JOÃO GILBERTO PARRAS BENITEZ[2]
RESUMO:
O debate que envolve a independência dos bancos centrais não é recente, mas
ganhou relevo nos anos 80 e 90 com a crise do Estado de Bem-Estar-Social e a
queda do muro de Berlim, que simboliza o colapso dos Estados de Socialismo
Real. A literatura sustenta que há um consenso entre economistas amplamente
apoiado pela grande imprensa de que os bancos centrais têm a meta “natural” de
garantir, através da política monetária, a estabilidade de preços. Para
executar essa “missão”, os bancos centrais deveriam estar livres das
influências políticas dos Estados Nacionais, que por pressão social têm como
principal meta a redução do desemprego. O objetivo deste artigo é refletir,
criticamente, sobre essa questão, na perspectiva do pensamento Kuhniano. Nossa
hipótese é que esse consenso, longe de representar uma “lei natural”, na
verdade se constitui no paradigma científico dominante num determinado momento
histórico, e pode ser denominado de: “neoliberal” ou “ortodoxo”. Desenvolvemos,
através de pesquisa bibliográfica, uma análise utilizando os conceitos de
“paradigmas” e “ciência normal”, presentes no pensamento de Thomas S. Kuhn. Identificamos
outras correntes de pensamento que tratam a questão de uma forma totalmente
diversa do paradigma dominante, as quais serão também objeto de reflexão.
PALAVRAS-CHAVE:
Independência do banco central; política
monetária; paradigmas econômicos; ciência normal; Thomas S Kuhn.
INTRODUÇÃO
O objetivo deste artigo é
refletir sobre a questão, já há algum tempo colocada em evidência pela grande
imprensa especializada, da proposta de tornar o Banco Central do Brasil
independente em relação ao Governo Federal. Não se trata de uma proposta
surgida no âmbito nacional, mas uma recomendação de instituições financeiras
internacionais como o FMI e o Banco Mundial. Manifestações de economistas
através da imprensa e um aparente consenso dentro da comunidade profissional
nos dão a impressão de que tal proposição seria apenas uma decisão de cunho
técnico. Manuais didáticos utilizados no treinamento de novos profissionais
consideram que, tendo em vista supostas leis econômicas aceitas pela comunidade
científica, as funções do banco central seriam naturalmente determinadas. Dessa
forma qualquer ingerência dos poderes políticos constituídos na operação do
banco central seria, na melhor das hipóteses, inócua, ou então teria um efeito prejudicial
ao bom funcionamento do mercado. Nosso objetivo é refletir sobre essa questão,
transcendendo os limites da ciência econômica, utilizando o instrumental
teórico da filosofia da ciência, mais precisamente o pensamento de Thomas S.
Kuhn. Em seu livro: A estrutura das revoluções científicas, Kuhn discorda
daqueles que entendem que a ciência se desenvolve através de um processo
contínuo e propõe que esse desenvolvimento se dá “aos saltos”, através de
revoluções. O filósofo desenvolve, em seu trabalho, os conceitos de paradigmas
científicos, de ciência normal e revolução científica, entre outros, que
utilizaremos no desenvolvimento deste artigo.
Na
primeira parte deste trabalho, procuraremos desenvolver a problemática da
proposição da independência do banco central, sua origem, o seu embasamento
teórico e o aparente consenso entre a comunidade científica sobre a necessidade
de sua implantação. Analisaremos a existência de opiniões divergentes de grupos
profissionais minoritários e os argumentos críticos. Em seguida explanaremos,
de forma concisa, os princípios e conceitos do pensamento de Kuhn e a sua
possível aplicabilidade aos fenômenos analisados.
Na
segunda parte do trabalho, vamos proceder a uma reflexão crítica da questão da
independência do banco central, na perspectiva do pensamento kuhniano. A
economia seria regida por leis imutáveis, de forma que as funções do banco
central seriam naturalmente aquelas pregadas pelos atuais manuais de economia
ou esta proposição seria apenas vinculada ao paradigma dominante neste momento
histórico? Haveria outros paradigmas em gestação? Estamos no limiar de uma
revolução científica nessa área? Os países que mais cresceram neste início de século,
são aqueles que não adotaram as políticas ditadas pelas instituições econômicas
internacionais, dentre elas a independência do banco central. Seria essa uma
anomalia não explicada pelo paradigma atual, na ótica da teoria de Kuhn? O
atual paradigma estaria em crise?
Enfim,
na conclusão do artigo, tentaremos tecer algumas considerações finais acerca do
tema, sem, contudo objetivar o esgotamento da questão. Não pretendemos
responder de forma taxativa estas importantes indagações, mas propor uma discussão
sobre a questão. Pretendemos com este trabalho estimular e contribuir com o
debate da questão da independência do banco central numa perspectiva interdisciplinar,
tendo em vista a complexidade do tema.
1
- A PROPOSTA DA INDEPENDÊNCIA DO BANCO CENTRAL
Todo o sistema econômico opera
através da moeda, que possui três funções: elemento intermediário das trocas,
unidade de valor das trocas e reserva de
valor. (SIMONSEN; CYSNE, 1995, p.16). O sistema monetário é composto
pelo Banco Central e pelos bancos comerciais (SIMONSEN; CYSNE, 1995, p.20).
As
funções típicas de um Banco Central são quatro: banco emissor de papel moeda,
banqueiro do Tesouro Nacional, banqueiro dos bancos comerciais e depositário
das reservas internacionais. O Banco Central é também a instituição reguladora
da oferta monetária, através dos instrumentos de controle de que dispõe. (HELLER,
1983, p.233).
Com
esses instrumentos o Banco Central executa a política monetária, através do
controle da oferta de moeda. Contrai e expande a oferta de moeda e de crédito
no mercado, de forma coordenada com as políticas fiscal e cambial. Há
normalmente um conflito entre os objetivos do Banco Central em praticar uma política
monetária restritiva, com o intento de desaquecer a economia e controlar a
inflação; e o desejo do Governo Nacional de manter o pleno emprego e a economia
aquecida. Desse conflito permanente entre as decisões de estabelecer uma política
monetária restritiva para manter a inflação sobre controle ou uma política
expansionista com o objetivo de manter elevado o nível de empregos na economia
é que surge a discussão sobre a independência ou autonomia do Banco Central.
Certos autores justificam a necessidade de diferenciar os conceitos de
autonomia e de independência do Banco Central, como em CROCCO; JAYME Jr ( 2003,
p.6):
[…] a maneira mais adequada para se garantir a
estabilidade de preços é através de um Banco Central que seja desvinculado de
pressões políticas. De fato, a hipótese central é a de que o aumento no
crescimento da oferta monetária conduz, inevitavelmente, a aumentos de preços,
uma vez que a moeda, deferentemente do argumento Keynesiano, não é capaz de
estimular o produto e a renda no longo prazo. Assim, um Banco Central livre de
pressões políticas para obter-se menor desemprego no curto prazo, garantiria
uma política monetária não inflacionária. A essência teórica deste argumento é
a de que a moeda é neutra, ou seja, a política monetária não é capaz de atuar
para afetar os níveis de produto e emprego, mas tão somente variáveis nominais
especificamente a inflação. Neste caso, o melhor a se fazer, contrariando a
lógica Keynesiana, é garantir uma política monetária cujo objetivo central é o
de manter a inflação baixa.
A
proposta de BCI, portanto, garante, em princípio, independência de objetivos.
Um pouco diferente da proposta de independência é a de autonomia do Banco
Central. Neste caso, a autoridade monetária teria autonomia para utilizar os
instrumentos de política monetária definidos pelo governo. Ou seja, o Banco
Central se submeteria ao objetivo determinado pelo governo eleito e não seria
independente da orientação de política econômica deste governo [...] De fato,
independência e autonomia, não obstante possam ser diferentes do ponto de vista
legal, são faces da mesma moeda do ponto de vista da política econômica, uma
vez que a autonomia do Banco Central coloca a política monetária como tendo um
status “superior” ao da política fiscal na condução da política econômica. A
descoordenação entre políticas fiscal e monetária subjacente à idéia de
autonomia ou independência do Banco Central demonstra que autonomia e
independência não obstante diferentes legalmente tem o mesmo status teórico.
Do
texto acima, depreende-se que, para os autores citados, os conceitos de
autonomia ou independência dos bancos centrais, em termos teóricos, são
equivalentes. Em função disso vamos
utilizar, de agora em diante, apenas a expressão: independência do Banco
Central (IBC), quando nos referirmos à essa questão.
Outro
ponto a destacar é que, embora dentro da comunidade acadêmica dos economistas,
esta questão da IBC seja vista como uma necessidade técnica, esta não é uma
posição unânime. Foram citados, no texto, os economistas Keynesianos que têm
uma visão diferente da questão. Vamos nos referir a eles mais adiante. Por ora
vamos nos concentrar na ótica do grupo majoritário que, como frisaram os
autores citados, conferem um status superior à política monetária em relação à
política fiscal e que por isso podem ser chamados de economistas monetaristas.
O
principal argumento que procura justificar esse status superior da política
monetária é o de que a economia teria, teoricamente, uma taxa natural de
desemprego para a qual a economia tenderia no longo prazo. Em razão disso, a
política monetária só afetaria, no longo prazo, as variáveis monetárias. Em
outras palavras, no caso de uma política monetária expansionista, com o
objetivo de financiar gastos do Governo Central (política fiscal expansionista),
a expansão monetária não iria reduzir as taxas de desemprego, no longo, mas
apenas no curto prazo. Além disso, a expansão monetária iria apenas causar
apenas inflação sem alcançar o objetivo de redução do desemprego que seria,
para os monetaristas, “natural” (CROCCO & JAYME JR, 2003, p.
7) .
O
argumento dos monetaristas considera que o mercado teria seus próprios
mecanismos para o controle do desemprego. Quando o desemprego se tornasse
excessivo, mecanismos de mercado obrigariam os trabalhadores a aceitar uma
redução em seus salários reais, tendo as empresas, numa situação de crise, que
reduzir os custos e a manter o nível de emprego. Considerando-se esses pressupostos
teóricos, o problema do desemprego seria resolvido, no longo prazo, pelo
simples funcionamento natural do livre mercado. Não haveria possibilidade de
redução do desemprego abaixo da sua taxa natural. Já a inflação deveria ser
controlada pela política monetária restritiva do Banco Central. De acordo com
os monetaristas, o crescimento da oferta monetária é o principal determinante
do aumento da inflação. De acordo com a teoria, o desemprego não seria, em
nenhuma hipótese, no longo prazo, inferior a sua taxa natural. A política
monetária expansionista, dessa forma, seria neutra, no longo prazo, no que se
refere ao combate ao desemprego. Apenas geraria mais inflação.
Há
outro argumento utilizado para embasar a proposta da IBC. Trata-se da teoria
das expectativas racionais. Essa teoria estabelece que os agentes econômicos
não cometem erros quando estabelecem suas expectativas com relação à inflação,
produto e renda. Qualquer política que o Governo Central tente adotar, através
do Banco Central, em termos de política monetária expansionista seria
antecipada pelos agentes econômicos. Assim, os preços seriam elevados aos
primeiros sinais dessa política, anulando qualquer efeito sobre produto, renda
e emprego. Um aumento de oferta monetária seria a senha para aumentos de preço
sem que resultasse primeiro em aumento de produção e, consequentemente, de
emprego. Em uma economia desse tipo, onde os agentes econômicos dispõe de
informações suficientes e ágeis, qualquer atitude brusca do Banco Central, não
prevista pelos agentes econômicos e que poderia induzi-los ao erro, reduz o que
os monetaristas chamam de “credibilidade do Banco Central” o que leva a uma
antecipação da ação dos agentes econômicos aumentando seus preços e gerando
inflação. (CROCCO & JAYME JR, 2003, p. 6)
A
seguir vamos transcrever um texto extraído de um manual de economia, muito
utilizado nas universidades brasileiras, e que versa sobre a teoria das
expectativas racionais:
A macroeconomia das expectativas racionais baseia-se
numa hipótese central: os agentes econômicos conhecem um modelo macroeconômico
que descreve o comportamento das primeiras a partir das equações do modelo e do
desempenho esperado das segundas, isto é, das regras esperadas de política
econômica [...]
As conclusões [...]: o que influencia o produto é,
apenas o excesso de oferta efetiva de moeda sobre a oferta esperada. Uma
política monetária que mereça a credibilidade dos agentes econômicos [...] não
tem qualquer efeito real sobre o produto, mas apenas sobre os preços. (SIMONSEN
& CYSNE, 1995, p. 630)
Considerando que a política
monetária expansionista é sempre neutra, no longo prazo, a simples indicação do
Banco Central que irá aplicar uma política restritiva fará com que os agentes
econômicos (que inclui o Governo Central) se antecipem e reduzam seus gastos e
não aumentem seus preços, o que, ao mesmo tempo em que reduz o risco de aumento
da inflação, reduz, inclusive, a possibilidade de recessão (redução dos níveis
de produção).
Para
isso é necessário que o Banco Central tenha credibilidade junto aos agentes
econômicos. Para que os agentes econômicos antecipem-se à política do Banco
Central é preciso que tenham informações sobre a política que o Banco irá desenvolver
e que “acreditem” nelas.
Para
PAULA, [...] os agentes têm expectativas racionais: os indivíduos utilizam
todas as informações disponíveis, bem como seu entendimento de como funciona a
economia quando formam suas expectativas. Por essa teoria, os agentes
econômicos sempre anteciparão qualquer medida de política monetária. E como
resultado, uma política expansionista será inócua sobre as variáveis reais (não
monetárias): produto e emprego. (PAULA, ano IV, n.2, 2002, p. 2) .
Temos
então um arcabouço teórico reunindo as teorias de que a flutuação quantitativa
da moeda é neutra, no longo prazo, no que se refere a produto, renda e emprego,
em razão das taxas “naturais” de desemprego e a teoria das expectativas
racionais que sustenta que os agentes econômicos agem sempre de forma racional,
antecipando os resultados da política monetária praticada pelo Banco Central. A
combinação destes dois pressupostos teóricos fundamenta o discurso,
majoritário, daqueles que defendem a IBC.
Em
síntese, a questão é colocada dessa forma por MENDONÇA, 2000, p.103-104:
O significado do termo independência tem aparecido na maior parte da literatura, como a
capacidade do BC em não ceder diante das forças políticas para monetizar
grandes déficits orçamentários, isto é, há a necessidade de independência
institucional em relação aos poderes executivo e legislativo.
Fischer (1995) estabelece a definição do conceito de
independência como sendo o resultado de
outros dois: independência de instrumento (instrument
Independence) e independência de meta (goal
independence). No primeiro caso há a necessidade que o BC tenha a sua
disposição os instrumentos necessários para que possa alcançar seus objetivos
sem depender de nenhuma outra autoridade política. Por outro lado, a
independência de meta refere-se à liberdade que o BC possui para definir qual o
objetivo a ser alcançado.
Teoricamente,
segundo o autor citado, um Banco Central independente pode conseguir melhores
resultados, em termos de estabilidade de preços e desemprego, do que um Banco
Central submisso aos interesses de um Governo Central.
O
texto a seguir foi extraído de SADDI (1977, p.60), um outro “manual” de
economia, que ilustra bem a posição da comunidade científica majoritária:
O Poder Executivo usa da política monetária para duas
finalidades, em vez de uma só: deseja a estabilidade dos preços, mas com a
geração de empregos. Tenta, assim, otimizar dois objetivos, ao tolerar um pouco
de inflação em troca de uma taxa de desemprego menor. Políticos, no entanto,
são homines oeconomici, que trabalham
para manter-se no poder e suas ações especialmente em períodos pré-eleitorais,
podem favorecer determinados interesses específicos em detrimento do público em geral.
Se
considerarmos esses argumentos como principais fundamentos técnicos de que uma
política monetária expansionista é neutra, no longo prazo, no que se refere à
elevação do nível de empregos e também de que as chamadas “expectativas
racionais” eliminariam qualquer possibilidade de sucesso de politicas monetárias
pouco conservadoras; chega-se à conclusão, de que os Bancos Centrais devem ter
uma única função: garantir a estabilidade de preços (PAULA, ano IV, n.2, 2002, p. 1) .
Para
os economistas monetaristas, a ingerência do Poder Executivo na gestão da
política monetária do Banco Central acaba por perturbar, quando não
inviabilizar a execução de sua precípua função. Isto porque os políticos têm,
principalmente em períodos pré-eleitorais, objetivos diferentes daquele que
seria o objetivo “natural” a ser perseguido pelo Banco Central. A partir dessa
teoria, surge a proposta de IBC, que, ao mesmo tempo, garantiria que objetivos
políticos não influenciariam, de forma negativa, a missão da instituição em
garantir, a todo custo, a estabilidade de preços.
A
IBC, aliada à indicação de um presidente da instituição conservador e que
esteja disposto a não ceder aos interesses do Governo Central conferiria a
necessária credibilidade ao Banco Central, o que seria imperioso se levarmos em
consideração a teoria das expectativas racionais.
Esta
passagem de SADDI (1997, p.244) ilustra bem a proposição:
Ao atuar como guardião da moeda, o Banco Central
autônomo presta um segundo favor à nação: serve de mecanismo eficiente de freio
e contrapeso ao sistema político vigente. No regime democrático é necessário
que “o poder controle o poder”. O melhor controle, neste caso, é a outorga de
uma parcela deste poder – o monetário – a uma instituição que, fazendo parte do
Poder Executivo, tenha um mandato fixo, com condições para o seu exercício e
parâmetros ara o seu desempenho.
SADDI
(1997, p.60) ainda especifica quais deveriam ser as características ideais dos
banqueiros centrais:
Os banqueiros centrais tendem a ser mais preocupados
com os riscos da inflação, se comparados aos políticos. Sua postura
conservadora pode ser ser atribuída a inúmeras causas. Talvez a mais importante
seja o fato de que, apesar de ocuparem cargos públicos, não estão diretamente
vinculados à aprovação de eleitores. Há outros elementos, tais como seu
estreito relacionamento com a comunidade financeira, cujos membros, ao mesmo
tempo que o julgam, tendem a ser os principais aliados dos bancos centrais.
Além do mais, a atividade do Banco Central reveste-se de uma certa mística que
eles próprios desenvolvem.
A
proposta de IBC, que não é recente, teve um impulso importante nos anos 80 e
90, quando, nos governos Reagan (EUA) e Thatcher (Reino Unido), foram
implementadas políticas chamadas neoliberais, mesma época em que a queda do
muro de Berlim anunciou o fim da URSS – União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas e, em consequência, a queda dos governos socialistas do Leste
Europeu, de economia planificada e o aparente triunfo do capitalismo liberal.
As
propostas neoliberais ganham força nesse período, principalmente após o advento
do chamado Consenso de Washigton. (BATISTA JR, 1994) .
BATISTA
Jr (1994, p.5-6), resume o que foi o Consenso de Washington:
Em novembro de 1989, reuniram-se, na capital dos
Estados Unidos, funcionários do governo norte-americano e dos organismos
financeiros internacionais ali sediados – FMI, Banco Mundial e BID –
especializados em assuntos latino-americanos. O objetivo do encontro, convocado
pelo Institute for International
Economics, sob o título ”Latin American Adjustment: How Much Has Happened?, era
proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da
região. Para relatar a experiência de seus países também estiveram presentes diversos
economistas latino-americanos, as conclusões dessa reunião é que se daria,
subsequentemente, a denominação informal de “Consenso de Washington”: [...]
Nessa avaliação [...] ratificou-se, portanto, a proposta neoliberal, que o
governo americano vinha insistentemente recomendando, por meio das referidas
entidades, como condição para conceder cooperação financeira, externa,
bilateral ou multilateral.
O
Consenso de Washington contribuiu para a ressurreição de velhas ideias
liberais, num momento em que os países latino-americanos estavam endividados,
por conta das crises do petróleo e, em consequência, de suas dívidas externas.
A
imprensa apoiou entusiasticamente as propostas neoliberais, dentre elas a
função única e natural dos Bancos Centrais: a estabilidade de preços.
Um
grande número de economistas latino-americanos, formados nas universidades de
Chicago e Harvard e treinados dentro de uma visão clássica e monetarista dos
problemas econômicos; passaram a difundir essa perspectiva teórica nas universidades
sul-americanas e ocuparam cargos de comando nas Administrações de países como
México e Argentina.
Dessa
forma, a proposta neoliberal tornou-se predominante e com ela a proposição do
IBC. (BATISTA JR, 1994) .
2
- A TEORIA DE THOMAS S. KUHN.
Uma questão polêmica que se
coloca no campo da filosofia da ciência é se a ciência se desenvolve ao longo
do tempo, de forma linear, através do acúmulo de conhecimento, ou, ao
contrário, se esse desenvolvimento ocorre “aos saltos”, através de revoluções,
onde teorias novas substituem as anteriores.
Para
Thomas S. Kuhn, o avanço da ciência se dá através de um processo que ele chama
de revoluções científicas.
Na
obra A estrutura das revoluções
científicas (KUHN, 2011) , Kuhn faz uma
análise histórica do desenvolvimento científico e através de exemplos reais da
atuação de cientistas, ao longo dos últimos séculos, elabora a teoria de que a
ciência se desenvolveu através de revoluções. Kuhn, em suas palavras, considera
que revoluções científicas são: [...] aqueles episódios de desenvolvimento não
cumulativo, nos quais um paradigma mais antigo é total ou parcialmente
substituído por um novo, incompatível com o anterior (KUHN, 2011, p. 125) .
Se
o desenvolvimento a ciência não é cumulativo, porque temos, então, a impressão
do contrário? Kuhn explica essa questão através do conceito de ciência normal,
que significa a pesquisa firmemente baseada em realizações científicas passadas.
Em outras palavras, na ciência normal, o desenvolvimento dos conhecimentos é
cumulativo. Um arcabouço de conhecimentos é formado e reconhecido durante algum
tempo por uma determinada comunidade científica. Esse conjunto de
conhecimentos, métodos e instrumentos relativos a um campo de pesquisas, Kuhn
denomina de paradigma. Os paradigmas possuem duas características essenciais:
a)
Suas realizações devem ser sem precedentes para
atrair um grupo duradouro de seguidores, afastando-os de outras formas de atividades
científicas similares.
b)
Suas realizações devem ser abertas para deixar
toda uma gama de problemas para serem resolvidos por esse grupo de praticantes
da ciência. (KUHN, 2011, pp. 29-30) .
Esse
conceito de paradigma está diretamente ligado ao conceito de ciência normal de
Kuhn. Para o filósofo, o estudo dos paradigmas é o que prepara basicamente o
estudante para ser membro da comunidade científica na qual atuará mais tarde.
Quando ingressar efetivamente na sua comunidade científica, o novo cientista se
reunirá a outros que também foram treinados dentro do mesmo paradigma, que
aprenderam os mesmos modelos concretos, métodos e teorias. Uma vez que boa
parte da comunidade científica foi treinada no mesmo paradigma, raramente
haverá desacordos sobre seus fundamentos. (KUHN, 2011, pp. 29-30) . Quando
estabelecido, um paradigma é um modelo ou padrão aceito por determinada
comunidade científica. Um paradigma no seu início, na sua gênese, costuma ser
limitado, necessitando de uma melhor articulação e desenvolvimento. Geralmente
teorias adquirem status de paradigmas quando são mais bem sucedidas que suas
competidoras na solução de problemas considerados como graves. Essa
característica dos paradigmas, já comentada, de que, naturalmente possuem
lacunas, imprecisões que precisam ser solucionadas, faz com que a maioria dos
cientistas, treinados dentro de um determinado paradigma, passe toda a sua
carreira ocupando-se com operações de acabamento. Em outras palavras, passam
toda a sua vida profissional tentando contribuir para o aperfeiçoamento do
paradigma. Isso é o que Kuhn denomina de ciência normal.
Assim
fala o filósofo acerca do conceito de ciência normal:
A ciência normal não tem como objetivo trazer à tona
novas espécies de fenômeno, na verdade, aqueles que não se ajustam aos limites
do paradigma frequentemente nem são vistos. Os cientistas também não estão constantemente
procurando inventar novas teorias; frequentemente mostram-se intolerantes com
aquelas inventadas por outros. Em vez disso, a pesquisa científica normal está
dirigida para a articulação daqueles fenômenos e teorias já fornecidos pelo
paradigma. (KUHN, 2011) .
Uma
das características da ciência normal é seu baixo interesse em produzir grandes
novidades, seja no domínio dos conceitos ou dos fenômenos. As pesquisas ocorrem
sempre dentro dos limites do paradigma. Para os cientistas normais, os
resultados obtidos na ciência normal são significativos na medida em que
contribuem para aumentar o alcance e a precisão com os quais o paradigma pode
ser aplicado. Dito de outra forma, o objetivo é preencher as lacunas do
paradigma, de forma a aperfeiçoá-lo.
Para
Kuhn, resolver problemas da pesquisa normal é uma atividade compatível a montar
complexos quebra-cabeças instrumentais, conceituais e matemáticos. O cientista
bem sucedido nessa atividade prova que é um perito. O desafio, apresentado pelo
jogo de quebra-cabeças, constitui parte importante da motivação que o cientista
necessita para a execução do seu trabalho, ou seja, da ciência normal. (KUHN, 2011, pp. 58-59) .
O
paradigma, é importante notar, estabelece regras para o seu próprio desenvolvimento.
O problema a ser resolvido deve oferecer uma solução possível, certa, e deve
oferecer regras que antecipem as possíveis soluções aceitáveis e os métodos
para obtê-las.
A
ciência normal, da forma concebida por Kuhn, como uma atividade que objetiva
solucionar quebra-cabeças teóricos, é, portanto, ciência do tipo cumulativo,
onde o conhecimento acumulado amplia continuamente o volume e a precisão do
conhecimento científico. A ciência normal não se propõe a descobrir fenômenos
novos ou estabelecer novas teorias. Ocorre que novos fenômenos, novidades no
campo teórico, cruzam o caminho dos cientistas com frequência. Inconsistências
do paradigma, as quais Kuhn chama de anomalias, são normalmente desprezadas. As
soluções são procuradas sempre dentro da lógica do paradigma. A consciência da
anomalia vai surgindo aos poucos, de forma que os conceitos do paradigma são
adaptados até que o que era considerado inicialmente como anômalo se converta
no previsto. É sempre a partir do paradigma que é possível observar as
anomalias. Quando se identifica, dentro de um paradigma, um número crescente de
anomalias, a ciência normal não mais consegue, através da pesquisa normal,
resolver problemas. Temos, então, uma crise do paradigma. (KUHN, 2011,
pp. 93-105) .
As
crises de paradigmas indicam que chegou o momento de renovar os instrumentos.
De sair do paradigma para a resolução dos problemas que não podem ser
resolvidos pela ciência normal. Interessante notar que, mesmo diante de graves
anomalias, os cientistas não abandonam o paradigma. Continuam tentando a
resolução dos quebra-cabeças teóricos na lógica do paradigma. Uma teoria que é
alçada à condição de paradigma por uma comunidade científica apenas é
considerada inválida quando surge uma nova teoria, em condições de
substituí-la. (KUHN, 2011, pp. 110-111) .
Durante
a crise do paradigma e a consequente flexibilização das regras da ciência
normal, pode-se chegar um momento em que não se reconhece mais o paradigma.
Nesse momento de auge da crise do paradigma, surgem outros candidatos a
paradigma e começa o processo que conduzirá ou não a sua aceitação pela
comunidade científica. (KUHN, 2011, pp. 115-116) . Esse processo de
transição entre paradigmas, segundo Kuhn, não se confunde com o processo
cumulativo, obtido através da evolução do velho paradigma até se chegar ao
novo. É uma reconstrução da área de
estudos através do surgimento de outras teorias, métodos e instrumentos de
pesquisa. Durante o período de transição, muitos problemas poderão ter suas
soluções encontradas em ambos os paradigmas, porém de maneira diferente (KUHN,
2011, p. 116) ,
utilizando métodos e fundamentos diferentes.
Terminada
a transição, os cientistas terão adotado novas teorias, instrumentos e métodos
a serem utilizados na nova ciência normal que se fundamentará no novo
paradigma. É nos momentos de crise de paradigmas que os cientistas se voltam
para a análise filosófica com o intuito de entender e resolver a crise.
Kuhn
notou algo interessante, em sua pesquisa histórica, sobre o desenvolvimento da
ciência: que nos momentos de crise, são geralmente os cientistas mais jovens,
que produzem as grandes descobertas. O filósofo atribui isso ao fato de estarem
na área de estudos há menos tempo e, portanto sob a influência do paradigma que
procuram modificar. É justamente essa
transição para um novo paradigma que Kuhn chama de revolução científica. Esse
processo de identificação de um crescente número de anomalias, as tentativas de
ajustar o paradigma à nova realidade, o descontentamento dos cientistas com o
paradigma, os debates sobre os fundamentos e por fim, o recurso à filosofia são
sintomas de uma transição da pesquisa normal para a extraordinária.
Kuhn
argumenta que o processo de substituição de paradigmas não se limita às teorias
envolvidas. Isso altera o modo de vida dos cientistas. Grandes especialistas
num determinado paradigma não mais serão considerados tão importantes quando
seu paradigma for substituído por outro. Assim, nas palavras do filósofo:
Quando os paradigmas participam – e devem
fazê-lo – de um debate sobre a escolha de um paradigma, seu papel é necessariamente
circular. Cada grupo utiliza seu próprio paradigma para argumentar em favor
desse mesmo paradigma. (KUHN, 2011, p. 127).
Quando
a discussão se dá através de argumentos circulares, a força da argumentação
torna-se eminentemente persuasiva, seja qual for a força técnica dos
argumentos. Assim, a força de persuasão de um grupo de cientistas é fundamental
no processo de substituição de paradigmas dentro da comunidade científica.
A
fase de transição de um paradigma a outro, assemelha-se ao estado pré-paradigmático,
situação onde todos praticam a ciência, mas o resultado não se assemelha à
ciência. Não há a cumulatividade característica da ciência normal.
A
adoção de um novo paradigma pode significar a reestruturação completa da
ciência correspondente. Pode surgir uma nova ciência, questões relevantes no
antigo paradigma podem ser convertidas em importantes áreas de estudo. Antigos
problemas podem deixar de ser considerados problemas científicos, por exemplo.
(KUHN, 2011, p.137-138).
Outro aspecto importante abordado por
Kuhn, em sua teoria, é que a visão de mundo do cientista é vinculada ao
paradigma no qual foi treinado.
Vejamos
o que diz o filósofo sobre essa questão:
Somente após várias dessas transformações
de visão é que o estudante se torna um habitante do mundo do cientista, vendo o
que o cientista vê e respondendo como o cientista responde. Contudo, este mundo
no qual o estudante penetra não está fixado de uma vez por todas, seja pela
natureza do meio ambiente, seja pela ciência. Em vez disso, ele é determinado
conjuntamente pelo meio ambiente e pela tradição específica de ciência normal
na qual o estudante foi treinado. (KUHN, 2011, p. 148).
Kuhn entende que a própria percepção do mundo precisa de
algo semelhante a um paradigma como pré-requisito. Em outras palavras, o que o
homem vê depende tanto do objeto que ele observa quanto de sua experiência
visual-conceitual prévia que o ensinou a ver. (KUHN, 2011, p.149-150). Dessa
forma, temos que o mundo continua a ser o mesmo após uma mudança de paradigma,
no entanto a forma como o cientista vê o mundo muda muito. Cientistas com
paradigmas diferentes enxergam coisas diferentes no mundo e empenham-se em
pesquisas diferentes, embora continuem utilizando, muitas vezes os mesmos
instrumentos e métodos do paradigma anterior.
Kuhn aborda, com propriedade, a questão dos manuais
científicos. Os manuais científicos, juntamente com os textos de divulgação e
obras filosóficas moldadas naqueles, referem-se a um corpo articulado de
problemas, dados e teorias, representando muitas vezes um conjunto de
paradigmas aceitos pela comunidade científica, num dado momento histórico. (KUHN,
2011, p. 176) .
Os
manuais científicos registram o estado, num dado momento, de revoluções
científicas anteriores. É como uma compilação de paradigmas aceitos pela
comunidade científica no momento em que os manuais foram escritos. Quase todo o
conhecimento científico está baseado nesses manuais e na literatura derivada
deles. Esses manuais têm a função pedagógica de perpetuar a ciência normal e
são sistematicamente reescritos após as revoluções científicas, contendo novas
linguagens, métodos e estruturas de problemas da ciência normal. À medida que
os manuais, ao longo da história, vão sendo reescritos, eles dissimulam a
própria existência das revoluções, dando a impressão de que o desenvolvimento
da ciência seja cumulativo. (KUHN, 2011, pp. 176-177) .
Os
manuais não permitem que os cientistas tenham uma visão histórica da evolução
de sua própria disciplina. Não abordam de forma consistente a história da
evolução da ciência, apenas vão substituindo conhecimentos e teorias por
outros. Sua função precípua é preparar, rapidamente, os novos cientistas para a
prática da profissão, com os conhecimentos julgados essenciais e aceitos pela
comunidade científica num dado momento. São, portanto, os principais veículos
de consolidação dos novos paradigmas. Com o tempo, mais cientistas são
convencidos das possibilidades dos novos paradigmas, que vão sendo inseridos
pouco a pouco nos manuais e adotarão a nova prática da ciência normal. (KUHN,
2011, p. 202) .
Em
suma, para Kuhn, os manuais preparam adequadamente os cientistas para o
exercício da ciência normal. (KUHN, 2011, pp. 210-211) .
3
- A TEORIA DAS REVOLUÇÕES CIENTÍFICAS DE KUHN E A QUESTÃO DA INDEPENDÊNCIA DO
BANCO CENTRAL (IBC).
A proposição da IBC está
fundamentada, como vimos, basicamente em dois postulados. O primeiro é que a
economia teria, teoricamente, uma taxa natural de desemprego, no longo prazo. E
o segundo é a Teoria das Expectavas Racionais que estabelece que os agentes
econômicos não cometem erros no momento em que concebem suas expectativas com
relação à inflação, produto e renda. Dessa forma, qualquer política que o Banco
Central adotasse seria antecipada pelos agentes econômicos que anulariam o seu
efeito. Considerando esses postulados, temos que qualquer política monetária
expansionista seria neutra, no longo prazo, no que se refere à elevação do
nível de emprego. O Banco Central teria, assim, uma única e “natural” função:
garantir a estabilidade de preços. Se a única função do Banco central é essa e
se os Governos Centrais, principalmente em períodos pré-eleitorais, tem a
tendência a suportar mais inflação em troca de menos desemprego e poderiam,
então, conduzir o Banco Central a desviar-se de suas funções “naturais”; o
melhor para a economia, de qualquer nação, seria a IBC.
A
primeira questão a ser analisada é se, realmente, trata-se de uma questão
técnica. Se os dois postulados são verdadeiros, se se tratam de leis
universais, pois, caso contrário, o Banco Central poderia ter outras funções e
a IBC não seria uma questão pacífica e incontestável. Embora majoritária essa
concepção de política monetária não é única. Vejamos como Crocco & Jayme Jr
criticam os fundamentos teóricos que sustentam a proposta de IBC:
O primeiro aspecto a ser analisado é a
suposição da existência de uma taxa natural de desemprego. Vários
questionamentos podem ser feitos a esta hipótese. Em primeiro lugar, estão os
fatos empíricos. Na história do capitalismo são raros, para não dizer
inexistentes os períodos em que a economia operou na sua respectiva taxa
natural de desemprego. Em segundo lugar há a discussão sobre em que medida os
diversos mercados funcionam da forma supracitada. Limitando-se apenas ao caso
do mercado de trabalho, é amplamente conhecido o fato de que não existe um
mecanismo automático de ajuste que reduza ou aumente os salários reais, de
acordo com a oferta e procura por mão de obra. [...] O importante aqui é ter
claro que trabalhadores e empresários não se confrontam com a mesma correlação
de forças. Em última instância, quem define quando e quanto contratar são os
empresários.
Este mesmo raciocínio é aplicável a todos
os outros mercados. Ou seja, empiricamente, não existe o chamado livre mercado
que equilibraria demandantes e ofertantes nos diversos tipos de mercado, de
forma a permitir uma alocação ótima de recursos. Em outras palavras, a hipótese
de taxa natural de desemprego seria apenas hipotética, não existindo evidências
de sua existência na economia capitalista (CROCCO & JAYME JR, 2003, pp. 10-11) .
Ainda,
segundo os referidos autores, se não há comprovação da existência da taxa
natural de desemprego, a concepção de que a política monetária não traria
efeitos no longo prazo, na criação de empregos e elevação da produção, não
seria também sustentável. Os autores vão ainda mais longe quando sustentam que:
“aceitar que a política monetária pode afetar permanentemente o nível de
atividade econômica implica também em aceitar que é necessária uma coordenação
entre esta e a política fiscal” (CROCCO & JAYME JR, 2003, p. 11) .
O
outro pressuposto, no qual fundamentam-se os defensores da IBC é o das
expectativas racionais, onde a credibilidade do banqueiro central, na execução
das funções “naturais” do Banco Central é fator essencial.
Vejamos
o que diz Crocco & Jayme Jr a respeito:
Inicialmente é necessário reconhecer que
o conceito de política econômica de credibilidade incorre em um problema de
circularidade. Uma política para ter credibilidade deve atingir seus objetivos.
No entanto, segundo os adeptos do Banco Central Independente, para atingir seus
objetivos a autoridade deve possuir credibilidade. Ou seja, a credibilidade é
condição e resultado de uma política monetária. Em sociedades dominadas por uma
concepção de política econômica (qualquer que seja ela), esta circularidade
impõe um caráter extremamente ”antidemocrático” à condução da economia. A
necessidade de se implementar
políticas “confiáveis” para a
obtenção dos resultados desejados faz com que políticas alternativas à
dominante sejam excluídas “a priori”. A possibilidade de se testar outras
políticas é descartada por definição.
Este aspecto é muito claro no atual
debate sobe independência/autonomia do Banco Central e política econômica. A
dominância de uma concepção de economia no Brasil nos anos FHC produziu um
“falso consenso” de que existia apenas uma única política econômica a ser
implementada. Qualquer alternativa é vista com desconfiança, gerando reações
adversas, mesmo antes de implementadas. Ou seja, a própria reação de setores da
sociedade faz com que alternativas não possam ter o tempo necessário para
atingirem seus objetivos não conseguindo assim a credibilidade necessária para
se sustentarem no decorrer do tempo.
Este comportamento de setores da
sociedade acima descrito nos leva ao segundo ponto a ser destacado, vale dizer,
a credibilidade de uma política econômica é determinada por fatores
“endógenos”, à sociedade onde é implementada, e não determinada exogenamente,
por um manual de economia qualquer.
No atual mundo de liberalização
financeira e globalização, a credibilidade de políticas econômicas é assegurada
pela mobilização de poderes políticos e econômicos. Políticas de caráter
neoliberal, ao terem o suporte de organismos e capitais internacionais,
facilitam o influxo de recursos e “criam” credibilidade. Ou seja, tais
políticas não são inerentemente confiáveis, mas são assim transformadas pelo
suporte de grupos de interesse que se beneficiam destas políticas. (CROCCO & JAYME JR, 2003, pp. 13-14) .
Verificamos,
portanto, em Crocco & Jayme Jr, que os fundamentos teóricos que
justificariam a IBC não são, efetivamente, aos olhos de todos os economistas,
leis imutáveis, como defende o grupo majoritário dos monetaristas ou
neoliberais. Há inconsistências claras. Além disso, é cristalino que a teoria,
ao mesmo tempo em que se auto justifica, inviabiliza a aplicação de qualquer
outra. Portanto, fica demonstrado, na concepção dos autores, que o critério de
credibilidade não é puramente econômico, mas político. Assim, a credibilidade
da política econômica é determinada por forças políticas e não pelo que
determinam as leis econômicas expostas nos manuais científicos.
Um
exemplo da atuação dessas forças políticas na garantia de uma suposta
“credibilidade” do Banco Central temos em Garagorry:
Porém, nos anos 90, passamos a ter a
presença ostensiva de representantes do mercado financeiro internacional na
direção do BC, especialmente nestas duas últimas gestões [...] Mais
especificamente, sob o regime de metas de inflação nenhuma outra política pode
entrar em conflito com a sua execução, pois a política monetária passa a ter a
precedência sobre as demais políticas (GARAGORRY, 2004, Vol. 11/12) .
Está
claro que, embora majoritário, o grupo dos economistas monetaristas, ou
neoliberais não é o único. Há outras teorias econômicas. Vamos, agora, explanar
sobre elas.
Existem,
segundo Oliveira e Correia, duas concepções antagônicas desse ramo científico
que são: Economia e Economia Política. Deixemos os próprios autores definirem a
diferença entre as concepções, citando o economista português Antônio José
Avelãs Nunes:
[...] a denominação dessa disciplina como
simplesmente “Economia” é um fenômeno relativamente recente – a partir de 1890
com a obra ”Principles of Economics”, de Alfred Marshall – e se relaciona com
uma corrente do pensamento que busca compreender o fenômeno econômico como
“algo puro, tal como a matemática e a física”. [...] A economia neoclássica é
um enfoque que explica o funcionamento dos mercados a partir de pressupostos
bastante restritivos em especial um modelo centrado na figura do homo economicus, segundo o qual
“indivíduos escolhem ações com base na avaliação previsível de suas
consequências baseados em preferências egoístas e determinadas exogenamente e
por isso as interações sociais tomam a forma exclusivamente de intercâmbios
contratuais”. Desse modo as motivações altruístas são excluídas, como fator de
explicação da ação dos agentes econômicos. [...] Por outro lado, a “Economia
Política” – nome original da disciplina adotada pela primeira vez pelo
mercantilista francês Antoine de Montchrestien, na obra “Traité d’Economie
Politique” (1615) – contempla uma visão do fato econômico radicalmente
diferente, na medida em que vislumbra a adoção de elementos não-econômicos
(história, política, direito, antropologia, filosofia). Parece-nos que o atual
debate sobe a independência técnica do Banco Central evidencia a inconsistência
de uma visão puramente matematizada do fenômeno econômico e consequentemente o
resgate de uma visão holística e interdisciplinar proporcionada pela economia
política. (OLIVEIRA & CORREIA, Pesquisa acadêmica, pp. 5-6) .
A
partir dessas duas visões antagônicas da ciência econômica, Buarque identifica
três grupos básicos de economistas, que são, nas suas próprias palavras:
1 – Os neoclássicos, sob a forma dos
modernos monetaristas, que ainda defendem o papel de observação não
intervencionista, limitando-se a pequenas medidas monetárias e a justificar a
intervenção na política para que, através da ditadura policial, os sindicatos e as massas não gerem
desequilíbrios por excesso de reinvindicações de empregos e salários nos
momentos de crise.
2 -
Os marxistas ortodoxos, concetrando-se na análise crítica da estrutura
capitalista e propondo uma transformação global e radical da sociedade; com o
que o planejamento central evitaria as crises, ao mesmo tempo que conduziria a
economia a um processo crescente de produção, distribuída equitativamente entre
a população.
3 – Os descendentes do keynesianismo, às
vezes com tinturas marxistas na análise, propondo intervir e influir na
economia sem mudanças na estrutura social onde ela se situa, na busca de um
capitalismo eficiente e moderno. (BUARQUE, 1990, pp. 27-28)
Percebemos
que, das duas visões antagônicas da Ciência Econômica, como descritas por
Antônio J. Avelãs Nunes apud Oliveira e Correia, Economia e Economia Política
derivam três grupos de cientistas econômicos. Dois grupos igualmente
antagônicos, os neoclássicos e os marxistas e um terceiro grupo, que combina
elementos dos outros dois: os keynesianos, ou, mais recentemente, os pós-keynesianos.
Esses
grupos descritos por Buarque, em determinados momentos da história e em
determinadas regiões foram dominantes, majoritários. Em síntese temos que os
clássicos, ou liberais, dominaram a ciência econômica até a Grande Depressão,
de 1929. Os marxistas, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS e
os países do Leste Europeu, da Revolução Russa até a Queda do Muro de Berlim,
em 1990. Os keynesianos, após 1936, mas principalmente de 1950 a 1973, nos EUA
e Europa Ocidental. Os neoliberais, a partir dos anos 80 no Ocidente (NOVELLI,
1998, pp. 1-6) .
No
Brasil, houve uma razoável sincronia temporal com o que ocorreu no resto do
mundo. O pensamento liberal foi dominante na condução da economia até 1930,
depois houve predominância keynesiana até meados dos anos 80 e a dominação do
neoliberalismo em seguida. (NOVELLI, 1998, pp. 1-3)
Essa
alternância histórica na predominância no comando da economia, tanto nos países
desenvolvidos, quanto no Brasil, principalmente do grupo dos liberais, depois
dos keynesianos e, finalmente, dos neoliberais (não consideraremos na análise o
grupo dos marxistas), refletiu-se, logicamente, na concepção de como deveriam
operar os Bancos Centrais.
Assim
temos, em apertada síntese, que, até 1914, com o padrão ouro, isto é, a
conversibilidade das chamadas moedas fortes, naquele metal, a principal função
dos Bancos Centrais (os primeiros da história), era simplesmente manter a
convertibilidade da moeda em ouro. O principal mecanismo para isso era o
controle da taxa de juros. Os primeiros Bancos Centrais nasceram como bancos
comerciais que passaram a ter, posteriormente, funções de Bancos Centrais. Os
Bancos Centrais nessa época eram relativamente neutros quanto à sua influência
política, já que o valor da moeda estava ligado ao volume de ouro mantido em
seus cofres. Sua operação era relativamente simples. No período entre 1919 e
1945, os Bancos Centrais perderam autonomia em relação aos governos, em função
das Grandes Guerras Mundiais e da Grande Depressão, e passaram a se subordinar
ao Tesouro. Após o final da Segunda Guerra Mundial, no período de predominância
das políticas keynesianas, as funções dos Bancos Centrais foram ampliadas, de
forma a operar políticas com vistas ao pleno emprego e ao crescimento
econômico. A partir das duas crises do petróleo, nos anos 70, os keynesianos
passaram a adotar, na condução da economia,
tanto a política fiscal quanto a
monetária, esta com o objetivo de controlar a inflação, porém, ainda com
predominância da política fiscal. Quando os neoliberais voltaram ao controle
das economias centrais, nos anos 80, e com o já citado Consenso de Washington, também
nos países periféricos nos anos 90; passou a predominar novamente a política
monetária e os Bancos Centrais converteram-se ao monetarismo pragmático e,
consequentemente, foram limitados à função precípua de controlar a inflação,
através da política monetária restritiva. (NOVELLI, 1998, pp. 7-9) .
Com
a predominância da teoria monetarista, dos economistas neoliberais, surge,
então, a proposição da IBC, onde o Banco Central assumiria a função primordial
de guardião da política monetária, posição em que haveria a necessidade de
“protegê-lo dos Governos Centrais”, sempre tendentes a preferir uma inflação
controlável a uma taxa elevada de desemprego.
Parece-nos
claro, agora, que, embora a comunidade científica majoritária, no campo da
ciência econômica, sustente a ideia de que é fundamental a implementação da
proposição da IBC, esta não é uma posição unânime. Há grupos minoritários
contrários. Verificamos, também, a partir de uma rápida análise histórica, que
essa proposição está ligada a uma determinada visão da Ciência Econômica, o
monetarismo, ou neoliberalismo. Vimos ainda que a hegemonia entre os adeptos da
Economia e da Economia Política, e dentro dessas visões, entre economistas
liberais, keynesianos e marxistas, vem se alternando ao longo do tempo.
Refletindo
sobre o tema, à luz do pensamento de Thomas S. Kuhn, podemos começar a
desvendar o que está oculto nessa discussão acerca da “necessidade técnica” da
IBC. De fato essa questão ocupa, com grande frequência, as páginas dos nossos
jornais, já há bastante tempo e até os dias de hoje. Como exemplo, podemos
citar a seguinte notícia: “Estudo da
OCDE recomenda mandato fixo para diretores do Copom”. (OCDE, 2013) .
O texto noticia que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) apresentou um estudo sobre a economia brasileira e recomenda a melhoria
da credibilidade da política monetária do Banco Central do Brasil e o
estabelecimento de mandados fixos para os diretores do comitê de política
monetária (Copom) do Banco Central, que é o órgão que estabelece a taxa de
juros do país e a política monetária. O referido artigo não só, na prática,
traz a recomendação de adoção de providências que conduziriam o Banco Central a
uma situação de maior independência em relação ao Governo Central, como denota,
a um só tempo, a predominância dessa posição na comunidade científica, a
aparência de que se trata de uma medida técnica, o apoio dos meios de
comunicação brasileiros à essa proposta e, também, a pressão de organismos
internacionais para que se adote essa medida.
Podemos
perceber, então, que a proposição, longe de ser uma questão técnica, baseada no
que seria uma função “natural” de qualquer Banco Central, esconde uma disputa
teórica, entre comunidades científicas. Na verdade, é realmente, uma proposição
de caráter técnico, porém o é apenas dentro de um determinado paradigma
científico, ou seja, o paradigma neoliberal, também chamado de monetarista ou ortodoxo.
Toda
a argumentação científica favorável à IBC e que a fundamenta, ou seja, a teoria
da taxa natural do desemprego e a teoria das expectativas racionais são,
portanto, teorias constituintes do paradigma neoliberal. As críticas a essas
teorias e, consequentemente, da proposição de IBC, partem de comunidades
científicas, adeptas dos outros paradigmas, as quais já foram identificadas.
Nos referimos, principalmente, aos pós-keynesianos, também conhecidos como
desenvolvimentistas ou heterodoxos.
Boaventura
Santos refere-se ao paradigma neoliberal da seguinte forma:
O desenvolvimento acelerado das ciências
naturais é normalmente atribuído ao fato de os seus objetos serem em geral
sistemas fechados, quer naturais (sistema solar, por exemplo), quer artificiais
(experimentação, máquinas). Só assim é possível determinar com rigor variações
constantes entre fenômenos e formular leis. [...] As Ciências Sociais tem
aceitado desde sempre que seu objeto real são sistemas abertos (a isso atribuindo
o seu atraso), ainda que por vezes
tenham formulado hipoteticamente sistemas sociais como se fossem fechados, como é o caso da Teoria Neoclássica e o
seu pressuposto do equilíbrio do sistema econômico. (SANTOS, 1989, pp. 92-93)
Interessante
notar que Santos cita a Teoria Neoclássica (grupo dos neoliberais) como a única
teoria (paradigma) dentro das ciências sociais que considera um sistema social como se fosse fechado, quando, na
realidade, não o é. Santos nos ensina que a ação humana muda a relação entre
sistemas. Os agentes atuam no âmbito de um sistema e aprendem com isso, de
forma que influenciam o próprio sistema e o alteram. (SANTOS, 1989, p. 93)
Essa
concepção dos neoliberais, de que os sistema econômico pode ser estudado como
se fosse fechado deriva de Adam Smith (1776), nas palavras de Buarque:
[...] Adam Smith formulou as bases da
Teoria Econômica que aboliria as premissas éticas e definiu uma racionalidade
independente, com leis neutras, como aquelas que Newton, cem anos antes havia
descoberto para explicar o movimento do cosmo. [...] A partir de então, os
economistas libertaram-se dos preconceitos religiosos que os tornavam
instrumentos dos religiosos, mas acreditando em uma mão tão invisível quanto
aquela que movia os corpos celestes, não se preocuparam em intervir. Como nos
céus, para os físicos, o processo econômico seguiria processos e normas ditados
pela ordem natural, cuja lógica seria o objeto dos seus estudos.
Concentraram-se em explicar. A ciência seria neutra em relação aos
comportamentos dos atores econômicos. Da mesma forma que os demais
cientitistas, os economistas buscavam eliminar os juízos de valor nas
explicações do processo econômico, o que corresponde a assumir um novo juízo de
valor: o de que a Ciência Econômica não deve ter juízo de valor, nem, portanto,
ética própria. Esse novo juízo de valor consubstancia-se na ânsia com que os
economistas posteriores a Smith têm procurado matematizar a linguagem
explicativa do fenômeno econômico, como se a incorporação da matemática fosse a
prova da eliminação dos juízos de valor na explicação do comportamento dos
atores econômicos. (BUARQUE, 1990, pp. 22-23) .
Essa
análise de Buarque deixa claro, no âmbito do paradigma dos economistas
clássicos e dos seus sucessores neoliberais, as bases sobre as quais se
constituiu, inicialmente, o paradigma. Demonstra, ainda, com clareza, como se
desenvolveu, desde a sua origem, a ciência normal dentro desse paradigma. Essa
aproximação do paradigma das características das ciências naturais com a
eliminação das considerações éticas e o conceito de neturalidade da ciência
econômica diante dos agentes econômicos abriu espaço para o que Buarque chama
de “matematização” da Ciência Econômica, ou seja, a possibilidade de
comprovação matemática da “leis” econômicas.
A
ciência normal, de acordo como conceito de Kuhn, resultante desse paradigma abre,
portanto, infinitas possibilidades de pesquisa. São os chamados quebra-cabeças
teóricos de Kuhn. A complexidade da Ciência Econômica, aliada ao fato de que,
na verdade, trata-se de um sistema social e, portanto, aberto, e, por isso, em
constante mutação; permite a existência de infinitas lacunas no paradigma a
serem preenchidas através da prática da ciência normal. Abre-se, então, uma
grande área de trabalho aos cientistas especialistas desse paradigma.
Considerando-se, ainda, as características da Ciência Econômica, esse mercado
de trabalho transcende o ambiente
acadêmico. Empresas privadas, bancos, governos, todos os agentes econômicos tem
interesse em compreender o funcionamento do sistema econômico em que se
encontram, inseridos e em obter vantagens com isso.
Manter
a predominância do paradigma significa manter
também as vantagens dos cientistas normais ligados ao paradigma. Dentro
desse paradigma, manter a economia operando segundo as suas “leis naturais” é
fundamental à respectiva comunidade científica. Dentro desse quadro, a IBC é
uma garantia de que a economia funcionará dentro dos seus “fundamentos”. Dos
fundamentos estabelecidos pelo paradigma neoliberal.
Verificamos
que a origem do paradigma neoliberal encontra-se, no século XVIII, em Adam Smith.
Já abordamos, segundo o pensamento de Kuhn, a importância dos manuais
científicos. É através deles que os novos cientistas são treinados para o
desenvolvimento da ciência normal, nos limites de um paradigma. Esses manuais
nos dão a impressão, inclusive também aos próprios cientistas, que a ciência
evolui de forma cumulativa.
No
campo das Ciências Econômicas, citamos, ao longo do texto, três exemplos desses
manuais: (HELLER, 1983) ; (SADDI, 1977) ;
(SIMONSEN & CYSNE, 1995) . Verificamos que os
principais manuais de economia fundamentam-se no paradigma neoliberal. Fazem
apenas referências a certos conceitos keynesianos, de forma que, como salientou
Kuhn, parece, ao candidato a cientista, que a ciência evolui de forma linear e que
o conteúdo dos manuais encerra os fundamentos da ciência, quando, de fato,
encerra apenas os fundamentos do paradigma, inclusos conceitos considerados
úteis e derivados de outros paradigmas.
Caetano Penna, na resenha do livro:
“How rich countries got rich... and why poor countries stay poor”. Londres:
Constable, 2007, de Erik S. Reinert, resume:
[...] mais curioso é, portanto, a
ausência destas mesmas ideias nos principais manuais de economia utilizados por
faculdades de Ciências Econômicas mundo afora, em especial em países em
desenvolvimento. Como afirma Reinert: “Nós esquecemos coletivamente como criar
nações prósperas, uma arte empregada sucessivamente há apenas cinquenta anos”.
A atividade recente deste economista tem sido justamente a divulgação dos
princípios de uma corrente que o próprio autor chama de The Other Canon (“O
outro cânone”), oposta à corrente principal de pensamento econômico,
(mainstream economics). É, pois, nesta corrente neoliberal ortodoxa que se
baseiam os principais manuais de economia, em voga nos principais cursos de
graduação na área desde ao anos 70, e em maior medida desde o fim da União
Soviética”. (PENNA, 2008)
Outra
questão a ser abordada é: a quem serve o paradigma neoliberal?
Sabemos
que o livre mercado, operando num Estado mínimo, apenas garantindo a segurança
do sistema, favorece a acumulação de riqueza. Portanto favorece as camadas mais
ricas da população em detrimento das camadas mais pobres. Favorece
especialmente o capitalismo financeiro.
Vejamos
um pouco dessa relação promíscua entre o capital financeiro nacional e o internacional
e a proposta de IBC no Brasil:
[...] nos anos 90, passamos a ter a
presença ostensiva de representantes do mercado financeiro internacional na
direção do BC, especialmente nestas duas últimas gestões. É importante observar
que, coincidentemente é na gestão de Armínio Fraga Neto na presidência do BC
[...] que ocorre a implantação do sistema de metas inflacionárias como
arcabouço básico da política monetária segundo o qual, toda a política
econômica fica subordinada às condições necessárias para o cumprimento das
metas de inflação. Mais especificamente, sob o regime de metas de inflação
nenhuma outra política pode entrar em conflito com a sua execução, pois a
política monetária passa a ter precedência sobre as demais políticas. [...]
Mensalmente o COPOM se reúne para decidir o que fazer com a taxa de juros.
Porém, antes da reunião, o BC consulta o “mercado” – leia-se os
economistas-chefes dos maiores bancos – a respeito de suas expectativas quanto
ao comportamento futuro das principais variáveis macroeconômicas da economia
brasileira [...] Estas expectativas, ao serem consolidadas pelo BC, são
tratadas como se tivessem uma origem pulverizada, isto é, como se tais opiniões
fossem independentes entre si. De posse dessas estimativas o COPOM, por meio de
um modelo econométrico conhecido pelos economistas-chefes, acaba “decidindo”
qual a taxa de juros nominal é compatível com as metas de inflação e com as
expectativas do “mercado”. Ao final sai uma ata da reunião que fundamenta
tecnicamente a decisão tomada em relação aos juros. Aparentemente uma simples
decisão lógica e técnica... Essa decisão “técnica”, na realidade esconde um
jogo de cartas marcadas ou “jogo de compadres”. [...] O BC consulta os
principais interessados na manutenção da
maior taxa de juros suportável politicamente. Tais representantes do “mercado”
representam os próprios detentores dos títulos da dívida pública, os quais
serão remunerados pela taxa de juros em questão. Logo, está em discussão quanto
os detentores dos títulos da dívida pública vão receber de renda. [...] Ora, é
como se, mensalmente, os patrões consultassem seus empregados quanto ao salário
que eles querem receber! Os empregados só teriam que tomar o cuidado de não
quebrar o patrão. [...] A forma de acumulação predominantemente financeira
utiliza-se do discurso ideológico batizado de “neoliberalismo”. Como sabemos
tal discurso tem sua fundamentação teórica, no que se refere ao âmbito
econômico na Escola Neoclássica. Sabemos que esta escola produziu a Teoria das
Expectativas Racionais, que acabou sendo vulgarizada pela expressão “confiança
do mercado” (GARAGORRY, 2004, Vol. 11/12, pp. 4-6) .
Observamos,
portanto, que a proposição da IBC, além de não ser uma questão técnica, fora do
paradigma neoliberal, acaba por atender aos interesses do “mercado”. Leia-se:
capitalistas financeiros.
O
presidente do Banco Central ideal é aquele que faz parte do mercado financeiro,
que pertence ao ambiente dominado pelos bancos comerciais. E vai determinar a
taxa de juros mais rentável aos próprios bancos. Quem vai pagar a conta é o
Governo Central. Leia-se: o contribuinte. Evidentemente que a comunidade
científica, de acordo com a teoria de Kuhn, que esteja ligada a esse paradigma
será patrocinada pelos maiores interessados na implementação de suas propostas.
O
debate passa a ser retórico. E esse debate, no caso da Ciência Econômica, não
se dá apenas nas universidades. Já vimos que há imensos interesses financeiros
envolvidos na discussão da IBC. Esse debate se dá através dos meios de
comunicação de massa, umbilicalmente ligados ao capitalismo financeiro.
Emissoras de TV e jornais tem como grandes clientes, os bancos. Esses mesmos
veículos de comunicação também contraem empréstimos junto aos mesmos bancos,
logo há uma pressão muito grande para que o paradigma seja adotado. Segue-se a
isso, que o poder econômico desses grupos tem grande peso nas campanhas
eleitorais em favor de políticos alinhados com tais políticas.
O
cientista se proletarizou, tornou-se parte do sistema produtivo. Vejamos isso,
nas palavras de Boaventura S. Santos:
No que respeita à organização da ciência,
também ela concomitante da industrialização da ciência, a integração da ciência
no complexo militar-industrial, e portanto, a sua conversão plena em força
produtiva, possibilitou o crescimento exponencial da ciência e produziu
profundas alterações na organização do trabalho científico. [...] As
universidades que durante muito tempo detiveram o monopólio da investigação
científica, perderam-no em favor dos governos e da indústria. [...] A
esmagadora maioria dos cientistas foi submetida a um processo de proletarização
nos laboratórios e centros de investigação. (SANTOS, 1989, pp. 130-131) .
O
chamado “mercado” apropriou-se da ciência e a usa em benefício próprio. O
paradigma neoliberal é, portanto, patrocinado pela classe dominante e a
comunidade científica, assim denominada por Kuhn, já proletarizada, desenvolve
a ciência normal balizada pelos interesses dessa elite, que inclui as grandes
empresas transnacionais, os meios de comunicação de massa, os organismos
financeiros internacionais e os governos dos países do centro do capitalismo.
Um
exemplo desse processo são os cientistas laureados com o prêmio Nobel de
Economia. Nos últimos anos, todos os trabalhos premiados representam um
desenvolvimento do paradigma neoliberal, ou seja, a ciência normal desse
paradigma. Alguns exemplos:
- ano: 2011: Pesquisa empírica sobre as
causas e os efeitos na macroeconomia (Sargent & Sims);
- ano: 2009: Estudos sobre administração
de propriedade (Diamond, Mortensen e Pissarides);
- ano 2007: Identificação de mecanismos
matemáticos aplicáveis no funcionamento e na regulação dos mercados. (Hurwics,
Maskin e Myerson);
- ano 2005: Análise da Teoria dos Jogos,
aprofundando conceitos de cooperação e resolução de conflitos (Aumann e
Schelling). (UOL, 2013)
Verificamos,
através destes exemplos, que o paradigma neoliberal passou a ser hegemônico no
final dos anos 1970. Observando a sucessão dos paradigmas econômicos nos
últimos cem anos, temos que a substituição de um paradigma por outro ocorreu,
conforme prevê a teoria de Kuhn, sempre após uma crise do paradigma anterior.
Assim, o paradigma clássico foi substituído pelo keynesiano, após a crise que
levou às duas guerras mundiais e, entre elas, a Crise de 1929. O paradigma
keynesiano foi, por sua vez, substituído pelo neoliberal, no final da década de
1970, após as duas grandes crises do petróleo. As anomalias não explicadas e
resolvidas pelos paradigmas levaram ao desenvolvimento de pesquisas
revolucionárias, com o objetivo de resolver os problemas que os antigos
paradigmas não mais conseguiam.
Note-se
que os mesmos problemas podem ser abordados por paradigmas diferentes. O que
ocorre é que os cientistas ligados a paradigmas diferentes enxergam os mesmos
problemas de formas diferentes. A escolha do paradigma a ser adotado, portanto,
é uma questão retórica, de convencimento. Quando acompanhamos a debates entre
economistas neoliberais e pós-keynesianos, muitas vezes não entendemos por que
discordam com tanta veemência. É porque se baseiam em paradigmas diferentes,
veem o mundo de forma diferente e soluções diferentes para o mesmo problema.
De
fato, se considerarmos o conceito de paradigma científico de Kuhn, fica claro
que o debate entre neoliberais e pós-keynesianos assume, claramente a forma de
um debate circular, ou seja, nas palavras de Kuhn: “Cada grupo utiliza o seu
próprio paradigma para argumentar em
favor desse mesmo paradigma” (KUHN, 2011, p. 127) .
Outro
autor que aborda essa questão, na mesma linha, é Santos (SANTOS, 1989, p. 57) : “Assim, uma das
consequências da epistemologia kuhniana é mostrar que a racionalidade e a
veracidade do conhecimento científico só são compreensíveis no interior do paradigma em que se acolhem, pois é
este que proporciona o quadro de sentido a todas as práticas científicas no seu
âmbito”.
Ainda
sobre a questão temos:
[...] a verdade é a retórica da verdade.
Se a verdade é o resultado, provisório e momentâneo, da negociação de sentido
que tem lugar na comunidade científica, a verdade é intersubjetiva e, uma
vez, que essa intersubjetividade é
discursiva, o discurso retórico é o campo privilegiado da negociação, de
sentido. A verdade é, pois, o efeito de convencimento dos vários discursos de
verdade em presença. A verdade de um discurso de verdade não é algo que lhe
pertence inerentemente, acontece-lhe no recurso do discurso em luta com outros
discursos num auditório de participantes competentes e razoáveis. (SANTOS,
1989, pp. 96-97) ..
Como
vimos, o paradigma econômico ora dominante, chamado neoliberal, cuja comunidade
científica defende a IBC, tem as suas incongruências. Observamos, também, que
os fundamentos teóricos que sustentam a proposta de IBC, têm as suas
fragilidades e vem sendo duramente criticados. Temos, ainda, que a doutrina
neoliberal é patrocinada pela classe dominante que dela se serve para manter e
ampliar seu status social. A pretensa neutralidade da ciência, no paradigma
neoliberal, traz problemas. Vejamos o que Buarque diz sobre esse tema:
Os cientistas sociais se mantém na doce
posição de neutralidade dos filósofos sociais dos séculos XVII e XVIII, cuja
motivação era somente explicar o funcionamento da sociedade. [...] O que hoje ocorre
é diferente. Da mesma forma que um físico sensível não pode deixar de se
inquietar com o que viu em Nagasaki, nem ver a Bomba apenas como a maravilha da
ciência, os cientistas sociais, especialmente os economistas, não podem deixar
de ver os efeitos dramáticos dos modelos de desenvolvimento em execução nos
países do Terceiro Mundo. Se abrissem os olhos, como fez Bronowski, não verão
apenas a maravilhosa força de transformação que criou um mundo eficiente, verão
também miséria a ponto de reduzir o homem a ser parte do lixo; aculturação a
ponto de ameaçar-se o próprio futuro da espécie. De certa forma, esta outra
bomba pode ser mais dramática, uma vez que a nuclear criaria mecanismos para
seu próprio limite. Destruiria incialmente as sociedades que se agrediriam, o
resto da humanidade teria uma chance, embora deplorável. A bomba do crescimento
econômico, explodindo de forma silenciosa, e trazendo ilusões a cada cidadão em
particular, tende a reduzir os efeitos desequilibradores. Salvo se a sociedade
for capaz de perceber seus efeitos, e tomar medidas para controlá-la. Só a
partir de data muito recente, e de forma ainda muito limitada, esta inquietação
com os limites e os riscos começa a penetrar na consciência dos intelectuais e
da população em geral. Mesmo assim, uma grande parte dos economistas mantém a
recusa a enfrentar o assunto dentro da própria ciência. (BUARQUE, 1990, pp. 18-19)
Buarque
demonstra que a pretensa e falsa neutralidade da ciência econômica serve para
encobrir a realidade, e até explicar e justificar catástrofes e atrocidades com
veremos no texto a seguir:
A partir da descoberta da América, pelos
europeus, especialmente com a colonização do Nordeste do Brasil, Sul dos EUA e
Caribe, a prática da escravidão foi levada ao seu limite máximo como elemento
produtivo e de sofisticação administrativa. Enormes recursos foram mobilizados,
de forma eficiente, na captura, transporte, venda e uso de escravos, através de
redes comerciais que envolviam milhões de homens, como agentes ou como
mercadoria, milhares de quilômetros e milhares de libras. Salvo manifestações
isoladas de intelectuais e de políticos, não havia crítica de economistas
contra o costume da escravidão. Quando isso ocorreu, foi porque o processo econômico
já tinha avançado ao nível de considerar o uso do escravo um método
ineficiente. Os economistas passam a criticar a escravidão quando se torna
necessário formular a moral que melhor se adaptasse ao capitalismo moderno. Não
era o humanismo da liberdade dos escravos que estava em jogo, era a liberdade
do comércio que melhor servia para a evolução capitalista surgida do jogo. (BUARQUE,
1990, pp. 20-21)
Os
paradigmas liberal e, agora, o neoliberal, na sua falsa neutralidade
científica, consideravam , cada um a seu tempo, tanto a escravidão, como, hoje,
a exploração da mão de obra em condições sub-humanas análogas às da escravidão,
como formas eficientes de produção. Indicadores como a elevação do PIB ou a
inflação controlada medem a eficácia da política econômica, mesmo que a custa
da miséria de milhões. Mesmo à custa da morte de crianças e a destruição da
natureza. A Ciência Econômica não coloca essas questões como problemas. Os
problemas a resolver, no âmbito do paradigma s (OCDE, 2013) são: a dívida
externa, a inflação, as taxas de câmbio, a rentabilidade das empresas ou o
nível das bolsas de valores.
Buarque,
a respeito dessa questão, nos diz o seguinte:
De todas as deformações que o enfoque
econômico e a visão desenvolvimentista produziram no entendimento do processo
social, a mais grave é a decorrente do fetichismo
de como o problema civilizatório foi transformado em um problema da economia. A
deformação se torna mais grave na medida em que permeia toda a sociedade que
passa a se ver como espelho da economia. Os problemas sociais e aqueles
vinculados diretamente à essência do processo humano deixaram de ter uma
identidade própria e são apropriados pela realidade única da economia. Influenciada
por anos de primazia do econômico, a sociedade cai na armadilha de considerar
as dificuldades econômicas como sendo os seus verdadeiros problemas fins.
Desaparecem como problemas enfáticos o nível de desnutrição, a deseducação, a
falta de cultura e de saúde. Tornam-se problemas básicos a dívida externa, a
inflação, a crise energética, a taxa de juros. (BUARQUE, 1990, pp. 83-84)
Dentro
desse panorama, onde os grandes problemas da humanidade são convertidos em
questões econômicas dentro de um determinado paradigma científico, temos a
questão da IBC. É uma questão crucial, pois, como vimos, a IBC significa tirar
dos Governos Nacionais e,
consequentemente, das populações que os elegeram a possibilidade de atacar os
reais problemas sociais, uma vez que, por definição, o Banco Central terá uma
única preocupação, a estabilidade da moeda e o controle da inflação,
sobrepondo-se sobre qualquer outra política econômica. Os reais problemas serão
encobertos pelo manto da política econômica. A extinção dos elefantes será considerada
benéfica à economia por que elevará o lucro dos vendedores de marfim. A
destruição da floresta amazônica elevará a área plantada de soja e o valor das
ações dos fabricantes de soja transgênica. A morte de milhares de pobres
elevará a renda per capita de um país...
Vimos
que o fim do paradigma liberal, ou clássico, ocorreu após a crise de 1929 e das
duas Guerras Mundiais. O do keynesianismo com as crises do petróleo. As crises
dos paradigmas em algum momento, conforme a teoria de Kuhn, levam à adoção de
um novo paradigma. Antes disso, porém, os cientistas não abandonam o paradigma
anterior, procuram fazer pequenos ajustes para adequá-lo à realidade.
O
mundo já passou por várias crises econômicas ao longo dos últimos anos: México,
Argentina, Brasil, Rússia, Tigres Asiáticos, Irlanda, Islândia, Grécia, EUA e,
hoje, Espanha. Cortes de gastos sociais, num momento de desemprego em massa,
aumento dos juros, privatizações e medidas do tipo são a praxe, no paradigma
neoliberal. Os organismos internacionais
exigem que os Bancos Centrais executem a sua função natural, de garantir a
estabilidade da moeda e do câmbio, enquanto as sociedades ardem em chamas. (VEJA, 1995, 1997,1998,1999, 2001, 2002, 2008.)
Populações inteiras à beira da ruína se manifestam nas
ruas enquanto os impostos que pagam são usados para “ajudar” os bancos.
Dinheiro público canalizado para a iniciativa privada rentista. As
manifestações de descontentamento são esmagadas com extrema violência pela
força policial e o espetáculo selvagem rende muitos pontos de audiência nos
telejornais noturnos, em todo o mundo, elevando o valor das ações dos grandes
conglomerados de comunicação de massa.
Parece
claro que o paradigma neoliberal não consegue dar respostas aos novos
problemas, ou, ainda, conseguem responder apenas aos problemas ditos econômicos
que surgem dentro do paradigma, os quebra-cabeças da ciência normal de Kuhn,
como, por exemplo, a estabilidade cambial ou a redução dos gastos dos governos;
embora não haja perfeita conexão desses problemas com a realidade. O paradigma
não consegue mais se adequar aos fenômenos reais. As anomalias crescem. É
evidente a crise do paradigma. A adoção da IBC seria uma medida extrema, que,
talvez resolvesse o problema da estabilidade financeira e da solvência dos
bancos, mas agravaria o do desemprego e reduziria a produção. Em outras
palavras, resolveria problemas mais caros ao paradigma neoliberal e seria, ao
mesmo tempo desastroso dentro das concepções do paradigma pós-keynesiano, por
exemplo. A questão é qual dos paradigmas teria melhores respostas aos problemas
reais que estão postos? A resposta depende da visão de mundo que é posta. Já
vimos que, para Kuhn, os cientistas enxergam o mundo de acordo com a tradição
científica, com o paradigma, em que estão inseridos. Parece claro, como expôs
Kuhn, em sua teoria, que a substituição de um paradigma por outro não é uma
questão científica, mas uma questão retórica entre as comunidades científicas.
Ocorre que na Ciência Econômica, talvez como em nenhuma outra, as influências
externas são muito fortes. Os interesses da elite dominante e da população mais
pobre estão em jogo e também os interesses dos cientistas no intgerior de seus
paradigmas. A sua posição hierárquica no seio da comunidade científica. Neste
caso a disputa não será apenas entre comunidades científicas, mas envolverá
principalmente as forças políticas e sociais como ocorreu nas últimas
transições de paradigmas econômicos, com já exposto.
Um dado que ilustra bem esta questão são estatísticas
envolvendo o crescimento econômico e baixas taxas de desemprego e inflação controlada
nos países do grupo chamado de BRICS (composto pelos seguintes países emergentes:
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Observa-se que esses países, nos
últimos anos, não seguiram as políticas econômicas recomendadas pelos manuais
neoliberais e pelos organismos financeiros internacionais. Mesmo assim, ou
talvez por isso, a taxa média de crescimento desses países foi muito maior que a
dos países do centro do capitalismo. O crescimento médio anual dos países
desenvolvidos foi de 0,1%, enquanto que o dos BRICS foi de 5,5%, entre os anos
de 2001 e 2010.
Nesses momentos, como diz Kuhn, é que a filosofia é
chamada a opinar. As soluções precisam vir de fora do paradigma, numa situação
que se aproxima da ciência pré-paradigmática. Nessas circunstâncias, quando se
busca novos pressupostos, novas bases científicas, a análise filosófica é
fundamental, como foi quando da emergência da física newtoniana, da Teoria da
Relatividade e, por fim, da física quântica. (KUHN, 2011, pp. 119-120) .
CONCLUSÃO
A discussão em torno da proposição da IBC, como expomos,
é de extrema importância, uma vez que coloca em jogo, a capacidade do Governo
Central decidir acerca da melhor política econômica a ser aplicada e determinar
quais os objetivos a serem alcançados por essa política. A IBC, defendida pelos
economistas neoliberais, estabelece como única função do Banco Central, o
controle da inflação, sobrepondo-se a qualquer outra política. Equivaleria a
dizer que o Presidente da Nação concederia ao Presidente do Banco Central boa
parte de seus poderes e que governaria de acordo com políticas estabelecidas
pelo Banco Central. O Presidente do Banco Central, no entanto, não seria
eleito, mas indicado pelo Presidente da Nação. Ocorre que o Presidente do Banco
Central deveria ser aceito pelo “mercado”.
Leia-se: banqueiros privados. Logo, a proposta de IBC seria algo como
ter um Presidente eleito com poucos poderes e um Presidente do Banco Central,
indicado, na prática pela elite capitalista com plenos poderes para definir a
política econômica da nação. Ou, ainda, definir quanto de renda será
transferida dos contribuintes para o sistema financeiro em forma de juros. Os
cientistas travestem essa proposta como se fosse de cunho eminentemente
técnico-científico, baseados no paradigma neoliberal.
Outras teorias colocam em xeque, não apenas a proposta da
IBC, mas todo o paradigma neoliberal. De fato, a proposta de IBC é apenas o
elemento mais superficial do paradigma, apoiado entusiasticamente pela classe
dominante. Os novos cientistas são treinados através dos manuais econômicos a
adotar esse paradigma e o desenvolvem através da ciência normal, criando novas
teorias, com o objetivo de aperfeiçoar seus instrumentos e práticas. Citamos,
ao longo do texto, alguns desses manuais e teorias complementares, como a
Teoria dos Jogos e a Teoria das Expectativas Racionais, esta última um dos pilares
sobre o qual se sustenta a proposição da IBC.
As classes dominantes, beneficiadas pelas políticas
econômicas fundamentadas no paradigma neoliberal, o patrocinam. Financiam
pesquisas, cursos, livros, prêmios internacionais, como o Nobel de Economia,
permitindo a ascensão acadêmica e social dos cientistas que abraçam o
paradigma.
Kuhn destaca o papel da comunidade científica na
manutenção e desenvolvimento dos paradigmas. Ocorre que há graves anomalias que
o paradigma neoliberal não consegue resolver. A questão humanitária e a questão
ecológica são agravadas pelo paradigma. Problemas como a miséria, a fome, a
violência urbana, a concentração de renda, a mortalidade infantil, a destruição
do planeta, a extinção de espécies animais, a poluição do planeta são vistas,
inclusive como resultado da eficiência econômica e, portanto, do sucesso do
próprio paradigma. As várias crises econômicas que assolaram o mundo e que
continuam a ocorrer neste momento, a partir da adoção de políticas baseadas no
paradigma neoliberal, ora dominante, demonstram que o paradigma encontra-se em
crise.
Como bem demonstrado por Kuhn, em sua obra, a solução não
virá do interior do paradigma, mas de sua substituição por outro. No presente
caso, é muito mais difícil a substituição do paradigma, em função dos imensos
interesses materiais envolvidos e da grande pressão exercida pelo poder
econômico. A solução será, então, provavelmente de ordem política. A pressão
social exercida pelas associações populares e o pleno exercício da democracia
contra o aparato político-policial dominado pela elite definirá qual será o
paradigma que sucederá o atual, quando e como. Há vários grupos de cientistas
críticos ao atual paradigma, alguns aqui citados, principalmente os
pós-keynesianos, de forma que há outras possibilidades. As políticas adotadas
pelos BRICS, neste momento, principalmente pela China, é um exemplo de
alternativa viável.
Ainda, de acordo com Kuhn, é nestes momentos de crise de
paradigmas que a análise filosófica adquire maior importância e este foi o
principal motivo pelo qual abordamos este tema. Sem a pretensão de esgotar
assunto tão importante e extenso, esperamos, nos limites das possibilidades
deste artigo, ter contribuído para o
aprofundamento do debate.
FOLHA DE APROVAÇÃO DA
PÓS-GRADUAÇÃO
Aluno: João Gilberto Parras Benitez
A questão da independência do
Banco Central: uma abordagem à luz do pensamento de Thomas S. Kuhn.
Monografia apresentada à Central de Cursos de Extensão e
Pós-Graduação Lato
Sensu da Universidade Gama Filho como
requisito parcial para a conclusão do Curso de Pós-
Graduação em Filosofia.
AVALIAÇÃO
1. CONTEÚDO
Grau: ______
2. FORMA
Grau: ______
3. NOTA FINAL: ______
AVALIADO POR
_________________________________
(Assinatura)
_________________________________
(Assinatura)
São Paulo, _____ de ______________ de
20___
_______________________________________
Professor Me. Emerson F. da Rocha
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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05/11/97, 19/11/97, 11/02/98, 02/09/98, 09/09/98, 20/01/99, 03/02/99,
18/07/2001, 28/03/01, 19/06/02, 17/09/08, 24/09/08, 01/10/08, 08/10/08,
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Federal de Juiz de Fora. Universidade Federal de Brasília, Juiz de Fora e
Brasília.
www.publicadireito.com.br/artigos
INDEPENDENCE OF CENTRAL BANK: A VIEW THROUGH OUT THE
THE THOMAS S. KUHN’S THINKING
ABSTRACT: The question which introduces the Central Banks Independence is not
recent, but increases in about 80’s and 90’s centuries with the crisis of
Social Welfare State and Berlin-Wall Breaking, that means the States Collapses
of Real Socialism. The literature supports that there is a consensual with the
economists, based on and supported by media that realize that the Central Banks
have a ‘natural’ set on guarantee , by the monetary politic, the rates
stability. To execute this ‘mission’, the Central Banks must be free of
National State politics influences, which by the social pressure has, as its
principal target, the de-employed reduction.
This article objective is critical reflection, about this question, on
Kuhn’s thought perspective. Our hypothetic question is that this consensus,
although doesn’t represent a ‘natural law’, in fact constitutes in a dominus
scientific paradigm in a specific historical moment, and may be nominated:
“neoliberal” or “orthodox”. We developed, thought the bibliographic researches,
at analysis using the ‘paradigms’ and ‘normal science ”, present on Thomas S.
Kuhn thoughts. We identified other thoughts segments, that treat the questions
in a different paradigm, so that will be totally different of the dominant
paradigm, which will be, also, a reflexion object.
KEYWORDS:
Central Bank Independence, monetary
politics, economics paradigms; normal science, Thomas S Kuhn.
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