Segundo Soares e Souza “...não é possível mantermos
um sistema de divisão de poderes independentes, harmônicos e autônomos se
criarmos um modelo em que cada poder estiver preso a uma rígida estruturação de
funções” e, ainda:
“Para um
melhor funcionamento do aparelho estatal é necessária a interpenetração entre
os poderes. Surgem dessa forma às chamadas funções atípicas, que apesar de
serem exercidas de forma subsidiária, permitem a cada Poder exercer uma função
que originariamente pertenceria a outro poder”.
Os autores exemplificam
sua posição assim:
“Ainda atua (o legislativo) no exercício de suas
funções que tipicamente seriam do Poder Judiciário quando, por exemplo, o Senado
julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade. Já o Poder
Judiciário... atua no exercício de funções do Poder Executivo ao conceder
licenças e férias aos magistrados e seus serventuários”.
Para os autores, portanto, a interpenetração entre
os poderes, através de suas funções atípicas, é um elemento necessário para
assegurar a harmonia e a independência dos poderes. Na realidade, no entanto,
essa prática nem sempre atinge o seu objetivo tal como imaginado pelos autores.
Considerando-se o conceito de corrupção, elaborado
por Montesquieu, que considera corrupto o cidadão que, no exercício do poder,
utiliza-o em benefício próprio, em detrimento do interesse da sociedade, temos
que a sua prática não é totalmente inibida pela interpenetração dos poderes,
podendo ser, inclusive, potencializada.
Podemos citar dois exemplos na política brasileira recente.
O primeiro é o episódio da tentativa do Governo do
Estado de São Paulo de fechar 94 escolas, com a transferência de 311.000 alunos
e 74.000 professores. Uma ação típica do Poder Executivo. Não havia nenhuma
ilegalidade nela (TOLEDO, 2015). O que ocorreu é que alunos e professores
protestaram veementemente contra a medida, inclusive ocupando as escolas que
seriam fechadas. A medida era tida pelos envolvidos como contrária aos
interesses da sociedade (MENDONÇA, 2015), uma vez que tinha como objetivo
apenas cortar gastos com a educação, aumentar o número de alunos por sala de
aula e reduzir a carga horária e, consequentemente, o salário dos professores.
O projeto do Governador do Estado, já antigo, de 1995, visa piorar a qualidade
do ensino estadual e induzir, assim, a municipalização do ensino fundamental
com o objetivo de economizar recursos da educação e direcioná-lo para o ensino
médio ou outras atividades. Outra possibilidade seria também beneficiar o setor
privado de ensino. Tudo isso em benefício pessoal e em detrimento de interesses
sociais (DONATO, 2015). O Poder Judiciário, então, interveio na situação, que
não era ilegal, e suspendeu o fechamento das escolas, conforme iniciativa do
Ministério Público e decisão do Juiz do Tribunal de Justiça de São Paulo
(CONSULTOR JURÍDICO, 2016).Em Montesquieu esse procedimento do Governo do
Estado de SP tem uma denominação: corrupção. Temos aqui também uma ação do
Poder Judiciário interferindo no Executivo, sem que haja ilegalidade. Embora
tenha agido em aparente defesa dos interesses da sociedade, temos que ter em
vista que o projeto privatista do Governador foi o eleito pelo povo.
Outro exemplo, este mais em evidência e mais grave,
é o processo de impeachment iniciado no Poder Legislativo Federal, contra a
Presidenta do Brasil, Chefe de Estado e Governo. Temos aqui uma situação em que
o Poder Legislativo procura cassar o mandato da Presidenta eleita, por supostos
crimes de responsabilidade (impeachment). Uma grande quantidade de
parlamentares, tanto da Câmara Federal quanto do Senado estão sendo processados
por corrupção e, no entanto, comandam o processo de impeachment contra a
Presidenta contra a qual não pesa nenhuma investigação do tipo (VIANA, 2015).
Em outras palavras, o Poder Legislativo está usando de seus poderes atípicos
para usurpar o Poder Executivo, concedido pelo próprio povo através de eleições
livres. O objetivo dos parlamentares pode ser enquadrado como corrupção em
Montesquieu, uma vez que não está voltado ao interesse público, mas aos
interesses particulares de grande parte dos parlamentares que procuram
livrar-se dos seus processos e, ao mesmo tempo, assumir, tomar posse, do Poder
Executivo e dos seus milhares de cargos de confiança, através do
Vice-Presidente da República, um dos principais articuladores do golpe e
principal beneficiário.
Para que o fato se consolide, é necessário, ainda, o
aval do Poder Judiciário, através do Supremo Tribunal Federal, que terá uma
participação na definição da legalidade ou não do procedimento e na Presidência
da Sessão de impeachment no Senado (BORGES, 2016). Mesmo a ação do STF poderá
ter uma conotação política corrompida como a do Legislativo, tendo em vista o
posicionamento político-ideológico de alguns de seus Ministros. Isso
configuraria um golpe de Estado, como apoio de parte dos parlamentares de
setores conservadores, do próprio Poder Judiciário e de parte da imprensa
(MACIEL, 2016).
Estes dois fatos, amplamente noticiados e debatidos
pela imprensa livre, demonstram que a múltipla entrada das tarefas de um Poder
sobre outro pode favorecer a corrupção em nosso país, a ponto de um dos
Poderes, o Legislativo, assumir o comando de outro, o Executivo, com a possível
conivência do terceiro, o Judiciário, sendo todo o processo mediado pela grande
imprensa, cuja propriedade encontra-se nas mãos de poucas famílias e que sempre
receberam grandes verbas publicitárias do Estado em suas três esferas. Provavelmente
com o golpe estas verbas serão majoradas. Corrupção, portanto, no conceito de
Montesquieu.
Referências
bibliográficas:
TOLEDO, Luiz Fernando. Governo de São Paulo anuncia
o fechamento de 94 escolas. Artigo Estadão. Disponível em:http://educacao.estadao.com.br/noticias/geral,governo-de-sao-paulo-anuncia-o-fechamento-de-94-escolas,1786193
CONSULTOR JURÍDICO, Revista. TJ nega pedido de
liminar do governo de São Paulo sobre reorganização escolar. Artigo Revista
Consultor Jurídico, 14 de janeiro de 2016. Disponível em:http://www.conjur.com.br/2016-jan-14/tj-nega-liminar-governo-sp-reorganizacao-escolar?imprimir=1
MENDONÇA, Renata. Alckmin recua em fechamento de
escolas em SP: para onde vai o movimento dos estudantes agora. Artigo BBC
Brasil em São Paulo, 04 de dezembro de 2015. Disponível em:http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151204_alckimin_estudantes_movimento_rm
DONATO, Mauro. O que está por trás da
“reorganização” das escolas pelo Governo Alckmin. Artigo DCM Diário do Centro
do Mundo, novembro de 2015. Disponível em:
BORGES, Rodolfo. O
supremo e o impeachment: os rumos do Brasil nas mãos de 11 ministros. Artigo El
País Brasil. 27 de março de 2016. Disponível em:
VIANA, Natália. Comparato: o impeachment é ilegítimo.
Entrevista Conversa Afiada com Paulo Henrique Amorim, 04/12/2015. Disponível
em:
MACIEL, Pedro. É hora de denunciar ao país e ao mundo o
golpe de estado. Artigo Jornal Brasil 247. 22/02/2016. Disponível em: http://www.brasil247.com/pt/colunistas/pedromaciel/222200/%C3%89-hora-de-denunciar-ao-pa%C3%ADs-e-ao-mundo-o-golpe-de-estado.htm
SOARES;SOUZA. A
separação dos poderes e freios e contrapesos. Artigo disponível em: http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/view/4056/3818
Comentários
Postar um comentário