Consideramos, em nossa análise, o artigo “Economia
política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e
Arrighi”. Os estudos relativos ao sistema capitalista, compreendendo os seus
ciclos de expansão e retração, o acúmulo de capital e a relação entre as
regiões desenvolvidas e as subdesenvolvidas do planeta eram, até os anos 1970,
fundamentados basicamente na Teoria da Dependência. O capitalismo era estudado
considerando-se as relações entre os Estados ou entre os países centrais e os
periféricos. A unidade de estudo era o Estado Nacional.
Wallerstein propôs, então, o conceito de
“sistema-mundo”. O objetivo era tomar o sistema capitalista como um todo, como
uma única unidade de análise e estudá-lo enquanto sistema social situado no
espaço-tempo. O capitalismo é entendido, portanto, em Wallerstein, como um
sistema social histórico complexo (ARIENTE;FILOMENO, 2007, p.105). Para
Wallerstein, o moderno sistema-mundo é,
por definição do autor, uma economia-mundo capitalista, combinada com múltiplos
Estados Nacionais que, juntos formam um sistema interestatal. A principal
característica que dá unidade à economia-mundo é a divisão mundial do trabalho.
A divisão social do trabalho não tem mais um caráter apenas funcional dentro de
uma dada sociedade, tem uma dimensão axial, ou seja, espacial. Há uma
distribuição da divisão desigual do produto e do trabalho entre as regiões
centrais e periféricas. Os capitais apoiados pelos Estados Centrais
concentram-se nas regiões centrais, mas absorvem o excedente não só gerados por
seus trabalhadores, mas também parte do excedente gerado pelos trabalhadores
das regiões periféricas. Isto se dá em função das cadeias produtivas dominadas
pela associação empresas-Estados mais fortes em benefício de sua burguesia
nacional. O conceito de centro-periferia deve ser visto dentro do sistema
econômico-mundo apenas como regiões geográficas que exercem atividades centrais
ou periféricas. Uma mesma região pode exercer atividades centrais e periféricas
ao mesmo tempo em função do seu posicionamento nas cadeias mundiais produtivas.
A apropriação do excedente (trabalho não pago ao
trabalhador, lucro) pelo capitalista extrapola a relação capital-trabalho, mas
ocorre de várias formas principalmente pela troca desigual no sistema de
divisão de trabalho entre o centro e a periferia do sistema capitalista. Braudel (ARIENTE;FILOMENO, 2007, p. 113-114)
criou o esquema tripartido do sistema capitalista: dividiu a vida econômica no
capitalismo em três níveis ou conjunto de atividades. A camada inferior é
denominada “vida material”. Refere-se às atividades do dia-a-dia, habituais e
inconscientes cuja relação do homem com as coisas é orientada pelo valor de
uso. O nível seguinte é chamado de “economia de mercado”. É a vida econômica em sí, produção para o
mercado. A relação entre as pessoas e os objetos é baseada no valor de troca,
inclui todos os mercados, pequenos e grandes (comércio e bolsas de mercadorias
e de valores). Nesse mercado há transparência e concorrência entre os agentes.
Finalmente, o nível seguinte e superior, em Braudel, é o que ele chamou de
“capitalismo”. É onde se encontram as trocas desiguais, onde a concorrência não
tem espaço.
Nesse nível, a concorrência tem participação
reduzida no processo (ARIENTE;FILOMENO, 2007, p. 114) O capitalismo, ao longo
da história, encontrou várias formas de acumular e de se expandir. Essa
capacidade de flexibilidade e mobilidade levou o capital a assumir
especializações (como a indústria). Na esfera capitalista, portanto, em
Braudel, acima da esfera da economia de mercado, a concorrência é contornada,
seja por instrumentos de mercado quando se impõe o monopólio, seja por
instrumentos não econômicos (monopólio legal, diplomacia, ações militares,
etc), proporcionados pelo Estado. Os capitalistas, através de sua aliança com o
Estado, conseguem auferir lucros extraordinários de uma forma estável e por
longos períodos, enquanto durar essa relação de forças. Essa aliança
capital-Estado consolidou-se principalmente no continente europeu, a partir do
século XVI.
A contribuição de Arrighi, no estudo do processo de
formação e expansão do capitalismo refere-se, principalmente, ao conceito de
longa duração. Arrighi percebeu que o processo de formação e expansão do
capitalismo histórico não se deu de forma linear, dentro de estruturas
imutáveis e relações permanentes (ARIENTE;FILOMENO, 2007, p. 117). Ao longo da
história do capitalismo houve mudanças sistemáticas com processos de
reorganização do sistema-mundo que alteraram a natureza dos integrantes do
sistema e a maneira de se relacionar com os outros, além do modo como o sistema
funciona (ARIENTE;FILOMENO, 2007, p. 118).
Este processo pode ser dividido em vários ciclos ou etapas, daí a
necessidade da análise sob uma perspectiva de longa duração.
Arrighi identificou vários “ciclos sistêmicos de
acumulação”, correspondentes a cada uma das etapas históricas da evolução do
capitalismo. Em cada estágio histórico do capitalismo havia um complexo
composto por um Estado hegemônico e os agentes capitalistas a ele ligados.
Dentro desse complexo, enquanto o Estado hegemônico lidera o sistema
interestatal, seus agentes capitalistas lideram as principais cadeias de
mercadorias. Esse sistema garante a acumulação de capital em escala global.
Cada arranjo Estado hegemônico x Agentes capitalistas representa um ciclo
sistêmico de acumulação, que possui um período de existência. Arrighi
identificou quatro ciclos, em sua análise de longa duração: o ciclo Genovês
(1450/1630), o ciclo holandês (1630/1780), o ciclo britânico (1780/1930) e o
ciclo estadunidense (1930-1945/1970) entrando em declínio nos anos 1970.
Tendo em vista a análise histórica do sistema
capitalista, considerando as contribuições teóricas de Wallerstein, Braudel e
Arrighi, conforme o artigo de ARIENTE;FILOMENO, podemos dizer que estamos
vivendo um período de transição, com o esgotamento da hegemonia estadunidense e
o surgimento de uma nova hegemonia, provavelmente a Chinesa. Nesse processo de
transição observamos que a economia chinesa cresce há décadas enquanto a estadunidense
encontra-se estagnada. Movimentos estratégicos das duas superpotências
demonstram isso. A criação dos BRICS, por exemplo, grupo de países não
alinhados com os EUA, composto por Brasil, Rússia, Ìndia, China e África do
Sul. Essa união estratégica seria, se integrada, a maior economia do globo
neste momento. Autossuficiente em
recursos naturais, energia (gás natural, petróleo, recursos hídricos, etc),
mercado consumidor. Deve-se considerar, ainda, o movimento liderado pelo
Brasil, de integração da América do Sul, com o fortalecimento do Mercosul,
trazendo para o grupo a Venezuela e a Bolívia, ricas em petróleo e gás natural.
O poderio militar desses países, de certa forma, equipara-se ao dos EUA e seus
aliados europeus. A reação da antiga potência hegemônica é clara. Patrocínio de golpes de estado em várias
partes do mundo: América Latina, incluindo agora o Brasil, Oriente Médio, norte
da África, ações na Península da Coreia e Mar da China, Paquistão e Ucrânia.
Todas essas regiões são área de influência dos BRICS. O dito escândalo
envolvendo empreiteiras brasileiras (Lava Jato) e a Petrobras podem objetivar a
destruição dessas empresas e sua absorção pelo capital hegemônico, uma vez que
essas empresas tornaram-se transnacionais e formaram um complexo
Estatal-capitalista, nos moldes estudados por Arrighi e que ameaçam, juntamente
com outros complexos semelhantes dos BRICS a hegemonia decadente dos Estados
Unidos.
Referências bibliográficas:
ARIENTI, Wagner L; FILOMENO, Felipe A. Economia política do moderno sistema
mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi.In Ensaios FEE,
Porto Alegre, v.28, n.1, p.99-126, jul. 2007.
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