperadas de política econômica [...]

As conclusões [...]: o que influencia o produto é, apenas o excesso de oferta efetiva de moeda sobre a oferta esperada. Uma política monetária que mereça a credibilidade dos agentes econômicos [...] não tem qualquer efeito real sobre o produto, mas apenas sobre os preços. (SIMONSEN & CYSNE, 1995, p. 630)

                        Considerando que a política monetária expansionista é sempre neutra, no longo prazo, a simples indicação do Banco Central que irá aplicar uma política restritiva fará com que os agentes econômicos (que inclui o Governo Central) se antecipem e reduzam seus gastos e não aumentem seus preços, o que, ao mesmo tempo em que reduz o risco de aumento da inflação, reduz, inclusive, a possibilidade de recessão (redução dos níveis de produção).

            Para isso é necessário que o Banco Central tenha credibilidade junto aos agentes econômicos. Para que os agentes econômicos antecipem-se à política do Banco Central é preciso que tenham informações sobre a política que o Banco irá desenvolver e que “acreditem” nelas.

            Para PAULA, [...] os agentes têm expectativas racionais: os indivíduos utilizam todas as informações disponíveis, bem como seu entendimento de como funciona a economia quando formam suas expectativas. Por essa teoria, os agentes econômicos sempre anteciparão qualquer medida de política monetária. E como resultado, uma política expansionista será inócua sobre as variáveis reais (não monetárias): produto e emprego. (PAULA, ano IV, n.2, 2002, p. 2).

            Temos então um arcabouço teórico reunindo as teorias de que a flutuação quantitativa da moeda é neutra, no longo prazo, no que se refere a produto, renda e emprego, em razão das taxas “naturais” de desemprego e a teoria das expectativas racionais que sustenta que os agentes econômicos agem sempre de forma racional, antecipando os resultados da política monetária praticada pelo Banco Central. A combinação destes dois pressupostos teóricos fundamenta o discurso, majoritário, daqueles que defendem a IBC.

            Em síntese, a questão é colocada dessa forma por MENDONÇA, 2000, p.103-104:

O significado do termo independência tem aparecido na maior parte da literatura, como a capacidade do BC em não ceder diante das forças políticas para monetizar grandes déficits orçamentários, isto é, há a necessidade de independência institucional em relação aos poderes executivo e legislativo.

Fischer (1995) estabelece a definição do conceito de independência como sendo o resultado  de outros dois: independência de instrumento (instrument Independence) e independência de meta (goal independence). No primeiro caso há a necessidade que o BC tenha a sua disposição os instrumentos necessários para que possa alcançar seus objetivos sem depender de nenhuma outra autoridade política. Por outro lado, a independência de meta refere-se à liberdade que o BC possui para definir qual o objetivo a ser alcançado.

            Teoricamente, segundo o autor citado, um Banco Central independente pode conseguir melhores resultados, em termos de estabilidade de preços e desemprego, do que um Banco Central submisso aos interesses de um Governo Central.

            O texto a seguir foi extraído de SADDI (1977, p.60), um outro “manual” de economia, que ilustra bem a posição da comunidade científica majoritária:

O Poder Executivo usa da política monetária para duas finalidades, em vez de uma só: deseja a estabilidade dos preços, mas com a geração de empregos. Tenta, assim, otimizar dois objetivos, ao tolerar um pouco de inflação em troca de uma taxa de desemprego menor. Políticos, no entanto, são homines oeconomici, que trabalham para manter-se no poder e suas ações especialmente em períodos pré-eleitorais, podem favorecer determinados interesses específicos em  detrimento do público em geral.

            Se considerarmos esses argumentos como principais fundamentos técnicos de que uma política monetária expansionista é neutra, no longo prazo, no que se refere à elevação do nível de empregos e também de que as chamadas “expectativas racionais” eliminariam qualquer possibilidade de sucesso de politicas monetárias pouco conservadoras; chega-se à conclusão, de que os Bancos Centrais devem ter uma única função: garantir a estabilidade de preços (PAULA, ano IV, n.2, 2002, p. 1).

            Para os economistas monetaristas, a ingerência do Poder Executivo na gestão da política monetária do Banco Central acaba por perturbar, quando não inviabilizar a execução de sua precípua função. Isto porque os políticos têm, principalmente em períodos pré-eleitorais, objetivos diferentes daquele que seria o objetivo “natural” a ser perseguido pelo Banco Central. A partir dessa teoria, surge a proposta de IBC, que, ao mesmo tempo, garantiria que objetivos políticos não influenciariam, de forma negativa, a missão da instituição em garantir, a todo custo, a estabilidade de preços.

            A IBC, aliada à indicação de um presidente da instituição conservador e que esteja disposto a não ceder aos interesses do Governo Central conferiria a necessária credibilidade ao Banco Central, o que seria imperioso se levarmos em consideração a teoria das expectativas racionais.

            Esta passagem de SADDI (1997, p.244) ilustra bem a proposição:

Ao atuar como guardião da moeda, o Banco Central autônomo presta um segundo favor à nação: serve de mecanismo eficiente de freio e contrapeso ao sistema político vigente. No regime democrático é necessário que “o poder controle o poder”. O melhor controle, neste caso, é a outorga de uma parcela deste poder – o monetário – a uma instituição que, fazendo parte do Poder Executivo, tenha um mandato fixo, com condições para o seu exercício e parâmetros ara o seu desempenho.

            SADDI (1997, p.60) ainda especifica quais deveriam ser as características ideais dos banqueiros centrais:

Os banqueiros centrais tendem a ser mais preocupados com os riscos da inflação, se comparados aos políticos. Sua postura conservadora pode ser ser atribuída a inúmeras causas. Talvez a mais importante seja o fato de que, apesar de ocuparem cargos públicos, não estão diretamente vinculados à aprovação de eleitores. Há outros elementos, tais como seu estreito relacionamento com a comunidade financeira, cujos membros, ao mesmo tempo que o julgam, tendem a ser os principais aliados dos bancos centrais. Além do mais, a atividade do Banco Central reveste-se de uma certa mística que eles próprios desenvolvem.         

            A proposta de IBC, que não é recente, teve um impulso importante nos anos 80 e 90, quando, nos governos Reagan (EUA) e Thatcher (Reino Unido), foram implementadas políticas chamadas neoliberais, mesma época em que a queda do muro de Berlim anunciou o fim da URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas e, em consequência, a queda dos governos socialistas do Leste Europeu, de economia planificada e o aparente triunfo do capitalismo liberal.

            As propostas neoliberais ganham força nesse período, principalmente após o advento do chamado Consenso de Washigton. (BATISTA JR, 1994).

            BATISTA Jr (1994, p.5-6), resume o que foi o Consenso de Washington:

Em novembro de 1989, reuniram-se, na capital dos Estados Unidos, funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados – FMI, Banco Mundial e BID – especializados em assuntos latino-americanos. O objetivo do encontro, convocado pelo  Institute for International Economics, sob o título ”Latin American Adjustment: How Much Has Happened?, era proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da região. Para relatar a experiência de seus países também estiveram presentes diversos economistas latino-americanos, as conclusões dessa reunião é que se daria, subsequentemente, a denominação informal de “Consenso de Washington”: [...] Nessa avaliação [...] ratificou-se, portanto, a proposta neoliberal, que o governo americano vinha insistentemente recomendando, por meio das referidas entidades, como condição para conceder cooperação financeira, externa, bilateral ou multilateral.

            O Consenso de Washington contribuiu para a ressurreição de velhas ideias liberais, num momento em que os países latino-americanos estavam endividados, por conta das crises do petróleo e, em consequência, de suas dívidas externas.

            A imprensa apoiou entusiasticamente as propostas neoliberais, dentre elas a função única e natural dos Bancos Centrais: a estabilidade de preços.

            Um grande número de economistas latino-americanos, formados nas universidades de Chicago e Harvard e treinados dentro de uma visão clássica e monetarista dos problemas econômicos; passaram a difundir essa perspectiva teórica nas universidades sul-americanas e ocuparam cargos de comando nas Administrações de países como México e Argentina.

            Dessa forma, a proposta neoliberal tornou-se predominante e com ela a proposição do IBC. (BATISTA JR, 1994).

2 - A TEORIA DE THOMAS S. KUHN.

            Uma questão polêmica que se coloca no campo da filosofia da ciência é se a ciência se desenvolve ao longo do tempo, de forma linear, através do acúmulo de conhecimento, ou, ao contrário, se esse desenvolvimento ocorre “aos saltos”, através de revoluções, onde teorias novas substituem as anteriores.

            Para Thomas S. Kuhn, o avanço da ciência se dá através de um processo que ele chama de revoluções científicas.

            Na obra A estrutura das revoluções científicas (KUHN, 2011), Kuhn faz uma análise histórica do desenvolvimento científico e através de exemplos reais da atuação de cientistas, ao longo dos últimos séculos, elabora a teoria de que a ciência se desenvolveu através de revoluções. Kuhn, em suas palavras, considera que revoluções científicas são: [...] aqueles episódios de desenvolvimento não cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente substituído por um novo, incompatível com o anterior (KUHN, 2011, p. 125).

            Se o desenvolvimento a ciência não é cumulativo, porque temos, então, a impressão do contrário? Kuhn explica essa questão através do conceito de ciência normal, que significa a pesquisa firmemente baseada em realizações científicas passadas. Em outras palavras, na ciência normal, o desenvolvimento dos conhecimentos é cumulativo. Um arcabouço de conhecimentos é formado e reconhecido durante algum tempo por uma determinada comunidade científica. Esse conjunto de conhecimentos, métodos e instrumentos relativos a um campo de pesquisas, Kuhn denomina de paradigma. Os paradigmas possuem duas características essenciais:

a)      Suas realizações devem ser sem precedentes para atrair um grupo duradouro de seguidores, afastando-os de outras formas de atividades científicas similares.

b)     Suas realizações devem ser abertas para deixar toda uma gama de problemas para serem resolvidos por esse grupo de praticantes da ciência. (KUHN, 2011, pp. 29-30).

            Esse conceito de paradigma está diretamente ligado ao conceito de ciência normal de Kuhn. Para o filósofo, o estudo dos paradigmas é o que prepara basicamente o estudante para ser membro da comunidade científica na qual atuará mais tarde. Quando ingressar efetivamente na sua comunidade científica, o novo cientista se reunirá a outros que também foram treinados dentro do mesmo paradigma, que aprenderam os mesmos modelos concretos, métodos e teorias. Uma vez que boa parte da comunidade científica foi treinada no mesmo paradigma, raramente haverá desacordos sobre seus fundamentos. (KUHN, 2011, pp. 29-30). Quando estabelecido, um paradigma é um modelo ou padrão aceito por determinada comunidade científica. Um paradigma no seu início, na sua gênese, costuma ser limitado, necessitando de uma melhor articulação e desenvolvimento. Geralmente teorias adquirem status de paradigmas quando são mais bem sucedidas que suas competidoras na solução de problemas considerados como graves. Essa característica dos paradigmas, já comentada, de que, naturalmente possuem lacunas, imprecisões que precisam ser solucionadas, faz com que a maioria dos cientistas, treinados dentro de um determinado paradigma, passe toda a sua carreira ocupando-se com operações de acabamento. Em outras palavras, passam toda a sua vida profissional tentando contribuir para o aperfeiçoamento do paradigma. Isso é o que Kuhn denomina de ciência normal.

            Assim fala o filósofo acerca do conceito de ciência normal:

A ciência normal não tem como objetivo trazer à tona novas espécies de fenômeno, na verdade, aqueles que não se ajustam aos limites do paradigma frequentemente nem são vistos. Os cientistas também não estão constantemente procurando inventar novas teorias; frequentemente mostram-se intolerantes com aquelas inventadas por outros. Em vez disso, a pesquisa científica normal está dirigida para a articulação daqueles fenômenos e teorias já fornecidos pelo paradigma. (KUHN, 2011).

            Uma das características da ciência normal é seu baixo interesse em produzir grandes novidades, seja no domínio dos conceitos ou dos fenômenos. As pesquisas ocorrem sempre dentro dos limites do paradigma. Para os cientistas normais, os resultados obtidos na ciência normal são significativos na medida em que contribuem para aumentar o alcance e a precisão com os quais o paradigma pode ser aplicado. Dito de outra forma, o objetivo é preencher as lacunas do paradigma, de forma a aperfeiçoá-lo.

            Para Kuhn, resolver problemas da pesquisa normal é uma atividade compatível a montar complexos quebra-cabeças instrumentais, conceituais e matemáticos. O cientista bem sucedido nessa atividade prova que é um perito. O desafio, apresentado pelo jogo de quebra-cabeças, constitui parte importante da motivação que o cientista necessita para a execução do seu trabalho, ou seja, da ciência normal. (KUHN, 2011, pp. 58-59).

            O paradigma, é importante notar, estabelece regras para o seu próprio desenvolvimento. O problema a ser resolvido deve oferecer uma solução possível, certa, e deve oferecer regras que antecipem as possíveis soluções aceitáveis e os métodos para obtê-las.

            A ciência normal, da forma concebida por Kuhn, como uma atividade que objetiva solucionar quebra-cabeças teóricos, é, portanto, ciência do tipo cumulativo, onde o conhecimento acumulado amplia continuamente o volume e a precisão do conhecimento científico. A ciência normal não se propõe a descobrir fenômenos novos ou estabelecer novas teorias. Ocorre que novos fenômenos, novidades no campo teórico, cruzam o caminho dos cientistas com frequência. Inconsistências do paradigma, as quais Kuhn chama de anomalias, são normalmente desprezadas. As soluções são procuradas sempre dentro da lógica do paradigma. A consciência da anomalia vai surgindo aos poucos, de forma que os conceitos do paradigma são adaptados até que o que era considerado inicialmente como anômalo se converta no previsto. É sempre a partir do paradigma que é possível observar as anomalias. Quando se identifica, dentro de um paradigma, um número crescente de anomalias, a ciência normal não mais consegue, através da pesquisa normal, resolver problemas. Temos, então, uma crise do paradigma. (KUHN, 2011, pp. 93-105).

            As crises de paradigmas indicam que chegou o momento de renovar os instrumentos. De sair do paradigma para a resolução dos problemas que não podem ser resolvidos pela ciência normal. Interessante notar que, mesmo diante de graves anomalias, os cientistas não abandonam o paradigma. Continuam tentando a resolução dos quebra-cabeças teóricos na lógica do paradigma. Uma teoria que é alçada à condição de paradigma por uma comunidade científica apenas é considerada inválida quando surge uma nova teoria, em condições de substituí-la. (KUHN, 2011, pp. 110-111).

            Durante a crise do paradigma e a consequente flexibilização das regras da ciência normal, pode-se chegar um momento em que não se reconhece mais o paradigma. Nesse momento de auge da crise do paradigma, surgem outros candidatos a paradigma e começa o processo que conduzirá ou não a sua aceitação pela comunidade científica. (KUHN, 2011, pp. 115-116). Esse processo de transição entre paradigmas, segundo Kuhn, não se confunde com o processo cumulativo, obtido através da evolução do velho paradigma até se chegar ao novo. É  uma reconstrução da área de estudos através do surgimento de outras teorias, métodos e instrumentos de pesquisa. Durante o período de transição, muitos problemas poderão ter suas soluções encontradas em ambos os paradigmas, porém de maneira diferente (KUHN, 2011, p. 116), utilizando métodos e fundamentos diferentes.

            Terminada a transição, os cientistas terão adotado novas teorias, instrumentos e métodos a serem utilizados na nova ciência normal que se fundamentará no novo paradigma. É nos momentos de crise de paradigmas que os cientistas se voltam para a análise filosófica com o intuito de entender e resolver a crise.

            Kuhn notou algo interessante, em sua pesquisa histórica, sobre o desenvolvimento da ciência: que nos momentos de crise, são geralmente os cientistas mais jovens, que produzem as grandes descobertas. O filósofo atribui isso ao fato de estarem na área de estudos há menos tempo e, portanto sob a influência do paradigma que procuram modificar.   É justamente essa transição para um novo paradigma que Kuhn chama de revolução científica. Esse processo de identificação de um crescente número de anomalias, as tentativas de ajustar o paradigma à nova realidade, o descontentamento dos cientistas com o paradigma, os debates sobre os fundamentos e por fim, o recurso à filosofia são sintomas de uma transição da pesquisa normal para a extraordinária.         

            Kuhn argumenta que o processo de substituição de paradigmas não se limita às teorias envolvidas. Isso altera o modo de vida dos cientistas. Grandes especialistas num determinado paradigma não mais serão considerados tão importantes quando seu paradigma for substituído por outro. Assim, nas palavras do filósofo:

Quando os paradigmas participam – e devem fazê-lo – de um debate sobre a escolha de um paradigma, seu papel é necessariamente circular. Cada grupo utiliza seu próprio paradigma para argumentar em favor desse mesmo paradigma. (KUHN, 2011, p. 127).

            Quando a discussão se dá através de argumentos circulares, a força da argumentação torna-se eminentemente persuasiva, seja qual for a força técnica dos argumentos. Assim, a força de persuasão de um grupo de cientistas é fundamental no processo de substituição de paradigmas dentro da comunidade científica.

            A fase de transição de um paradigma a outro, assemelha-se ao estado pré-paradigmático, situação onde todos praticam a ciência, mas o resultado não se assemelha à ciência. Não há a cumulatividade característica da ciência normal.

            A adoção de um novo paradigma pode significar a reestruturação completa da ciência correspondente. Pode surgir uma nova ciência, questões relevantes no antigo paradigma podem ser convertidas em importantes áreas de estudo. Antigos problemas podem deixar de ser considerados problemas científicos, por exemplo. (KUHN, 2011, p.137-138).

            Outro aspecto importante abordado por Kuhn, em sua teoria, é que a visão de mundo do cientista é vinculada ao paradigma no qual foi treinado.

            Vejamos o que diz o filósofo sobre essa questão:

Somente após várias dessas transformações de visão é que o estudante se torna um habitante do mundo do cientista, vendo o que o cientista vê e respondendo como o cientista responde. Contudo, este mundo no qual o estudante penetra não está fixado de uma vez por todas, seja pela natureza do meio ambiente, seja pela ciência. Em vez disso, ele é determinado conjuntamente pelo meio ambiente e pela tradição específica de ciência normal na qual o estudante foi treinado. (KUHN, 2011, p. 148).

            Kuhn entende que a própria percepção do mundo precisa de algo semelhante a um paradigma como pré-requisito. Em outras palavras, o que o homem vê depende tanto do objeto que ele observa quanto de sua experiência visual-conceitual prévia que o ensinou a ver. (KUHN, 2011, p.149-150). Dessa forma, temos que o mundo continua a ser o mesmo após uma mudança de paradigma, no entanto a forma como o cientista vê o mundo muda muito. Cientistas com paradigmas diferentes enxergam coisas diferentes no mundo e empenham-se em pesquisas diferentes, embora continuem utilizando, muitas vezes os mesmos instrumentos e métodos do paradigma anterior.

            Kuhn aborda, com propriedade, a questão dos manuais científicos. Os manuais científicos, juntamente com os textos de divulgação e obras filosóficas moldadas naqueles, referem-se a um corpo articulado de problemas, dados e teorias, representando muitas vezes um conjunto de paradigmas aceitos pela comunidade científica, num dado momento histórico. (KUHN, 2011, p. 176).

            Os manuais científicos registram o estado, num dado momento, de revoluções científicas anteriores. É como uma compilação de paradigmas aceitos pela comunidade científica no momento em que os manuais foram escritos. Quase todo o conhecimento científico está baseado nesses manuais e na literatura derivada deles. Esses manuais têm a função pedagógica de perpetuar a ciência normal e são sistematicamente reescritos após as revoluções científicas, contendo novas linguagens, métodos e estruturas de problemas da ciência normal. À medida que os manuais, ao longo da história, vão sendo reescritos, eles dissimulam a própria existência das revoluções, dando a impressão de que o desenvolvimento da ciência seja cumulativo. (KUHN, 2011, pp. 176-177).

            Os manuais não permitem que os cientistas tenham uma visão histórica da evolução de sua própria disciplina. Não abordam de forma consistente a história da evolução da ciência, apenas vão substituindo conhecimentos e teorias por outros. Sua função precípua é preparar, rapidamente, os novos cientistas para a prática da profissão, com os conhecimentos julgados essenciais e aceitos pela comunidade científica num dado momento. São, portanto, os principais veículos de consolidação dos novos paradigmas. Com o tempo, mais cientistas são convencidos das possibilidades dos novos paradigmas, que vão sendo inseridos pouco a pouco nos manuais e adotarão a nova prática da ciência normal. (KUHN, 2011, p. 202).

            Em suma, para Kuhn, os manuais preparam adequadamente os cientistas para o exercício da ciência normal. (KUHN, 2011, pp. 210-211).

3 - A TEORIA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS DE KUHN E A QUESTÃO DA INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL (IBC).

            A proposição da IBC está fundamentada, como vimos, basicamente em dois postulados. O primeiro é que a economia teria, teoricamente, uma taxa natural de desemprego, no longo prazo. E o segundo é a Teoria das Expectavas Racionais que estabelece que os agentes econômicos não cometem erros no momento em que concebem suas expectativas com relação à inflação, produto e renda. Dessa forma, qualquer política que o Banco Central adotasse seria antecipada pelos agentes econômicos que anulariam o seu efeito. Considerando esses postulados, temos que qualquer política monetária expansionista seria neutra, no longo prazo, no que se refere à elevação do nível de emprego. O Banco Central teria, assim, uma única e “natural” função: garantir a estabilidade de preços. Se a única função do Banco central é essa e se os Governos Centrais, principalmente em períodos pré-eleitorais, tem a tendência a suportar mais inflação em troca de menos desemprego e poderiam, então, conduzir o Banco Central a desviar-se de suas funções “naturais”; o melhor para a economia, de qualquer nação, seria a IBC.

            A primeira questão a ser analisada é se, realmente, trata-se de uma questão técnica. Se os dois postulados são verdadeiros, se se tratam de leis universais, pois, caso contrário, o Banco Central poderia ter outras funções e a IBC não seria uma questão pacífica e incontestável. Embora majoritária essa concepção de política monetária não é única. Vejamos como Crocco & Jayme Jr criticam os fundamentos teóricos que sustentam a proposta de IBC:

O primeiro aspecto a ser analisado é a suposição da existência de uma taxa natural de desemprego. Vários questionamentos podem ser feitos a esta hipótese. Em primeiro lugar, estão os fatos empíricos. Na história do capitalismo são raros, para não dizer inexistentes os períodos em que a economia operou na sua respectiva taxa natural de desemprego. Em segundo lugar há a discussão sobre em que medida os diversos mercados funcionam da forma supracitada. Limitando-se apenas ao caso do mercado de trabalho, é amplamente conhecido o fato de que não existe um mecanismo automático de ajuste que reduza ou aumente os salários reais, de acordo com a oferta e procura por mão de obra. [...] O importante aqui é ter claro que trabalhadores e empresários não se confrontam com a mesma correlação de forças. Em última instância, quem define quando e quanto contratar são os empresários.

Este mesmo raciocínio é aplicável a todos os outros mercados. Ou seja, empiricamente, não existe o chamado livre mercado que equilibraria demandantes e ofertantes nos diversos tipos de mercado, de forma a permitir uma alocação ótima de recursos. Em outras palavras, a hipótese de taxa natural de desemprego seria apenas hipotética, não existindo evidências de sua existência na economia capitalista (CROCCO & JAYME JR, 2003, pp. 10-11).

            Ainda, segundo os referidos autores, se não há comprovação da existência da taxa natural de desemprego, a concepção de que a política monetária não traria efeitos no longo prazo, na criação de empregos e elevação da produção, não seria também sustentável. Os autores vão ainda mais longe quando sustentam que: “aceitar que a política monetária pode afetar permanentemente o nível de atividade econômica implica também em aceitar que é necessária uma coordenação entre esta e a política fiscal” (CROCCO & JAYME JR, 2003, p. 11).

            O outro pressuposto, no qual fundamentam-se os defensores da IBC é o das expectativas racionais, onde a credibilidade do banqueiro central, na execução das funções “naturais” do Banco Central é fator essencial.

            Vejamos o que diz Crocco & Jayme Jr a respeito:

Inicialmente é necessário reconhecer que o conceito de política econômica de credibilidade incorre em um problema de circularidade. Uma política para ter credibilidade deve atingir seus objetivos. No entanto, segundo os adeptos do Banco Central Independente, para atingir seus objetivos a autoridade deve possuir credibilidade. Ou seja, a credibilidade é condição e resultado de uma política monetária. Em sociedades dominadas por uma concepção de política econômica (qualquer que seja ela), esta circularidade impõe um caráter extremamente ”antidemocrático” à condução da economia. A necessidade de se implementar  políticas  “confiáveis” para a obtenção dos resultados desejados faz com que políticas alternativas à dominante sejam excluídas “a priori”. A possibilidade de se testar outras políticas é descartada por definição.

Este aspecto é muito claro no atual debate sobe independência/autonomia do Banco Central e política econômica. A dominância de uma concepção de economia no Brasil nos anos FHC produziu um “falso consenso” de que existia apenas uma única política econômica a ser implementada. Qualquer alternativa é vista com desconfiança, gerando reações adversas, mesmo antes de implementadas. Ou seja, a própria reação de setores da sociedade faz com que alternativas não possam ter o tempo necessário para atingirem seus objetivos não conseguindo assim a credibilidade necessária para se sustentarem no decorrer do tempo.

Este comportamento de setores da sociedade acima descrito nos leva ao segundo ponto a ser destacado, vale dizer, a credibilidade de uma política econômica é determinada por fatores “endógenos”, à sociedade onde é implementada, e não determinada exogenamente, por um manual de economia qualquer.

No atual mundo de liberalização financeira e globalização, a credibilidade de políticas econômicas é assegurada pela mobilização de poderes políticos e econômicos. Políticas de caráter neoliberal, ao terem o suporte de organismos e capitais internacionais, facilitam o influxo de recursos e “criam” credibilidade. Ou seja, tais políticas não são inerentemente confiáveis, mas são assim transformadas pelo suporte de grupos de interesse que se beneficiam destas políticas. (CROCCO & JAYME JR, 2003, pp. 13-14).

            Verificamos, portanto, em Crocco & Jayme Jr, que os fundamentos teóricos que justificariam a IBC não são, efetivamente, aos olhos de todos os economistas, leis imutáveis, como defende o grupo majoritário dos monetaristas ou neoliberais. Há inconsistências claras. Além disso, é cristalino que a teoria, ao mesmo tempo em que se auto justifica, inviabiliza a aplicação de qualquer outra. Portanto, fica demonstrado, na concepção dos autores, que o critério de credibilidade não é puramente econômico, mas político. Assim, a credibilidade da política econômica é determinada por forças políticas e não pelo que determinam as leis econômicas expostas nos manuais científicos.

            Um exemplo da atuação dessas forças políticas na garantia de uma suposta “credibilidade” do Banco Central temos em Garagorry:

Porém, nos anos 90, passamos a ter a presença ostensiva de representantes do mercado financeiro internacional na direção do BC, especialmente nestas duas últimas gestões [...] Mais especificamente, sob o regime de metas de inflação nenhuma outra política pode entrar em conflito com a sua execução, pois a política monetária passa a ter a precedência sobre as demais políticas (GARAGORRY, 2004, Vol. 11/12).

            Está claro que, embora majoritário, o grupo dos economistas monetaristas, ou neoliberais não é o único. Há outras teorias econômicas. Vamos, agora, explanar sobre elas.

            Existem, segundo Oliveira e Correia, duas concepções antagônicas desse ramo científico que são: Economia e Economia Política. Deixemos os próprios autores definirem a diferença entre as concepções, citando o economista português Antônio José Avelãs Nunes:

[...] a denominação dessa disciplina como simplesmente “Economia” é um fenômeno relativamente recente – a partir de 1890 com a obra ”Principles of Economics”, de Alfred Marshall – e se relaciona com uma corrente do pensamento que busca compreender o fenômeno econômico como “algo puro, tal como a matemática e a física”. [...] A economia neoclássica é um enfoque que explica o funcionamento dos mercados a partir de pressupostos bastante restritivos em especial um modelo centrado na figura do homo economicus, segundo o qual “indivíduos escolhem ações com base na avaliação previsível de suas consequências baseados em preferências egoístas e determinadas exogenamente e por isso as interações sociais tomam a forma exclusivamente de intercâmbios contratuais”. Desse modo as motivações altruístas são excluídas, como fator de explicação da ação dos agentes econômicos. [...] Por outro lado, a “Economia Política” – nome original da disciplina adotada pela primeira vez pelo mercantilista francês Antoine de Montchrestien, na obra “Traité d’Economie Politique” (1615) – contempla uma visão do fato econômico radicalmente diferente, na medida em que vislumbra a adoção de elementos não-econômicos (história, política, direito, antropologia, filosofia). Parece-nos que o atual debate sobe a independência técnica do Banco Central evidencia a inconsistência de uma visão puramente matematizada do fenômeno econômico e consequentemente o resgate de uma visão holística e interdisciplinar proporcionada pela economia política. (OLIVEIRA & CORREIA, Pesquisa acadêmica, pp. 5-6).

            A partir dessas duas visões antagônicas da ciência econômica, Buarque identifica três grupos básicos de economistas, que são, nas suas próprias palavras:

1 – Os neoclássicos, sob a forma dos modernos monetaristas, que ainda defendem o papel de observação não intervencionista, limitando-se a pequenas medidas monetárias e a justificar a intervenção na política para que, através da ditadura  policial, os sindicatos e as massas não gerem desequilíbrios por excesso de reinvindicações de empregos e salários nos momentos de crise.

2 -  Os marxistas ortodoxos, concetrando-se na análise crítica da estrutura capitalista e propondo uma transformação global e radical da sociedade; com o que o planejamento central evitaria as crises, ao mesmo tempo que conduziria a economia a um processo crescente de produção, distribuída equitativamente entre a população.

3 – Os descendentes do keynesianismo, às vezes com tinturas marxistas na análise, propondo intervir e influir na economia sem mudanças na estrutura social onde ela se situa, na busca de um capitalismo eficiente e moderno. (BUARQUE, 1990, pp. 27-28)

            Percebemos que, das duas visões antagônicas da Ciência Econômica, como descritas por Antônio J. Avelãs Nunes apud Oliveira e Correia, Economia e Economia Política derivam três grupos de cientistas econômicos. Dois grupos igualmente antagônicos, os neoclássicos e os marxistas e um terceiro grupo, que combina elementos dos outros dois: os keynesianos, ou, mais recentemente, os pós-keynesianos.

            Esses grupos descritos por Buarque, em determinados momentos da história e em determinadas regiões foram dominantes, majoritários. Em síntese temos que os clássicos, ou liberais, dominaram a ciência econômica até a Grande Depressão, de 1929. Os marxistas, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS e os países do Leste Europeu, da Revolução Russa até a Queda do Muro de Berlim, em 1990. Os keynesianos, após 1936, mas principalmente de 1950 a 1973, nos EUA e Europa Ocidental. Os neoliberais, a partir dos anos 80 no Ocidente (NOVELLI, 1998, pp. 1-6).

            No Brasil, houve uma razoável sincronia temporal com o que ocorreu no resto do mundo. O pensamento liberal foi dominante na condução da economia até 1930, depois houve predominância keynesiana até meados dos anos 80 e a dominação do neoliberalismo em seguida. (NOVELLI, 1998, pp. 1-3)

            Essa alternância histórica na predominância no comando da economia, tanto nos países desenvolvidos, quanto no Brasil, principalmente do grupo dos liberais, depois dos keynesianos e, finalmente, dos neoliberais (não consideraremos na análise o grupo dos marxistas), refletiu-se, logicamente, na concepção de como deveriam operar os Bancos Centrais.

            Assim temos, em apertada síntese, que, até 1914, com o padrão ouro, isto é, a conversibilidade das chamadas moedas fortes, naquele metal, a principal função dos Bancos Centrais (os primeiros da história), era simplesmente manter a convertibilidade da moeda em ouro. O principal mecanismo para isso era o controle da taxa de juros. Os primeiros Bancos Centrais nasceram como bancos comerciais que passaram a ter, posteriormente, funções de Bancos Centrais. Os Bancos Centrais nessa época eram relativamente neutros quanto à sua influência política, já que o valor da moeda estava ligado ao volume de ouro mantido em seus cofres. Sua operação era relativamente simples. No período entre 1919 e 1945, os Bancos Centrais perderam autonomia em relação aos governos, em função das Grandes Guerras Mundiais e da Grande Depressão, e passaram a se subordinar ao Tesouro. Após o final da Segunda Guerra Mundial, no período de predominância das políticas keynesianas, as funções dos Bancos Centrais foram ampliadas, de forma a operar políticas com vistas ao pleno emprego e ao crescimento econômico. A partir das duas crises do petróleo, nos anos 70, os keynesianos passaram a adotar, na condução da economia,  tanto  a política fiscal quanto a monetária, esta com o objetivo de controlar a inflação, porém, ainda com predominância da política fiscal. Quando os neoliberais voltaram ao controle das economias centrais, nos anos 80, e com o já citado Consenso de Washington, também nos países periféricos nos anos 90; passou a predominar novamente a política monetária e os Bancos Centrais converteram-se ao monetarismo pragmático e, consequentemente, foram limitados à função precípua de controlar a inflação, através da política monetária restritiva. (NOVELLI, 1998, pp. 7-9).

            Com a predominância da teoria monetarista, dos economistas neoliberais, surge, então, a proposição da IBC, onde o Banco Central assumiria a função primordial de guardião da política monetária, posição em que haveria a necessidade de “protegê-lo dos Governos Centrais”, sempre tendentes a preferir uma inflação controlável a uma taxa elevada de desemprego.

            Parece-nos claro, agora, que, embora a comunidade científica majoritária, no campo da ciência econômica, sustente a ideia de que é fundamental a implementação da proposição da IBC, esta não é uma posição unânime. Há grupos minoritários contrários. Verificamos, também, a partir de uma rápida análise histórica, que essa proposição está ligada a uma determinada visão da Ciência Econômica, o monetarismo, ou neoliberalismo. Vimos ainda que a hegemonia entre os adeptos da Economia e da Economia Política, e dentro dessas visões, entre economistas liberais, keynesianos e marxistas, vem se alternando ao longo do tempo.

            Refletindo sobre o tema, à luz do pensamento de Thomas S. Kuhn, podemos começar a desvendar o que está oculto nessa discussão acerca da “necessidade técnica” da IBC. De fato essa questão ocupa, com grande frequência, as páginas dos nossos jornais, já há bastante tempo e até os dias de hoje. Como exemplo, podemos citar a seguinte notícia: “Estudo da OCDE recomenda mandato fixo para diretores do Copom”. (OCDE, 2013). O texto noticia que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) apresentou um estudo sobre a economia brasileira e recomenda a melhoria da credibilidade da política monetária do Banco Central do Brasil e o estabelecimento de mandados fixos para os diretores do comitê de política monetária (Copom) do Banco Central, que é o órgão que estabelece a taxa de juros do país e a política monetária. O referido artigo não só, na prática, traz a recomendação de adoção de providências que conduziriam o Banco Central a uma situação de maior independência em relação ao Governo Central, como denota, a um só tempo, a predominância dessa posição na comunidade científica, a aparência de que se trata de uma medida técnica, o apoio dos meios de comunicação brasileiros à essa proposta e, também, a pressão de organismos internacionais para que se adote essa medida.

            Podemos perceber, então, que a proposição, longe de ser uma questão técnica, baseada no que seria uma função “natural” de qualquer Banco Central, esconde uma disputa teórica, entre comunidades científicas. Na verdade, é realmente, uma proposição de caráter técnico, porém o é apenas dentro de um determinado paradigma científico, ou seja, o paradigma neoliberal,  também chamado de monetarista ou ortodoxo.        

            Toda a argumentação científica favorável à IBC e que a fundamenta, ou seja, a teoria da taxa natural do desemprego e a teoria das expectativas racionais são, portanto, teorias constituintes do paradigma neoliberal. As críticas a essas teorias e, consequentemente, da proposição de IBC, partem de comunidades científicas, adeptas dos outros paradigmas, as quais já foram identificadas. Nos referimos, principalmente, aos pós-keynesianos, também conhecidos como desenvolvimentistas ou heterodoxos.

            Boaventura Santos refere-se ao paradigma neoliberal da seguinte forma:

O desenvolvimento acelerado das ciências naturais é normalmente atribuído ao fato de os seus objetos serem em geral sistemas fechados, quer naturais (sistema solar, por exemplo), quer artificiais (experimentação, máquinas). Só assim é possível determinar com rigor variações constantes entre fenômenos e formular leis. [...] As Ciências Sociais tem aceitado desde sempre que seu objeto real são sistemas abertos (a isso atribuindo o seu atraso), ainda que por vezes  tenham formulado hipoteticamente sistemas sociais como se fossem fechados, como é o caso da Teoria Neoclássica e o seu pressuposto do equilíbrio do sistema econômico. (SANTOS, 1989, pp. 92-93)

            Interessante notar que Santos cita a Teoria Neoclássica (grupo dos neoliberais) como a única teoria (paradigma) dentro das ciências sociais que considera um sistema social como se fosse fechado, quando, na realidade, não o é. Santos nos ensina que a ação humana muda a relação entre sistemas. Os agentes atuam no âmbito de um sistema e aprendem com isso, de forma que influenciam o próprio sistema e o alteram. (SANTOS, 1989, p. 93)

            Essa concepção dos neoliberais, de que os sistema econômico pode ser estudado como se fosse fechado deriva de Adam Smith (1776), nas palavras de Buarque:

[...] Adam Smith formulou as bases da Teoria Econômica que aboliria as premissas éticas e definiu uma racionalidade independente, com leis neutras, como aquelas que Newton, cem anos antes havia descoberto para explicar o movimento do cosmo. [...] A partir de então, os economistas libertaram-se dos preconceitos religiosos que os tornavam instrumentos dos religiosos, mas acreditando em uma mão tão invisível quanto aquela que movia os corpos celestes, não se preocuparam em intervir. Como nos céus, para os físicos, o processo econômico seguiria processos e normas ditados pela ordem natural, cuja lógica seria o objeto dos seus estudos. Concentraram-se em explicar. A ciência seria neutra em relação aos comportamentos dos atores econômicos. Da mesma forma que os demais cientitistas, os economistas buscavam eliminar os juízos de valor nas explicações do processo econômico, o que corresponde a assumir um novo juízo de valor: o de que a Ciência Econômica não deve ter juízo de valor, nem, portanto, ética própria. Esse novo juízo de valor consubstancia-se na ânsia com que os economistas posteriores a Smith têm procurado matematizar a linguagem explicativa do fenômeno econômico, como se a incorporação da matemática fosse a prova da eliminação dos juízos de valor na explicação do comportamento dos atores econômicos. (BUARQUE, 1990, pp. 22-23).

            Essa análise de Buarque deixa claro, no âmbito do paradigma dos economistas clássicos e dos seus sucessores neoliberais, as bases sobre as quais se constituiu, inicialmente, o paradigma. Demonstra, ainda, com clareza, como se desenvolveu, desde a sua origem, a ciência normal dentro desse paradigma. Essa aproximação do paradigma das características das ciências naturais com a eliminação das considerações éticas e o conceito de neturalidade da ciência econômica diante dos agentes econômicos abriu espaço para o que Buarque chama de “matematização” da Ciência Econômica, ou seja, a possibilidade de comprovação matemática da “leis” econômicas.

            A ciência normal, de acordo como conceito de Kuhn, resultante desse paradigma abre, portanto, infinitas possibilidades de pesquisa. São os chamados quebra-cabeças teóricos de Kuhn. A complexidade da Ciência Econômica, aliada ao fato de que, na verdade, trata-se de um sistema social e, portanto, aberto, e, por isso, em constante mutação; permite a existência de infinitas lacunas no paradigma a serem preenchidas através da prática da ciência normal. Abre-se, então, uma grande área de trabalho aos cientistas especialistas desse paradigma. Considerando-se, ainda, as características da Ciência Econômica, esse mercado de trabalho  transcende o ambiente acadêmico. Empresas privadas, bancos, governos, todos os agentes econômicos tem interesse em compreender o funcionamento do sistema econômico em que se encontram, inseridos e em obter vantagens com isso.

            Manter a predominância do paradigma significa manter  também as vantagens dos cientistas normais ligados ao paradigma. Dentro desse paradigma, manter a economia operando segundo as suas “leis naturais” é fundamental à respectiva comunidade científica. Dentro desse quadro, a IBC é uma garantia de que a economia funcionará dentro dos seus “fundamentos”. Dos fundamentos estabelecidos pelo paradigma neoliberal.

            Verificamos que a origem do paradigma neoliberal encontra-se, no século XVIII, em Adam Smith. Já abordamos, segundo o pensamento de Kuhn, a importância dos manuais científicos. É através deles que os novos cientistas são treinados para o desenvolvimento da ciência normal, nos limites de um paradigma. Esses manuais nos dão a impressão, inclusive também aos próprios cientistas, que a ciência evolui de forma cumulativa.

            No campo das Ciências Econômicas, citamos, ao longo do texto, três exemplos desses manuais: (HELLER, 1983); (SADDI, 1977); (SIMONSEN & CYSNE, 1995). Verificamos que os principais manuais de economia fundamentam-se no paradigma neoliberal. Fazem apenas referências a certos conceitos keynesianos, de forma que, como salientou Kuhn, parece, ao candidato a cientista, que a ciência evolui de forma linear e que o conteúdo dos manuais encerra os fundamentos da ciência, quando, de fato, encerra apenas os fundamentos do paradigma, inclusos conceitos considerados úteis e derivados de outros paradigmas.

            Caetano Penna, na resenha do livro: “How rich countries got rich... and why poor countries stay poor”. Londres: Constable, 2007, de Erik S. Reinert, resume:

[...] mais curioso é, portanto, a ausência destas mesmas ideias nos principais manuais de economia utilizados por faculdades de Ciências Econômicas mundo afora, em especial em países em desenvolvimento. Como afirma Reinert: “Nós esquecemos coletivamente como criar nações prósperas, uma arte empregada sucessivamente há apenas cinquenta anos”. A atividade recente deste economista tem sido justamente a divulgação dos princípios de uma corrente que o próprio autor chama de The Other Canon (“O outro cânone”), oposta à corrente principal de pensamento econômico, (mainstream economics). É, pois, nesta corrente neoliberal ortodoxa que se baseiam os principais manuais de economia, em voga nos principais cursos de graduação na área desde ao anos 70, e em maior medida desde o fim da União Soviética”. (PENNA, 2008)

            Outra questão a ser abordada é: a quem serve o paradigma neoliberal?

            Sabemos que o livre mercado, operando num Estado mínimo, apenas garantindo a segurança do sistema, favorece a acumulação de riqueza. Portanto favorece as camadas mais ricas da população em detrimento das camadas mais pobres. Favorece especialmente o capitalismo financeiro.

            Vejamos um pouco dessa relação promíscua entre o capital financeiro nacional e o internacional e a proposta de IBC no Brasil:

[...] nos anos 90, passamos a ter a presença ostensiva de representantes do mercado financeiro internacional na direção do BC, especialmente nestas duas últimas gestões. É importante observar que, coincidentemente é na gestão de Armínio Fraga Neto na presidência do BC [...] que ocorre a implantação do sistema de metas inflacionárias como arcabouço básico da política monetária segundo o qual, toda a política econômica fica subordinada às condições necessárias para o cumprimento das metas de inflação. Mais especificamente, sob o regime de metas de inflação nenhuma outra política pode entrar em conflito com a sua execução, pois a política monetária passa a ter precedência sobre as demais políticas. [...] Mensalmente o COPOM se reúne para decidir o que fazer com a taxa de juros. Porém, antes da reunião, o BC consulta o “mercado” – leia-se os economistas-chefes dos maiores bancos – a respeito de suas expectativas quanto ao comportamento futuro das principais variáveis macroeconômicas da economia brasileira [...] Estas expectativas, ao serem consolidadas pelo BC, são tratadas como se tivessem uma origem pulverizada, isto é, como se tais opiniões fossem independentes entre si. De posse dessas estimativas o COPOM, por meio de um modelo econométrico conhecido pelos economistas-chefes, acaba “decidindo” qual a taxa de juros nominal é compatível com as metas de inflação e com as expectativas do “mercado”. Ao final sai uma ata da reunião que fundamenta tecnicamente a decisão tomada em relação aos juros. Aparentemente uma simples decisão lógica e técnica... Essa decisão “técnica”, na realidade esconde um jogo de cartas marcadas ou “jogo de compadres”. [...] O BC consulta os principais interessados  na manutenção da maior taxa de juros suportável politicamente. Tais representantes do “mercado” representam os próprios detentores dos títulos da dívida pública, os quais serão remunerados pela taxa de juros em questão. Logo, está em discussão quanto os detentores dos títulos da dívida pública vão receber de renda. [...] Ora, é como se, mensalmente, os patrões consultassem seus empregados quanto ao salário que eles querem receber! Os empregados só teriam que tomar o cuidado de não quebrar o patrão. [...] A forma de acumulação predominantemente financeira utiliza-se do discurso ideológico batizado de “neoliberalismo”. Como sabemos tal discurso tem sua fundamentação teórica, no que se refere ao âmbito econômico na Escola Neoclássica. Sabemos que esta escola produziu a Teoria das Expectativas Racionais, que acabou sendo vulgarizada pela expressão “confiança do mercado” (GARAGORRY, 2004, Vol. 11/12, pp. 4-6).

            Observamos, portanto, que a proposição da IBC, além de não ser uma questão técnica, fora do paradigma neoliberal, acaba por atender aos interesses do “mercado”. Leia-se: capitalistas financeiros.

            O presidente do Banco Central ideal é aquele que faz parte do mercado financeiro, que pertence ao ambiente dominado pelos bancos comerciais. E vai determinar a taxa de juros mais rentável aos próprios bancos. Quem vai pagar a conta é o Governo Central. Leia-se: o contribuinte. Evidentemente que a comunidade científica, de acordo com a teoria de Kuhn, que esteja ligada a esse paradigma será patrocinada pelos maiores interessados na implementação de suas propostas.    

            O debate passa a ser retórico. E esse debate, no caso da Ciência Econômica, não se dá apenas nas universidades. Já vimos que há imensos interesses financeiros envolvidos na discussão da IBC. Esse debate se dá através dos meios de comunicação de massa, umbilicalmente ligados ao capitalismo financeiro. Emissoras de TV e jornais tem como grandes clientes, os bancos. Esses mesmos veículos de comunicação também contraem empréstimos junto aos mesmos bancos, logo há uma pressão muito grande para que o paradigma seja adotado. Segue-se a isso, que o poder econômico desses grupos tem grande peso nas campanhas eleitorais em favor de políticos alinhados com tais políticas.

            O cientista se proletarizou, tornou-se parte do sistema produtivo. Vejamos isso, nas palavras de Boaventura S. Santos:

No que respeita à organização da ciência, também ela concomitante da industrialização da ciência, a integração da ciência no complexo militar-industrial, e portanto, a sua conversão plena em força produtiva, possibilitou o crescimento exponencial da ciência e produziu profundas alterações na organização do trabalho científico. [...] As universidades que durante muito tempo detiveram o monopólio da investigação científica, perderam-no em favor dos governos e da indústria. [...] A esmagadora maioria dos cientistas foi submetida a um processo de proletarização nos laboratórios e centros de investigação. (SANTOS, 1989, pp. 130-131).

            O chamado “mercado” apropriou-se da ciência e a usa em benefício próprio. O paradigma neoliberal é, portanto, patrocinado pela classe dominante e a comunidade científica, assim denominada por Kuhn, já proletarizada, desenvolve a ciência normal balizada pelos interesses dessa elite, que inclui as grandes empresas transnacionais, os meios de comunicação de massa, os organismos financeiros internacionais e os governos dos países do centro do capitalismo.

            Um exemplo desse processo são os cientistas laureados com o prêmio Nobel de Economia. Nos últimos anos, todos os trabalhos premiados representam um desenvolvimento do paradigma neoliberal, ou seja, a ciência normal desse paradigma. Alguns exemplos:

- ano: 2011: Pesquisa empírica sobre as causas e os efeitos na macroeconomia (Sargent & Sims);

- ano: 2009: Estudos sobre administração de propriedade (Diamond, Mortensen e Pissarides);

- ano 2007: Identificação de mecanismos matemáticos aplicáveis no funcionamento e na regulação dos mercados. (Hurwics, Maskin e Myerson);

- ano 2005: Análise da Teoria dos Jogos, aprofundando conceitos de cooperação e resolução de conflitos (Aumann e Schelling). (UOL, 2013)

            Verificamos, através destes exemplos, que o paradigma neoliberal passou a ser hegemônico no final dos anos 1970. Observando a sucessão dos paradigmas econômicos nos últimos cem anos, temos que a substituição de um paradigma por outro ocorreu, conforme prevê a teoria de Kuhn, sempre após uma crise do paradigma anterior. Assim, o paradigma clássico foi substituído pelo keynesiano, após a crise que levou às duas guerras mundiais e, entre elas, a Crise de 1929. O paradigma keynesiano foi, por sua vez, substituído pelo neoliberal, no final da década de 1970, após as duas grandes crises do petróleo. As anomalias não explicadas e resolvidas pelos paradigmas levaram ao desenvolvimento de pesquisas revolucionárias, com o objetivo de resolver os problemas que os antigos paradigmas não mais conseguiam.

            Note-se que os mesmos problemas podem ser abordados por paradigmas diferentes. O que ocorre é que os cientistas ligados a paradigmas diferentes enxergam os mesmos problemas de formas diferentes. A escolha do paradigma a ser adotado, portanto, é uma questão retórica, de convencimento. Quando acompanhamos a debates entre economistas neoliberais e pós-keynesianos, muitas vezes não entendemos por que discordam com tanta veemência. É porque se baseiam em paradigmas diferentes, veem o mundo de forma diferente e soluções diferentes para o mesmo problema.

            De fato, se considerarmos o conceito de paradigma científico de Kuhn, fica claro que o debate entre neoliberais e pós-keynesianos assume, claramente a forma de um debate circular, ou seja, nas palavras de Kuhn: “Cada grupo utiliza o seu próprio paradigma para argumentar  em favor desse mesmo paradigma” (KUHN, 2011, p. 127).

            Outro autor que aborda essa questão, na mesma linha, é Santos (SANTOS, 1989, p. 57): “Assim, uma das consequências da epistemologia kuhniana é mostrar que a racionalidade e a veracidade do conhecimento científico só são compreensíveis no interior do paradigma em que se acolhem, pois é este que proporciona o quadro de sentido a todas as práticas científicas no seu âmbito”.

            Ainda sobre a questão temos:

[...] a verdade é a retórica da verdade. Se a verdade é o resultado, provisório e momentâneo, da negociação de sentido que tem lugar na comunidade científica, a verdade é intersubjetiva e, uma vez,  que essa intersubjetividade é discursiva, o discurso retórico é o campo privilegiado da negociação, de sentido. A verdade é, pois, o efeito de convencimento dos vários discursos de verdade em presença. A verdade de um discurso de verdade não é algo que lhe pertence inerentemente, acontece-lhe no recurso do discurso em luta com outros discursos num auditório de participantes competentes e razoáveis. (SANTOS, 1989, pp. 96-97)..

            Como vimos, o paradigma econômico ora dominante, chamado neoliberal, cuja comunidade científica defende a IBC, tem as suas incongruências. Observamos, também, que os fundamentos teóricos que sustentam a proposta de IBC, têm as suas fragilidades e vem sendo duramente criticados. Temos, ainda, que a doutrina neoliberal é patrocinada pela classe dominante que dela se serve para manter e ampliar seu status social. A pretensa neutralidade da ciência, no paradigma neoliberal, traz problemas. Vejamos o que Buarque diz sobre esse tema:

Os cientistas sociais se mantém na doce posição de neutralidade dos filósofos sociais dos séculos XVII e XVIII, cuja motivação era somente explicar o funcionamento da sociedade. [...] O que hoje ocorre é diferente. Da mesma forma que um físico sensível não pode deixar de se inquietar com o que viu em Nagasaki, nem ver a Bomba apenas como a maravilha da ciência, os cientistas sociais, especialmente os economistas, não podem deixar de ver os efeitos dramáticos dos modelos de desenvolvimento em execução nos países do Terceiro Mundo. Se abrissem os olhos, como fez Bronowski, não verão apenas a maravilhosa força de transformação que criou um mundo eficiente, verão também miséria a ponto de reduzir o homem a ser parte do lixo; aculturação a ponto de ameaçar-se o próprio futuro da espécie. De certa forma, esta outra bomba pode ser mais dramática, uma vez que a nuclear criaria mecanismos para seu próprio limite. Destruiria incialmente as sociedades que se agrediriam, o resto da humanidade teria uma chance, embora deplorável. A bomba do crescimento econômico, explodindo de forma silenciosa, e trazendo ilusões a cada cidadão em particular, tende a reduzir os efeitos desequilibradores. Salvo se a sociedade for capaz de perceber seus efeitos, e tomar medidas para controlá-la. Só a partir de data muito recente, e de forma ainda muito limitada, esta inquietação com os limites e os riscos começa a penetrar na consciência dos intelectuais e da população em geral. Mesmo assim, uma grande parte dos economistas mantém a recusa a enfrentar o assunto dentro da própria ciência. (BUARQUE, 1990, pp. 18-19)

            Buarque demonstra que a pretensa e falsa neutralidade da ciência econômica serve para encobrir a realidade, e até explicar e justificar catástrofes e atrocidades com veremos no texto a seguir:

A partir da descoberta da América, pelos europeus, especialmente com a colonização do Nordeste do Brasil, Sul dos EUA e Caribe, a prática da escravidão foi levada ao seu limite máximo como elemento produtivo e de sofisticação administrativa. Enormes recursos foram mobilizados, de forma eficiente, na captura, transporte, venda e uso de escravos, através de redes comerciais que envolviam milhões de homens, como agentes ou como mercadoria, milhares de quilômetros e milhares de libras. Salvo manifestações isoladas de intelectuais e de políticos, não havia crítica de economistas contra o costume da escravidão. Quando isso ocorreu, foi porque o processo econômico já tinha avançado ao nível de considerar o uso do escravo um método ineficiente. Os economistas passam a criticar a escravidão quando se torna necessário formular a moral que melhor se adaptasse ao capitalismo moderno. Não era o humanismo da liberdade dos escravos que estava em jogo, era a liberdade do comércio que melhor servia para a evolução capitalista surgida do jogo. (BUARQUE, 1990, pp. 20-21)

            Os paradigmas liberal e, agora, o neoliberal, na sua falsa neutralidade científica, consideravam , cada um a seu tempo, tanto a escravidão, como, hoje, a exploração da mão de obra em condições sub-humanas análogas às da escravidão, como formas eficientes de produção. Indicadores como a elevação do PIB ou a inflação controlada medem a eficácia da política econômica, mesmo que a custa da miséria de milhões. Mesmo à custa da morte de crianças e a destruição da natureza. A Ciência Econômica não coloca essas questões como problemas. Os problemas a resolver, no âmbito do paradigma s (OCDE, 2013) são: a dívida externa, a inflação, as taxas de câmbio, a rentabilidade das empresas ou o nível das bolsas de valores.

            Buarque, a respeito dessa questão, nos diz o seguinte:

De todas as deformações que o enfoque econômico e a visão desenvolvimentista produziram no entendimento do processo social, a  mais grave é a decorrente do fetichismo de como o problema civilizatório foi transformado em um problema da economia. A deformação se torna mais grave na medida em que permeia toda a sociedade que passa a se ver como espelho da economia. Os problemas sociais e aqueles vinculados diretamente à essência do processo humano deixaram de ter uma identidade própria e são apropriados pela realidade única da economia. Influenciada por anos de primazia do econômico, a sociedade cai na armadilha de considerar as dificuldades econômicas como sendo os seus verdadeiros problemas fins. Desaparecem como problemas enfáticos o nível de desnutrição, a deseducação, a falta de cultura e de saúde. Tornam-se problemas básicos a dívida externa, a inflação, a crise energética, a taxa de juros. (BUARQUE, 1990, pp. 83-84)

            Dentro desse panorama, onde os grandes problemas da humanidade são convertidos em questões econômicas dentro de um determinado paradigma científico, temos a questão da IBC. É uma questão crucial, pois, como vimos, a IBC significa tirar dos Governos Nacionais  e, consequentemente, das populações que os elegeram a possibilidade de atacar os reais problemas sociais, uma vez que, por definição, o Banco Central terá uma única preocupação, a estabilidade da moeda e o controle da inflação, sobrepondo-se sobre qualquer outra política econômica. Os reais problemas serão encobertos pelo manto da política econômica. A extinção dos elefantes será considerada benéfica à economia por que elevará o lucro dos vendedores de marfim. A destruição da floresta amazônica elevará a área plantada de soja e o valor das ações dos fabricantes de soja transgênica. A morte de milhares de pobres elevará a renda per capita de um país...

            Vimos que o fim do paradigma liberal, ou clássico, ocorreu após a crise de 1929 e das duas Guerras Mundiais. O do keynesianismo com as crises do petróleo. As crises dos paradigmas em algum momento, conforme a teoria de Kuhn, levam à adoção de um novo paradigma. Antes disso, porém, os cientistas não abandonam o paradigma anterior, procuram fazer pequenos ajustes para adequá-lo à realidade.

            O mundo já passou por várias crises econômicas ao longo dos últimos anos: México, Argentina, Brasil, Rússia, Tigres Asiáticos, Irlanda, Islândia, Grécia, EUA e, hoje, Espanha. Cortes de gastos sociais, num momento de desemprego em massa, aumento dos juros, privatizações e medidas do tipo são a praxe, no paradigma neoliberal.  Os organismos internacionais exigem que os Bancos Centrais executem a sua função natural, de garantir a estabilidade da moeda e do câmbio, enquanto as sociedades ardem em chamas. (VEJA, 1995, 1997,1998,1999, 2001, 2002, 2008.)

            Populações inteiras à beira da ruína se manifestam nas ruas enquanto os impostos que pagam são usados para “ajudar” os bancos. Dinheiro público canalizado para a iniciativa privada rentista. As manifestações de descontentamento são esmagadas com extrema violência pela força policial e o espetáculo selvagem rende muitos pontos de audiência nos telejornais noturnos, em todo o mundo, elevando o valor das ações dos grandes conglomerados de comunicação de massa.

                        Parece claro que o paradigma neoliberal não consegue dar respostas aos novos problemas, ou, ainda, conseguem responder apenas aos problemas ditos econômicos que surgem dentro do paradigma, os quebra-cabeças da ciência normal de Kuhn, como, por exemplo, a estabilidade cambial ou a redução dos gastos dos governos; embora não haja perfeita conexão desses problemas com a realidade. O paradigma não consegue mais se adequar aos fenômenos reais. As anomalias crescem. É evidente a crise do paradigma. A adoção da IBC seria uma medida extrema, que, talvez resolvesse o problema da estabilidade financeira e da solvência dos bancos, mas agravaria o do desemprego e reduziria a produção. Em outras palavras, resolveria problemas mais caros ao paradigma neoliberal e seria, ao mesmo tempo desastroso dentro das concepções do paradigma pós-keynesiano, por exemplo. A questão é qual dos paradigmas teria melhores respostas aos problemas reais que estão postos? A resposta depende da visão de mundo que é posta. Já vimos que, para Kuhn, os cientistas enxergam o mundo de acordo com a tradição científica, com o paradigma, em que estão inseridos. Parece claro, como expôs Kuhn, em sua teoria, que a substituição de um paradigma por outro não é uma questão científica, mas uma questão retórica entre as comunidades científicas. Ocorre que na Ciência Econômica, talvez como em nenhuma outra, as influências externas são muito fortes. Os interesses da elite dominante e da população mais pobre estão em jogo e também os interesses dos cientistas no intgerior de seus paradigmas. A sua posição hierárquica no seio da comunidade científica. Neste caso a disputa não será apenas entre comunidades científicas, mas envolverá principalmente as forças políticas e sociais como ocorreu nas últimas transições de paradigmas econômicos, com já exposto.

            Um dado que ilustra bem esta questão são estatísticas envolvendo o crescimento econômico e baixas taxas de desemprego e inflação controlada nos países do grupo chamado de BRICS (composto pelos seguintes países emergentes: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Observa-se que esses países, nos últimos anos, não seguiram as políticas econômicas recomendadas pelos manuais neoliberais e pelos organismos financeiros internacionais. Mesmo assim, ou talvez por isso, a taxa média de crescimento desses países foi muito maior que a dos países do centro do capitalismo. O crescimento médio anual dos países desenvolvidos foi de 0,1%, enquanto que o dos BRICS foi de 5,5%, entre os anos de 2001 e 2010.

            Nesses momentos, como diz Kuhn, é que a filosofia é chamada a opinar. As soluções precisam vir de fora do paradigma, numa situação que se aproxima da ciência pré-paradigmática. Nessas circunstâncias, quando se busca novos pressupostos, novas bases científicas, a análise filosófica é fundamental, como foi quando da emergência da física newtoniana, da Teoria da Relatividade e, por fim, da física quântica. (KUHN, 2011, pp. 119-120).

CONCLUSÃO

            A discussão em torno da proposição da IBC, como expomos, é de extrema importância, uma vez que coloca em jogo, a capacidade do Governo Central decidir acerca da melhor política econômica a ser aplicada e determinar quais os objetivos a serem alcançados por essa política. A IBC, defendida pelos economistas neoliberais, estabelece como única função do Banco Central, o controle da inflação, sobrepondo-se a qualquer outra política. Equivaleria a dizer que o Presidente da Nação concederia ao Presidente do Banco Central boa parte de seus poderes e que governaria de acordo com políticas estabelecidas pelo Banco Central. O Presidente do Banco Central, no entanto, não seria eleito, mas indicado pelo Presidente da Nação. Ocorre que o Presidente do Banco Central deveria ser aceito pelo “mercado”.  Leia-se: banqueiros privados. Logo, a proposta de IBC seria algo como ter um Presidente eleito com poucos poderes e um Presidente do Banco Central, indicado, na prática pela elite capitalista com plenos poderes para definir a política econômica da nação. Ou, ainda, definir quanto de renda será transferida dos contribuintes para o sistema financeiro em forma de juros. Os cientistas travestem essa proposta como se fosse de cunho eminentemente técnico-científico, baseados no paradigma neoliberal.

            Outras teorias colocam em xeque, não apenas a proposta da IBC, mas todo o paradigma neoliberal. De fato, a proposta de IBC é apenas o elemento mais superficial do paradigma, apoiado entusiasticamente pela classe dominante. Os novos cientistas são treinados através dos manuais econômicos a adotar esse paradigma e o desenvolvem através da ciência normal, criando novas teorias, com o objetivo de aperfeiçoar seus instrumentos e práticas. Citamos, ao longo do texto, alguns desses manuais e teorias complementares, como a Teoria dos Jogos e a Teoria das Expectativas Racionais, esta última um dos pilares sobre o qual se sustenta a proposição da IBC.

            As classes dominantes, beneficiadas pelas políticas econômicas fundamentadas no paradigma neoliberal, o patrocinam. Financiam pesquisas, cursos, livros, prêmios internacionais, como o Nobel de Economia, permitindo a ascensão acadêmica e social dos cientistas que abraçam o paradigma.

            Kuhn destaca o papel da comunidade científica na manutenção e desenvolvimento dos paradigmas. Ocorre que há graves anomalias que o paradigma neoliberal não consegue resolver. A questão humanitária e a questão ecológica são agravadas pelo paradigma. Problemas como a miséria, a fome, a violência urbana, a concentração de renda, a mortalidade infantil, a destruição do planeta, a extinção de espécies animais, a poluição do planeta são vistas, inclusive como resultado da eficiência econômica e, portanto, do sucesso do próprio paradigma. As várias crises econômicas que assolaram o mundo e que continuam a ocorrer neste momento, a partir da adoção de políticas baseadas no paradigma neoliberal, ora dominante, demonstram que o paradigma encontra-se em crise.

            Como bem demonstrado por Kuhn, em sua obra, a solução não virá do interior do paradigma, mas de sua substituição por outro. No presente caso, é muito mais difícil a substituição do paradigma, em função dos imensos interesses materiais envolvidos e da grande pressão exercida pelo poder econômico. A solução será, então, provavelmente de ordem política. A pressão social exercida pelas associações populares e o pleno exercício da democracia contra o aparato político-policial dominado pela elite definirá qual será o paradigma que sucederá o atual, quando e como. Há vários grupos de cientistas críticos ao atual paradigma, alguns aqui citados, principalmente os pós-keynesianos, de forma que há outras possibilidades. As políticas adotadas pelos BRICS, neste momento, principalmente pela China, é um exemplo de alternativa viável.

            Ainda, de acordo com Kuhn, é nestes momentos de crise de paradigmas que a análise filosófica adquire maior importância e este foi o principal motivo pelo qual abordamos este tema. Sem a pretensão de esgotar assunto tão importante e extenso, esperamos, nos limites das possibilidades deste artigo, ter contribuído  para o aprofundamento do debate.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

FOLHA DE APROVAÇÃO DA PÓS-GRADUAÇÃO

 

 

 

Aluno: João Gilberto Parras Benitez

A questão da independência do Banco Central: uma abordagem à luz do pensamento de Thomas S. Kuhn.

 

Monografia apresentada à Central de Cursos de Extensão e Pós-Graduação Lato

Sensu da Universidade Gama Filho como requisito parcial para a conclusão do Curso de Pós-

Graduação em Filosofia.

 

AVALIAÇÃO

 

1. CONTEÚDO

Grau: ______

2. FORMA

Grau: ______

 

3. NOTA FINAL: ______

 

AVALIADO POR

                                                                            

                                                                                     _________________________________

                                                                                                             (Assinatura)

                                                                                     _________________________________

                                                                                                             (Assinatura)

 

 

 

São Paulo, _____ de ______________ de 20___

 

_______________________________________

Professor Me. Emerson F. da Rocha

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

LIVROS:

BUARQUE, Cristóvam. A desordem do progresso: o fim da era dos economistas e a construção do futuro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

HELLER, Heinz ROBERT. Introdução à teoria econômica – o sistema econômico. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 1983.

KUHN, Thomas S. A Estrutura das Revoluções Científicas. 11. Ed. São Paulo: Perspectiva, 2011.

SADDI, Jairo S. O Poder do Cofre: repensando o banco central. São Paulo: Textonovo, 1977.

SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma Ciência Pós-Moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.

SIMONSEN, Mário Henrique; CYSNE, Rubens Penha. Macroeconomia. 2.Ed. São Paulo,: Atlas, 1995.

 

ARTIGOS:

GARAGORRY, Jorge A Silveira. A Independência do Banco Central em Debate. Revista de Lutas Sociais, São Paulo: Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais PUC SP, V. 11-12, p. 9-20, jan a jun. 2004

PAULA, Luiz F. Rodrigues de. A Questão da Autonomia do Banco Central: Uma Visão Alternativa. Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro: Fundação Adenauer, Ano IV, n.2, p. 59-92, 2002.

PENNA, Caetano. Relembrando a arte de fazer perguntas certas e de não fugir das respostas: resenha do livro de Reinert, Erik S. Londres: Constable, 2007, Revista de Economia Heterodoxa, Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, ano VII, n. 9, p. 193-201, 2008.

PRÊMIO NOBEL de economia é dividido por três economistas dos Estados Unidos. UOL. São Paulo, 14/10/2013. Disponível em: htpp://www.uol.com.br

VALOR ECONÔMICO, Jornal. Estudo da OCDE recomenda mandato fixo para diretores do Copom. São Paulo. 22 out.2013.

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COLEÇÃO Crises Financeira. REVISTA VEJA. São Paulo, 29/03/95, 05/11/97, 19/11/97, 11/02/98, 02/09/98, 09/09/98, 20/01/99, 03/02/99, 18/07/2001, 28/03/01, 19/06/02, 17/09/08, 24/09/08, 01/10/08, 08/10/08, 15/10/08.

 

TESES, DISSSERTAÇÕES E OUTROS TRABALHOS ACADÊMICOS:

BATISTA JR, Paulo Nogueira.  O consenso de Washington: a visão neoliberal dos problemas latino-americanos. Trabalho acadêmico – FAU – USP. São Paulo, 1994 (www.fau.usp/cursos/graduacao/arq_urbanismo/disciplinas/aup0270/4dossie/nogueira94/nog94-cons-washn.pdf)

CROCCO, Marco; JAIME JR, Frederico. Independência e autonomia do banco central: mais sobre o debate. 2003. Texto para discussão n.199. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.

NOVELLI, José Marcos N. O campo dos economistas e o debate sobre a independência do banco central do Brasil no pós-64. 1998. Dissertação (mestrado em ciência política) – Universidade de Campinas Unicamp, Campinas.

OLIVEIRA, Cláudio Ladeira; CORREIA, Leonardo A. Direito, análise do discurso e atores sociais: o mito da independência do Banco Central. Pesquisa Acadêmica. Universidade Federal de Juiz de Fora. Universidade Federal de Brasília, Juiz de Fora e Brasília.    www.publicadireito.com.br/artigos

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INDEPENDENCE OF CENTRAL BANK: A VIEW THROUGH OUT THE

THE THOMAS S. KUHN’S THINKING

 

 

 

JOÃO GILBERTO PARRAS BENITEZ[3]

 

 

 

ABSTRACT: The question which introduces the Central Banks Independence is not recent, but increases in about 80’s and 90’s centuries with the crisis of Social Welfare State and Berlin-Wall Breaking, that means the States Collapses of Real Socialism. The literature supports that there is a consensual with the economists, based on and supported by media that realize that the Central Banks have a ‘natural’ set on guarantee , by the monetary politic, the rates stability. To execute this ‘mission’, the Central Banks must be free of National State politics influences, which by the social pressure has, as its principal target, the de-employed reduction.  This article objective is critical reflection, about this question, on Kuhn’s thought perspective. Our hypothetic question is that this consensus, although doesn’t represent a ‘natural law’, in fact constitutes in a dominus scientific paradigm in a specific historical moment, and may be nominated: “neoliberal” or “orthodox”. We developed, thought the bibliographic researches, at analysis using the ‘paradigms’ and ‘normal science ”, present on Thomas S. Kuhn thoughts. We identified other thoughts segments, that treat the questions in a different paradigm, so that will be totally different of the dominant paradigm, which will be, also, a reflexion object.

 

KEYWORDS:

Central Bank Independence, monetary politics, economics paradigms; normal science, Thomas S Kuhn.

 

 

 




[1] Trabalho de conclusão do curso de Pós-Graduação lato-sensu em Filosofia – Universidade Gama Filho - 2013
[2] Economista, pós-graduado em Economia e Administração de Empresas.
[3] Economista, pós-graduado em Economia e Administração de Empresas.

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