Pular para o conteúdo principal

A luta pela preservação da natureza e os princípios do presentismo e da precaução.


Nos anos 80 e 90 do século passado, tivemos um longo período de predomínio de políticas econômicas chamadas de neoliberais, aplicadas, principalmente, por R. Regan (EUA) e M. Tatcher (Reino Unido) e que se espalharam pelo mundo, através de imposições dos órgãos financeiros internacionais (FMI e Banco Mundial) dominados pelos países do centro do capitalismo. Essas políticas resultaram no declínio das políticas de bem estar social e causaram desemprego em massa, inclusive nos países desenvolvidos, e uma concentração de riqueza jamais vista, onde os duzentos maiores bilionários do mundo possuem uma riqueza maior que toda a população dos países da periferia do sistema, antes chamados de países do terceiro mundo. Houve um desenvolvimento muito grande da tecnologia, com o surgimento de um sem-número de produtos e, ao mesmo tempo, um recrudescimento dos comportamentos individualistas, com um consumismo desenfreado fomentado pela publicidade e pelos meios de comunicação de massa, ao mesmo tempo em que crescia o medo do desemprego.

A partir dessa situação social, onde predomina o capitalismo neoliberal, surge o que o filósofo alemão Hans Jonas chama de “presentismo”, ou seja, a escolha e decisão de algo, no presente, sem a necessária consideração de seus desdobramentos futuros – desconhecidos e imprevisíveis. As gerações futuras é que terão de arcar com os resultados de nossas escolhas presentes, terão que resolver os problemas que nossa geração irá causar a eles. Podemos exemplificar isso com a exploração desenfreada do petróleo em regiões ecologicamente cada vez mais frágeis, como no subsolo do mar ou em regiões árticas; o uso de agrotóxicos; o desenvolvimento de armas nucleares capazes de destruir o planeta várias vezes, etc. Para o filósofo alemão há um mal moral no sistema de exploração e produção, baseado na ciência e tecnologia, que não leva em conta seus impactos na natureza e gerações futuras. Esse princípio afirma que há uma mentalidade voltada apenas para o momento presente, focada apenas às conveniências de lucro e demandas de mercado. Em resumo, o que importa é o lucro imediato, sem uma análise dos desdobramentos da aplicação da tecnologia para os sistemas de manutenção e integridade da própria vida. Essa situação toda foi fomentada pelas políticas neoliberais que tirou poder dos Estados Nacionais, controlados pelos cidadãos e aumentou o poder das grandes corporações transnacionais controladas por um número muito pequeno de grandes capitalistas.

Essa reflexão dá origem a um novo conceito, criado recentemente, o “Princípio da Precaução”, proposto na Conferência RIO 92, cuja definição é a seguinte: “O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que a ausência da certeza científica formal, a existência de risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que possam prever este dano”. Este princípio baseia-se na ideia de que se um produto ou uma prática envolverem riscos à saúde pública ou ameaça aos ecossistemas e aos sistemas naturais de manutenção da vida, pela precaução, deve-se manter o produto ou a prática em quarentena até que seus riscos e possíveis impactos na natureza ou no ser humano sejam conhecidos e controlados.

Percebemos, nitidamente, por detrás dos princípios do presentismo e da precaução, que temos sempre como pano de fundo as práticas capitalistas neoliberais onde o que conta é unicamente a realização de lucro, sem nenhuma preocupação com o ser humano e a preservação da natureza ou a manutenção dos sistemas vitais do planeta. Mesmo aparentes ações pela preservação da natureza promovidas por empresas privadas, muitas vezes tem por objetivo diferenciar essas empresas e aproveitar a ignorância das massas para gerar mais lucro. O que se sugere a partir desses princípios é uma mudança social, com o fortalecimento de critérios de progresso que levem em conta a realização humana e não os lucros. Seria uma retomada da tradição humanista, com uma maior participação política dos cidadãos, com inclusão social e ampliação da liberdade de pensamento, respeitando a individualidade e a criatividade, porém com uma preocupação maior com o coletivo. Alterar esse estado de coisas será possível apenas com uma redução drástica das desigualdades entre os países ricos e pobres e uma maior conscientização das pessoas, a partir, principalmente, da formação escolar das novas gerações, e a ênfase sobre a necessidade da construção de um mundo diferente onde se combata o consumismo e o individualismo, apesar das poderosas forças contrárias representadas pelos capitalistas cuja única preocupação é com o lucro.

 

 

 

 

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Perspectivas Pedagógicas: Essencialismo, Naturalismo e Crítica histórico-social

Educação, de forma genérica, pode ser entendida como o ato de transmitir às novas gerações um determinado conjunto de valores e conhecimentos. Essa atividade educativa assume, em cada época e lugar, formas distintas. Podemos falar, assim, em diferentes pedagogias. Para compreendê-las há que se interpretá-las no seu contexto histórico e à luz dos valores e ideias que as fundamentam. Dessa maneira, na antiguidade, a pedagogia conhecida e utilizada pelos povos hindus, persas, chineses e egípcios era tradicionalista e consistia na transmissão de uma doutrina sagrada, cujo objetivo era orientar o jovem na busca da felicidade e da virtude. Na Grécia antiga, a educação como transmissão da cultura, da história e da religião era baseada na perspectiva mítica, sendo difundida através dos poemas de Homero (A Odisseia e A Ilíada). A passagem do mito à razão, através da reflexão filosófica, deu-se com os pensadores pré-socráticos e levou ao surgimento da primeira instituição de ensino com caracter...

O Jardineiro Fiel: uma breve análise do filme à luz do imperativo categórico de Kant.

A primeira cena do filme mostra o assassinato brutal, ocorrido no interior do Quênia, de Tessa, uma ativista política casada com Justin, um diplomata inglês de segundo escalão e jardineiro por hobby. Inconformado com a morte da mulher e com a inércia das autoridades locais e de seu próprio consulado, Justin passa a investigar as circunstâncias em que ocorreu o assassinato. A ativista suspeitava de uma trama macabra envolvendo uma indústria farmacêutica europeia, além de autoridades do Quênia e do próprio governo inglês. Justin, a partir de arquivos de computador e documentos encontrados entre os objetos deixados por Tessa, descobre que quenianos miseráveis estavam, sem seu conhecimento e consentimento, sendo usados como cobaias em experimentos com um novo fármaco. Muitas dessas pobres pessoas morriam após ingerirem o medicamento. As autoridades locais e a empresa dificultavam o acesso ao local e aos parentes das vítimas. A empresa privada e os governos envolvidos tinham interesse no d...

Diferenças entre o pensamento mítico e o filosófico

O pensamento mítico é uma forma de explicação e compreensão da realidade. Toda a sociedade, desde as mais primitivas, possuem seus mitos, que são narrativas, passadas de geração para geração, contendo elementos que podem ser utilizados na explicação de fenômenos naturais ou na prescrição de condutas morais. Os mitos podem ser apresentados como elaborados por ancestrais antigos, indivíduos extraordinários ou por seres ou poderes sobrenaturais. Os mitos possuem as seguintes características: - são fantasias, alegorias explicativas da realidade. Representações simbólicas e não exatas da realidade. - são maleáveis. Sua narrativa não é fixa, podendo variar de acordo com os objetivos de quem faz a narrativa. Como passam de geração para geração, vão sendo alterados com o tempo. - o mito utiliza elementos sobrenaturais para a explicação dos fenômenos naturais. Quando não há possibilidade de explicação racional para um evento, o mito como explicação sobrenatural é uma forma de amenizar ...