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Max Weber e a influência do protestantismo no fortalecimento do sistema capitalista.

 

Max Weber, sociólogo alemão, observou, em fins do século XIX, que havia em certos países da Europa um número desproporcional de protestantes ocupando altos cargos em funções ligadas ao capital, à indústria e ao comércio. Além disso, algumas regiões de fé calvinista estavam entre aquelas onde mais se desenvolveu o capitalismo. Na sua pesquisa, ele baseou-se principalmente nos puritanos e em grupos influenciados por eles. Ao analisar os dados, Weber concluiu que entre os puritanos surgiu o que ele chamou de “espírito capitalista” que fez do lucro e do ganho um dever e caracterizava-se por uma vida disciplinada, apego ao trabalho e valorização da poupança. Ele argumenta que esse espírito resultou no sentido cristão de vocação, que pode ser definida, no sentido religioso, como o ato de cumprir uma tarefa designada por Deus para sua vida.

A ética vigente anteriormente, na antiguidade e na idade média, era a ética da virtude. O que importava era a passagem virtuosa por este mundo com objetivo de garantir, após a morte, um bom lugar no paraíso, a salvação. A riqueza excessiva era condenada (lucro e usura) sendo que o trabalho era considerado um castigo pelo pecado original. Tralhava-se apenas para satisfazer as necessidades básicas. O acúmulo excessivo de bens era considerado avareza. Vivia-se numa sociedade mágica, onde tudo era resultado da vontade de Deus.

A ética protestante, para Weber, notadamente na sua vertente calvinista, pregava que para obter a salvação o ser humano deveria agir de acordo com a vontade de Deus, na tentativa de aumentar sua glória através do trabalho sem descanso, a fim de reforçar sua própria vocação. Ao mesmo tempo em que exortava o homem ao trabalho duro e ininterrupto, como um fim em sí mesmo, o reprimia em seus impulsos à vida desregrada, aos gastos supérfluos com luxo e diversão. A ética protestante não recriminava o lucro ou a riqueza, mas os via como tentação contínua. Da mesma forma, a ambição era tida como algo reprovável. A riqueza era permitida apenas enquanto resultado natural do trabalho. Dessa forma era permitido ganhar dinheiro com o trabalho, em sua vocação profissional, mas não gastá-lo, de forma que o dinheiro ganho era reinvestido na produção gerando mais riqueza e mais produção, num círculo virtuoso; a acumulação capitalista. Se a riqueza era permitida, a ociosidade e o gozo da riqueza não o eram, uma vez que isso levaria a um relaxamento quanto à busca de uma conduta moral cotidiana que fosse condizente com a salvação desejada no âmbito do sagrado.

Verificamos que, inegavelmente, a chamada ética protestante apresenta grandes diferenças em relação à ética católica, anteriormente dominante. Mudanças de hábitos e de costumes foram gestadas por essa nova ética como: uma nova relação das pressoas com o trabalho, que deixou de ser uma obrigação para se tornar um fim em sí mesmo; uma nova visão do lucro que deixou de ser reprovado e passou a ser um sinal de predestinação à salvação; a valorização da poupança; o repúdio à ociosidade; o conceito de vocação profissional; a exigência de uma vida disciplinada e regrada e, em geral, uma maior racionalização da vida, ao contrário da vida dominada pela magia, nos períodos anteriores. Esses novos hábitos e maneiras de encarar a vida não geraram o capitalismo, que já existia, mas se enquadraram perfeitamente aos interesses da burguesia, que anciava por mais liberdade para tornar seus empreendimentos mais lucrativos, menos ingerência da igreja católica nos seus negócios e uma mão-de-obra mais produtiva. O empenho da burguesia em proteger os primeiros protestantes e em disseminar essa nova ética, através da, recém-inventada, imprensa foi fundamental para que essas mudanças de atitudes e hábitos se concretizassem. Sem essa proteção os líderes da Reforma simplesmente teriam sido queimados em praça pública pela Igreja Católica.

A ética protestante não foi a única responsável pelo crescimento do capitalismo que acabou por se tornar, com o tempo, hegemônico. Vários fatores concorreram para isso. Fatores de ordem econômica e fatores de ordem sociocultural. Os fatores de ordem econômica foram o acúmulo de capitais originários do renascimento comercial, as novas tecnologias, as novas rotas comerciais, os grandes descobrimentos, etc. Dentre os fatores socioculturais, temos o surgimento da burguesia e sua atuação política, sempre forte, que proporcionou fim do modo de produção feudal, o seu apoio à Reforma Protestante que diminuiu o poder da Igreja Católica e, finalmente, as mudanças de hábitos e de atitudes dos agentes econômicos proporcionadas pela ética protestante, que racionalizou as relações sociais e justificou teoricamente a própria essência do capitalismo que é a acumulação de capital. Posteriormente esses novos hábitos e atitudes se disseminaram pelo ocidente, não mais apenas como uma influência religiosa, mas como uma imposição de caráter econômico, o que explica porque o capitalismo floresceu também em nações católicas do ocidente, desde que também presentes os fatores de ordem econômica. Explica também porque não se desenvolveu no oriente, onde esses hábitos e atitudes em relação à riqueza e ao trabalho não se disseminaram. Parte da chamada ética protestante tornou-se ética capitalista que, de certa forma, em sua forma mais atual é, inclusive, contraditória com ética protestante, como por exemplo, no que se refere ao consumismo. O consumismo era repudiado pela ética protestante, devia-se trabalhar muito e gastar apenas o necessário para as necessidades normais e poupar o resto. Hoje o capitalismo induz ao consumo supérfluo, inclusive nas nações de maioria protestante.

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