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A noção de "causa" em Bacon, Descartes, Espinosa e Hume.



            O conceito de causalidade, ou relação de causa e efeito, é o vínculo que correlaciona fenômenos diferentes fazendo com que alguns deles apareçam como condição da existência de outros. A ideia de causa é inspirada pela observação da natureza: certos acontecimentos são considerados responsáveis pela produção de novos acontecimentos.

            A primeira sistematização do conceito de causa se encontra na filosofia de Aristóteles que pretendia responder à questão "por que as coisas são como são?". A partir do Renascimento, principalmente com o desenvolvimento da ciência moderna, a relação de causa e efeito passa a responder a uma indagação científica: como se dão os fenômenos de mudança? A procura da causa eficiente de Aristóteles cedeu lugar à busca de leis gerais, ou seja, a ideia de uma relação de causalidade entre fenômenos foi substituída pela de sistema de relações cientificamente descritíveis.  

            Francis Bacon desenvolveu a teoria da indução, onde partindo de casos particulares (experiência)            podemos formular leis gerais para explicar os fenômenos. Os fenômenos poderiam ser melhor manipulados se as suas causas pudessem ser explicitadas. À filosofia caberia, então, buscar o entendimento das causas (ou cadeia de causas) que condicionam a ocorrência dos fenômenos. Adota, portanto, uma perspectiva empirista, onde as causas são uma sucessão de fatos no tempo, não havendo ligação com a metafísica.

            Hume, igualmente empirista, vai além de Bacon e percebe que a nossa compreensão do mundo está fundada numa crença gerada pelo hábito. Nossos sentidos possuem uma precedência em relação a qualquer faculdade humana. Hume, então, simplesmente, elimina a noção de causa, por ser a causa apenas uma ficção mental. Exemplo: a noite vem depois do dia, mas o dia não é a causa da noite, trata-se apenas de um ciclo e não de uma sucessão. O hábito de acompanhar a noite, que vem todos os dias depois do dia, nos dá a impressão de que se trata de uma relação de causalidade. É a imaginação colocada como se fosse prova da realidade, como num sonho.

            Descartes, ao contrário, era racionalista e relacionava causa e razão: a causalidade é uma relação real e necessária, apreensível pela faculdade racional humana, isto é, a representação que temos de nossas ideias é efeito de alguma causa. Descartes propôs o seguinte método de investigação: a partir da própria ideia examinamos o seu conteúdo e verificamos se é possível estabelecer a realidade fora da mente que seja a causa da ideia. Trata-se de uma forma de investigação a partir da realidade subjetiva, uma solução mediante a metafísica. Descartes conclui, por fim, que Deus é a causa da nossa ideia de infinitude, a qual não pode ter sido concebida por um ser finito, mas apenas por um ser infinito: Deus. Assim, na filosofia de Descartes, Deus é a causa não apenas da ideia de infinitude, mas de todas as ideias. De tudo.

            Espinosa, assim como Descartes, um filósofo racionalista, vai além deste e radicaliza: só há conhecimento quando se trata do conhecimento da causa (isto é descobrir de que maneira algo é gerado). Tendo em vista que o conhecimento só pode ser o conhecimento da causa, o homem só pode obter conhecimento sobre si mesmo se as causas de sua essência, de sua existência, forem explicitadas. A causa de sua essência é, para Espinosa, Deus. Só há uma substância única no mundo, da qual nós, assim como tudo o que existe somos modos. A extensão e o pensamento são atributos dessa substância única, que é Deus. Espinosa afirma que as relações de dependência entre as coisas (modos) são uma dependência de ideias (atributos da substância única), sendo que, nesse contexto, o raciocínio matemático serve de modelo para essa relação de dependência. Entender a relação entre as coisas é entender a realidade que é Deus, a substância única.

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