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A teoria dos paradigmas científicos de Kuhn e a importância da comunidade científica relevante.



Thomas Samuel Kuhn foi um físico, historiador e filósofo da ciência. Em 1963, publicou o livro “A estrutura das revoluções científicas”, onde defende a ideia de que a história da ciência não é acumulativa, mas, pelo contrário, descontínua. O desenvolvimento do conhecimento científico não consiste na acumulação de dados e de observações, num processo contínuo como defendem os falsificacionistas, mas numa sequência descontínua, não cumulativa, de “paradigmas” científicos que, tal como sucede na história das instituições políticas e sociais, se dá através de rupturas a que chama de revoluções científicas. Kuhn chama de paradigmas, nas suas palavras, “conquistas científicas universalmente reconhecidas, que por certo período fornecem um modelo de problemas e soluções aceitáveis aos que praticam em certo campo de pesquisas”. A função do paradigma, para Kuhn, hoje, cumprem-na os manuais científicos, por meio dos quais o jovem estudante é iniciado na comunidade científica e a partir dos quais desenvolve seus trabalhos. 

Em breve síntese, na teoria de Kuhn, as ciências são precedidas por uma situação de pré-ciência, onde há uma ausência de paradigma, com muitos cientistas e grupos de cientistas compartilhando dados até que, por um consenso entre eles, entre a comunidade científica, um paradigma é aceito. A partir daí têm-se o que Kuhn chama de ciência normal, que se desenvolve a partir de seu paradigma até que, em certo momento, surgem anomalias que não se resolvem dentro do paradigma, o que leva a ciência a uma situação de crise-revolução, que se assemelha à fase de pré-ciência. Nessa fase, o antigo paradigma convive por certo tempo com outras possibilidades, outras teorias, até que, a comunidade científica, por consenso, aceita um novo paradigma. Com a adoção pela comunidade científica do novo paradigma os novos cientistas serão treinados de acordo com ele e inicia-se um novo ciclo.

            É justamente essa questão envolvendo o consenso da comunidade relevante, a científica, na escolha de um novo paradigma após a fase de revolução científica, que recebe um maior número de críticas dos opositores de Kuhn. Para Kuhn, a escolha de um novo paradigma pela comunidade científica leva em conta também fatores sociais e psicológicos. Os cientistas concebem a ciência como um quebra-cabeças a ser montado. Escolhem o paradigma que seria um conjunto de regras para se montar o quebra-cabeças. Quando um quebra-cabeças (um problema científico a ser resolvido) não pode ser montado por determinado conjunto de regras, um paradigma, este deve ser substituído por outro. É dessa forma, e por consenso, que a comunidade científica, substitui um paradigma por outro, numa situação de revolução científica.

            Uma das críticas impostas ao modelo de Kuhn é que qualquer comunidade científica está sujeita a preconceitos, preferências religiosas, culturais, de classe, de gênero, etc., o que influencia fortemente na escolha do novo paradigma. É possível também que a comunidade científica, como um todo, se equivoque e adote um paradigma que não irá atender aos seus próprios anseios. Dessa forma, a escolha de um novo paradigma seria, portanto, subjetiva, não existiria um parâmetro objetivo que possa conduzir a escolha entre possíveis novos paradigmas.

            Para Popper, a ciência normal, assim como pensada por Kuhn realmente existe, porém a figura do cientista normal que apenas aceita o paradigma, simplesmente por ter sido doutrinado a isso, é irreal, esse seria apenas um cientista mal preparado, uma pessoa lamentável. Critica também a tese de Kuhn da incompatibilidade dos paradigmas, que um deve ser sempre oposto ao outro.

            Para Lakatus, a partir do seu ensaio “A história da ciência e suas reconstruções racionais”, a ciência se desenvolve a partir de “programas de pesquisa científica”, onde há uma sucessão de teorias que se desenvolvem a partir de um núcleo central que, por decisão metodológica, se mantém infalseável. O que Kuhn entende ser um novo paradigma, na verdade, na teoria de Lakatus, pode ser uma nova teoria dentro de um mesmo programa de pesquisa científica.

            Apesar das fortes críticas ao seu trabalho, podemos dizer que uma importante inovação presente no discurso de Kuhn, no campo da filosofia da ciência, foi a afirmação de que o desenvolvimento da ciência não é cumulativo, mas ocorre em saltos. Também podemos destacar a ideia de que os paradigmas alternativos são escolhidos pela comunidade científica, não apenas baseados em aspectos teóricos, mas em fatores históricos, sociológicos e psicológicos, dito de outra forma, baseados numa certa subjetividade da comunidade acadêmica, num processo retórico de persuasão envolvendo diversos grupos de cientistas, bem como os organismos públicos e principalmente privados de financiamento de pesquisas.

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