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Maquiavel e o Congresso Nacional.



            Maquiavel inovou quando propôs investigar a realidade humana como ela efetivamente é e não como deveria ser. Dessa forma, ele se contrapôs à moral cristã de seu tempo. Seguir os princípios da moral cristã nem sempre favorecia a tomada e a manutenção do poder pelo governante. Pelo contrário, muitas vezes, impedia ou dificultava. Na realidade, Maquiavel pregava a existência de mais de uma moral. Para ele o Estado estava acima do indivíduo, portanto uma nova moral seria necessária. Baseou-se, então, na moral pagã. Segundo o código pagão do Império Romano, a conduta humana deveria colocar-se acima do bem e do mal como hoje os entendemos, pois a ética estava a serviço do social. Para Maquiavel a vida em comunidade determina os deveres morais de seus membros. A política e a ética pertencem à mesma esfera: o que é político é moral. Ele rejeita a ética cristã a favor da sociedade disposta a matar em busca de seus próprios fins.

            A política é, portanto, tão humana quanto os humanos. As mazelas próprias dos humanos encontram-se necessariamente na política. A malícia, a infidelidade e a corrupção são, na verdade, ferramentas úteis na política. As virtudes cristãs não são virtudes políticas, muitas vezes ocorre o inverso, isto é, muitos vícios cristãos são qualidades políticas. Não é à toa que Maquiavel é tido como maquiavélico. Má interpretação de sua obra. Ele nos choca, nos força a perceber que existem duas moralidades, onde escolhas angustiantes devem ser tomadas: matar ou morrer, ser amado ou temido, provocar a morte de poucos para salvar muitos ou ser capaz de qualquer coisa para evitar a perda do poder. O grande vício para o governante é ser odiado, o que o leva a perder o poder. Melhor ser temido, sem ser odiado. Maquiavel nos dá a receita: não tomar as mulheres e os bens das pessoas, melhor matar do que tomar os bens. A morte de um ente querido é rapidamente esquecida, a perda dos bens não.

            Um exemplo disso tudo é o nosso próprio Congresso Nacional. A nossa imprensa, nada independente, nos mostra, diariamente, políticos acusados dos mais diversos crimes, outros que passam o tempo todo apenas tratando de assuntos relativos às próximas eleições, outros que tratam apenas de desviar recursos públicos, etc. Os exemplos são inúmeros. A pergunta que se faz é a seguinte: a nossa sociedade é diferente? Empresários não passam o tempo todo pensando apenas em seus lucros, muitas vezes prejudicando o consumidor? O cidadão comum não sonha em encontrar uma fórmula mágica de ganhar dinheiro com o mínimo de esforço? Os contribuintes, em geral, não engendram diversas maneiras de burlar o fisco? Alunos colam nas provas, policiais pedem propina, médicos ganham sem trabalhar, advogados cobram caro para libertar traficantes e recebem em pagamento bens roubados... Sim, o nosso Congresso e todos os congressos do mundo apenas refletem a sociedade que representam.

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