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Deus, no pensamento de Descartes e Espinosa.


 
A filosofia de Descartes é essencialmente dualista, isto é, ele admite a existência de duas realidades paralelas. Nesse sistema, o mundo é formado por duas substâncias independentes entre sí: a alma (o sujeito = substância pensante) e a o corpo (o objeto = substância extensa).

Descartes foi muito influenciado pela escola filosófica que o precedeu, a cética, que afirmava, em suma, não ser possível alcançar qualquer certeza ou conhecimento verdadeiro acerca do mundo. Os céticos duvidavam de todo conhecimento, inclusive sobre a existência do mundo e do próprio sujeito. Descartes desenvolveu a ideia de um gênio maligno e enganador com poderes para nos enganar e nos fazer crer num mundo totalmente falso. O exercício da dúvida, no entanto, revela pelo menos uma existência indubitável: a do pensamento, uma vez que é através do pensamento que se torna possível duvidar. Há então a confirmação da existência do sujeito, da substância pensante (penso, logo existo). Mas a descoberta do sujeito não resolve o problema do objeto, da substância extensa, que pode ainda ser apenas uma ilusão coerente. Descartes sente então a necessidade de pensar em um Deus não enganador, já que, sem o conhecimento de Deus seria impossível ter certeza de qualquer coisa que se refira ao mundo exterior, ou substância extensa. Para Descartes, a representação que temos de nossas ideias é efeito de alguma causa. De onde viria então a ideia de infinitude, se não somos infinitos? O efeito só pode ter, no máximo, o mesmo grau da causa, então a causa da ideia de infinito só pode ser uma: Deus (infinitamente sábio, onipotente, onisciente e onipresente). Deus passa a ser então, na filosofia de Descartes, não apenas a causa da própria ideia de infinitude, mas também a causa de tudo o que existe. Deus é, para Descartes, o fundamento da verdade, de forma que todas as representações que temos de ideias claras e distintas tem sua verdade garantida por Deus.  Deus é a razão de todas as verdades e o “Eu pensante” é a razão de todos os pensamentos. O Deus de Descartes é, portanto, não enganador e infinitamente bom.

Espinosa era também um filósofo racionalista, mas discordava de Descartes quanto ao dualismo do mundo. Para Espinosa a extensão e o pensamento não são substâncias, mas atributos da substância Divina. Sua filosofia é monista, isto é, acredita na existência de uma única substância, que é aquilo que é em si mesma, isto é, não depende de nada além de sim mesma para existir, é Deus. A extensão e o pensamento seriam, então, atributos dessa substância única e as coisas individuais e qualquer coisa constituinte do mundo (os homens, os animais, etc) seriam modos dela. Para Espinosa apenas uma coisa existe: Deus. Tudo o mais que existe está “em Deus”. É parte Dele. Deus é, portanto, idêntico ao mundo. Para Espinosa, a adequação entre a ideia e a coisa exterior (pensamento e extensão) é garantida por Deus, uma vez que basta ter uma ideia adequada das coisas para ter conhecimento das coisas, já que Deus e o mundo se confundem. Deus é a causa eterna de tudo.  Deus é atemporal para Espinosa. Nós somos temporais, pensamos em termos temporais, em termos de mudança e de processo, porque somos modos de Deus. Finitos.

 

 

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