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Educação bancária: uma velha ideia sob nova roupagem. Uma breve análise dos textos de Gustavo Ioschpe sobre a chamada Economia da Educação.

 
          
O presente texto pretende abordar as teses expostas nos textos: "Na educação a esquerda é elitista" e "Errar é humanas" de Gustavo Ioschpe. Em primeiro lugar, devemos saber quem é o autor dos referidos textos. Gustavo Ioschpe é um economista com graduação em Ciência Política e em Administração Estratégica e mestrado em Economia Internacional e Desenvolvimento Econômico nos EUA. Utiliza, em seus textos conceitos da chamada “Economia da Educação”, que aborda, por exemplo, o uso de ferramentas da economia, especialmente a econometria, para medir de maneira rigorosa e quantitativa o impacto de diversas variáveis (como renda e nível educacional dos pais dos alunos; salário, educação e práticas de sala de aula dos professores; infraestrutura e outros fatores da escola) sobre os resultados da educação, especialmente a aprendizagem de alunos. Não tem especialização alguma, portanto, na área educacional ou filosófica.

Para entendermos o conteúdo das ideias do Sr. Ioschpe, temos que levar em conta que o modelo de produção capitalista no qual vivemos é um grande sistema, o sistema de ensino é um de seus subsistemas e que as instituições escolares são parte deste. Temos a classe dominante, dos proprietários dos meios de produção e a dos trabalhadores que sustentam a primeira. O sistema se perpetua pela predominância das ideias da classe dominante (valores, hábitos, costumes, religiões, etc.) que as impõe à classe dominada, principalmente através do sistema educacional.

Ao longo de toda a nossa história, o ensino de filosofia foi sendo inserido e retirado do cabedal de conhecimentos exigidos dos nossos estudantes, de acordo com as conveniências dos grupos políticos que passaram pelo poder público. Identificamos, ao longo da história, dois grandes grupos, o primeiro que pode ser identificado como “ligado a uma tradição emancipatória”, que defende o ensino de filosofia, e o segundo a uma “tradição de submissão ao poder hegemônico”, que repudia essa disciplina na grade curricular de nossos alunos, que é o caso de nosso autor.

Os textos do Sr. Ioschpe claramente possuem um viés político de tradição de submissão ao poder. Utiliza uma pretensa economia da educação apenas para medir, de forma científica os resultados do que Paulo Freire chamou de “educação bancária”. A educação “bancária” pressupõe uma relação vertical entre o educador e educando. O educador é o sujeito que detêm o conhecimento, pensa e prescreve, enquanto o educando é o objeto que recebe o conhecimento é pensado e segue a prescrição. O educador “bancário” faz "depósitos" nos educandos e estes passivamente os recebe. Tal concepção de educação tem como propósito, intencional ou não, a formação de indivíduos acomodados, não questionadores e que se submetem à estrutura de poder vigente. É o rebanho que como uma massa homogênea, não projeta, não transforma, não almeja ser mais.

Nesse contexto da educação bancária, as ideias de Sr. Ioschpe acabam instrumentalizadas pela nossa elite para o seu projeto político-educacional. Ele seria então o contador, o guarda-livros, do banco, a medir com rigor os depósitos de conceitos técnicos a serem depositados em nossas crianças com o objetivo de transformá-las em meros insumos de produção. Seu objetivo é tornar a educação bancária mais eficiente, assim como os modernos bancos de nosso país. Lembremos que ele é economista.

O filósofo Paulo Ghiraldelli Jr, em seu artigo intitulado “A direita emburreceu de vez?” faz um comentário interessante sobre os textos do Sr. Ioschpe, com o qual eu concordo e que pode servir para fechar a nossa análise: “O trecho acima (de um dos textos analisados) é significativo. Mostra como nossas elites, não raro, erram na educação dos filhos. O menino Gustavinho é rico. Foi estudar nos Estados Unidos quando ainda não tinha maturidade para tal. Lá, no exterior, o professor deu para ele ler o Paulo Freire, um brasileiro. Poderia ter lido aqui mesmo, de modo correto. Mas quis ler errado, pagando caro para tal, lá nos Estados Unidos”.

 

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