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Mostrando postagens de maio, 2017

Ética na Antiguidade: A transcendência platônica x a imanência aristotélica – uma breve síntese.

A ética de Platão é transcendente. Seu fundamento não se encontra na realidade empírica do mundo, das condutas ou das relações humanas, mas no mundo inteligível. O filósofo reflete sobre a idéia perfeita, justa e boa que organiza a sociedade e orienta a conduta humana. A idéia suprema é o bem, de onde derivam todas as outras. Para o filósofo, a sociedade divide-se em três classes (filósofos, guerreiros e operários) e a justiça é definida quando cada cidadão faz o que lhe compete, de acordo com suas aptidões, gerando equilíbrio tanto do indivíduo quanto da própria sociedade. Em Platão, só ao justo seria possível a felicidade. A finalidade da pólis justa é permitir ao indivíduo praticar as suas virtudes e as suas aptidões propiciando a felicidade de todos. A ética de Aristóteles, ao contrário, é imanente. Baseia-se na realidade empírica do mundo,  na reflexão acerca das condutas humanas e na organização da sociedade. A realidade do indivíduo e a vida na pólis são responsáveis pela def

Relações entre a filosofia grega pagã e a filosofia cristã da Idade Média.

                O Cristianismo tem início com as pregações de Jesus de Nazaré, que versavam sobre virtudes como o amor ao próximo, o desapego a bens materiais, prevalência da vida eterna pós-morte à vida terrena, entre outras. Jesus não deixou obra escrita, pregou diretamente para os humildes. Coube aos seus discípulos a difusão de suas idéias que passaram a penetrar em áreas geográficas cada vez maiores, abrangendo diversas culturas, como a grega, a egípcia e a latina (romana). Línguas diferentes. Culturas pagãs e politeístas, em sua maioria.             Com o crescimento do número de cristãos, inicialmente oriundos de classes sociais inferiores, passou a haver um confronto de culturas e de visão de mundo. Fé versus razão. Politeísmo versus monoteísmo. Cristãos versus pagãos. Esse confronto resultou na perseguição dos cristãos, que passaram a ser massacrados, inclusive nas arenas romanas, onde eram atirados aos leões, literalmente.             Surgiu, então, a necessidade de co

O Sétimo Selo – de Ingmar Bergman (1956): uma análise à luz da filosofia medieval.

             O enredo do filme se desenrola na Suécia do Século XIII. O protagonista, o cavaleiro Antonius Bock, ao retornar de uma das Cruzadas juntamente com seu escudeiro, encontra sua terra assolada pela terrível peste negra. Nesse contexto apocalíptico, o Diretor inspirou-se no evangelho do apóstolo João para extrair o título do filme: O Sétimo Selo, numa alusão a um dos selos abertos pelo apóstolo, de acordo com o livro bíblico.             Na primeira parte do filme, o cavaleiro protagonista reencontra a morte em sua forma humana. Esta o persegue há tempos e ele a convida para uma partida de xadrez, cuja vitória lhe garantiria mais algum tempo de vida. Bock confessa à morte que não quer deixar esta vida sem entender o que é Deus. Se realmente Ele existe ou se é uma ficção. Não quer apenas se limitar a acreditar ou não. Quer usar a razão, a filosofia, para buscar a verdade. Vai, então, em busca do conhecimento já que apenas a fé não lhe é mais suficiente.             Bock ap

Os sistemas educacionais na Grécia Antiga: os casos de Esparta e Atenas.

            O objetivo deste texto é sintetizar as principais diferenças entre as póleis de Esparta e Atenas, na Grécia Antiga, especialmente no que se refere aos seus respectivos sistemas educacionais e a relação destas diferenças com o desenvolvimento da Filosofia. Baseamo-nos nas fontes abaixo indicadas.             A Civilização Grega se forma na Península Balcânica, a partir da Civilização Creto-Micênica, que desenvolve a base da língua e da mitologia grega (séculos XX a.C a XV a.C.). Entre os séculos XIV a.C. e XII a.C., o povo Dório, também de origem Micênica, expulsou os Creto-Micênicos para o norte da Península Balcânica (região montanhosa). Ocorreu, então, a chamada primeira diáspora grega. O povo Creto-Micênico dividiu-se em muitos e pequenos povoados, isolados e independentes, mas com a mesma língua e mesma religião; em outras palavras, com a mesma cultura. Com o crescimento e desenvolvimento desses povoados, que se tornaram os chamados “demos”, ocorre a segunda diáspo

O sistema-mundo: a geopolítica no pensamento de Fernand Braudel, Wallerstein e Arrighi.

Consideramos, em nossa análise, o artigo “Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi”. Os estudos relativos ao sistema capitalista, compreendendo os seus ciclos de expansão e retração, o acúmulo de capital e a relação entre as regiões desenvolvidas e as subdesenvolvidas do planeta eram, até os anos 1970, fundamentados basicamente na Teoria da Dependência. O capitalismo era estudado considerando-se as relações entre os Estados ou entre os países centrais e os periféricos. A unidade de estudo era o Estado Nacional. Wallerstein propôs, então, o conceito de “sistema-mundo”. O objetivo era tomar o sistema capitalista como um todo, como uma única unidade de análise e estudá-lo enquanto sistema social situado no espaço-tempo. O capitalismo é entendido, portanto, em Wallerstein, como um sistema social histórico complexo (ARIENTE;FILOMENO, 2007, p.105). Para Wallerstein,  o moderno sistema-mundo é, por definição do autor, uma economia-mun

O processo de Gentrificação: O caso da construção do Estádio Arena Corinthians (Itaquera – São Paulo – SP)

Introdução            O presente trabalho pretende conceituar o fenômeno urbano conhecido como gentrificação, assim como apresentar um breve estudo bibliográfico de caso, partindo de trabalhos acadêmicos e artigos especializados sobre o tema. Escolhemos, para isso, as transformações ocorridas no bairro paulistano de Itaquera no processo de concepção e construção do Estádio Arena Corinthians, apelidado à época da construção de “Itaquerão”, onde ocorreu a abertura da Copa do Mundo FIFA de 2014 e vários jogos daquela competição. Conceito de Gentrificação             O termo gentrificação é derivado do inglês gentrification, que, em inglês pode ser traduzido como: “bem-nascido”. O termo foi utilizado pela primeira vez em 1963, pela socióloga britânica Ruth Glass, em um artigo cujo tema eram as mudanças urbanas na cidade de Londres (Inglaterra). Ela criou o termo para se referir ao “aburguesamento” do centro da capital inglesa como consequência da ocupação, pela classe média e alta l

Reflexões sobre a moralidade a partir do texto “Críton”, de Platão.

A moral numa sociedade consiste, segundo Schulze: “...nos valores que são compartilhados por esta como conteúdos a serem seguidos”. A moral, portanto, depende da interação humana. Depende dos padrões aceitos em cada sociedade, como vemos neste texto de Schulze: Quando o indivíduo age de acordo com algum desses padrões, é elogiado ou, pelo menos, não sofre nenhuma sanção por isso; já quando não age, é reprimido, o que pode ir de um olhar de repreensão à privação da liberdade ou mesmo, em alguns países, à sentença de morte. Quanto maior a intensidade do valor do padrão social, do valor socialmente compartilhado, que se desrespeita, maior é a punição recebida por isso... Desta forma, fica claro que a moral é exterior e anterior ao indivíduo, pois quando este nasce, ela já está constituída. (SHULZE, 2013, p.10). Dessa forma um homem se isolado da sociedade não poderia viver moralmente. Qualquer ação sua seria ditada apenas por sua vontade. Não haveria interação humana, ele não ter

O conceito de corrupção em Montesquieu e a questão da interpenetração de poderes: solução à vista?

Segundo Soares e Souza “...não é possível mantermos um sistema de divisão de poderes independentes, harmônicos e autônomos se criarmos um modelo em que cada poder estiver preso a uma rígida estruturação de funções” e, ainda:  “Para um melhor funcionamento do aparelho estatal é necessária a interpenetração entre os poderes. Surgem dessa forma às chamadas funções atípicas, que apesar de serem exercidas de forma subsidiária, permitem a cada Poder exercer uma função que originariamente pertenceria a outro poder”.   Os autores exemplificam sua posição assim: “Ainda atua (o legislativo) no exercício de suas funções que tipicamente seriam do Poder Judiciário quando, por exemplo, o Senado julga o Presidente da República nos crimes de responsabilidade. Já o Poder Judiciário... atua no exercício de funções do Poder Executivo ao conceder licenças e férias aos magistrados e seus serventuários”. Para os autores, portanto, a interpenetração entre os poderes, através de suas funções atípicas

A proposta política de Montesquieu X a concepção federalista estadunidense.

Para Montesquieu, o poder passou a existir quando o homem passou a ter motivos para atacar e defender-se mutuamente, ou seja, quando se constituiu o Estado. Dessa forma a sociedade se organizou para exercer o poder. O poder não está atrelado ao indivíduo. O indivíduo, no Estado Republicano, não possui direitos frente ao Estado. Em Montesquieu, o poder deve ser exercido com moderação para garantir a liberdade. Para o filósofo, a natureza da constituição de uma república compreende: divisão de poder em três poderes; separação desses poderes em três órgãos, compreensão de que só um poder pode frear outro poder, o comércio com cada indivíduo atuando individualmente nele é benéfico ao bem público; o interesse público sobrepõe-se aos interesses individuais, embora conviva com esses interesses. A política, para os republicanos, é uma forma constitutiva da sociedade como um todo. Os cidadãos são atores políticos responsáveis em uma comunidade de pessoas livres e iguais. Os direitos existem a

O conceito de corrupção, em Montesquieu.

Para Montesquieu não é apenas necessária a participação dos homens na vida pública e política, é preciso que se orgulhem dessa participação e, conseqüentemente, exerçam a virtude política. É necessário que o poder seja fragmentado, dividido, para que não fique concentrado nas mãos de um único indivíduo ou grupo. Mesmo com essa fragmentação, o poder pode ser exercitado de forma que o interesse particular sobreponha-se ao da sociedade. Para o filósofo isso é corrupção. É corrupto o cidadão que, no exercício do poder, utiliza-o em benefício próprio em detrimento do interesse da sociedade (SCHULZE, 2012, p. 26-27). No momento em que ocorre esse tipo de comportamento, falta ao cidadão a virtude política e ele corrompe-se. A corrupção para Montesquieu consiste na posição política do corrompido, não na corrupção do poder político que lhe foi concedido pela sociedade. A corrupção abarca, portanto, valores do cidadão e da própria política. A corrupção se dá na forma de governo e no agente polí

Deus não está morto (o filme): uma análise filosófica.

O filme, cuja proposta parecia ser discutir, num ambiente acadêmico,a questão da existência de Deus, não passa, na prática, de um filme de louvação, onde a fé cristã e protestante é a única digna de crédito. Isso fica cristalino quando, desde o início, os heróis e vilões ficam claramente evidenciados. De um lado, os ateus (o professor, o advogado inescrupuloso e sua namorada jornalista), intransigentes, arrogantes, egoístas, agressivos, orgulhosos e insensíveis. De outro, os cristãos, sempre calmos, humildes, bonitos, simpáticos, de moral ilibada. São colocados na posição de vítimas dos ateus cruéis. Há, ainda, as ovelhas desgarradas: um chinês, de pai ateu; uma garota muçulmana, cujo pai é muito violento e fundamentalista e a jornalista, depois de ter um câncer diagnosticado. Estes também sempre acossados pelos ateus vilões ou por pessoas de outras religiões, como o pai muçulmano e muito violento. É claro que as ovelhas, ao final, encontram o caminho da salvação na fé cristã, o único

O “deus mercado” exige mais e mais sacrifícios humanos para saciar sua sede de sangue e lucros.

Dados da CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe – órgão da ONU) indicam que, no ano 2000, o Brasil possuía 53 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, das quais cerca de 22 milhões eram indigentes (fonte: www.fd.uc.pt/~anunes/pdfs/conf 1.pdf ) . Devemos lembrar que políticas neoliberais foram aplicadas no país sistematicamente até 2003. Taxas de desemprego e miséria caminham de braços dados. O desemprego no ano 2000 era de 12,2%, o que explica o grande número de miseráveis e indigentes no país. Por sua vez, a miséria leva à morte por doença, por subnutrição, por violência, etc. O desemprego também é causa de depressão, sendo que, no Brasil, 10,2% dos desempregados sofrem desse mal (fonte:Marques, Adrea.  www.nota10.com.br ). Por sua vez a depressão é causa de aproximadamente 20% dos suicídios no mundo (fonte: Salles, Karine. www.boavontade.com/pt ). Com o fim das políticas neoliberais em 2003 e a aplicação de políticas keynesianas, o quadro mudou. Em 2015

O Jardineiro Fiel: uma breve análise do filme à luz do imperativo categórico de Kant.

A primeira cena do filme mostra o assassinato brutal, ocorrido no interior do Quênia, de Tessa, uma ativista política casada com Justin, um diplomata inglês de segundo escalão e jardineiro por hobby. Inconformado com a morte da mulher e com a inércia das autoridades locais e de seu próprio consulado, Justin passa a investigar as circunstâncias em que ocorreu o assassinato. A ativista suspeitava de uma trama macabra envolvendo uma indústria farmacêutica europeia, além de autoridades do Quênia e do próprio governo inglês. Justin, a partir de arquivos de computador e documentos encontrados entre os objetos deixados por Tessa, descobre que quenianos miseráveis estavam, sem seu conhecimento e consentimento, sendo usados como cobaias em experimentos com um novo fármaco. Muitas dessas pobres pessoas morriam após ingerirem o medicamento. As autoridades locais e a empresa dificultavam o acesso ao local e aos parentes das vítimas. A empresa privada e os governos envolvidos tinham interesse no d