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Mostrando postagens de 2017

Francis Bacon e a ciência como instrumento de tortura da natureza: críticas contemporâneas.

O objetivo do presente texto é, dentro de seus reduzidos limites, apresentar, de forma sintética, algumas críticas de autores contemporâneos ao modelo de ciência proposto por Francis Bacon em sua obra “Novum Organum”. O filósofo inglês Francis Bacon, juntamente com René Descartes, são, comumente, apontados como os fundadores de uma nova forma de refletir sobre os problemas teóricos mais fundamentais, dando início à filosofia moderna . (MARQUES e SELL, 2015, p. 10). Aqui vamos nos fixar, no entanto, apenas no pensamento de Bacon. Sua obra Novum Organum é parte de uma obra maior (inacabada), o Instauratio Magna, que é um ambicioso projeto de reforma do conhecimento humano e foi escrita em forma de aforismos. A partir de uma concepção pragmática da ciência, seu trabalho estava direcionado a substituir as antecipações do intelecto pelas interpretações da natureza. Para Bacon, a ciência antiga e a tradição escolástica, em especial, não traziam resultados práticos. Era necessário desenvol

República de Platão, livro II: Os Guardiões e o papel da música e da literatura na sua formação.

No livro II da República de Platão, temos o diálogo entre Sócrates, Glauco e seu irmão Adimanto, onde, com o objetivo de investigar a natureza da justiça, Sócrates propõe a criação de uma cidade (Estado) imaginária. Essa cidade deve ser formada inicialmente com a finalidade de atender às necessidades básicas de seus cidadãos, por um lavrador (alimentação), um pedreiro (habitação), um tecelão, um sapateiro (vestuário) e outro artífice que se ocupe do que é relativo ao corpo, um médico. (MARQUES, 2012, p.94/95). Com o crescimento da cidade surgem novas necessidades, desta vez de artigos de luxo e cultura. O comércio intensifica-se e a guerra se torna uma possibilidade, tendo em vista a necessidade da expansão de suas terras ou a sua defesa contra os vizinhos. Há que se preparar uma nova classe de cidadãos encarregados da defesa e da administração da cidade, a qual Sócrates chama de classe dos guardiões. Os guardiões devem, assim como os demais artífices, se dedicar exclusivamente ao seu

Sistema de Ensino Brasileiro: o fracasso é um projeto?

Apesar de várias e corajosas tentativas, nos últimos anos, de implantação de modelos pedagógicos de linha histórico-social no Brasil, como, por exemplo, no caso da Proposta Curricular de Santa Catarina para o ensino médio de 1998 (SANTA CATARINA, 1991), predomina, ainda, na educação do país a pedagogia liberal tecnicista. O resultado não é dos melhores. Estudos estatísticos demonstram que 27% da população brasileira, na faixa etária entre 15 e 64 anos, encontra-se numa situação de analfabetismo funcional. O analfabeto funcional sabe ler, escrever pequenos textos, porém não consegue interpretar o que lê, expressar-se minimamente por escrito ou realizar cálculos um pouco mais complexos. ( PIGNATO, 2016). E, ainda, o Brasil, em pesquisa realizada pela Consultoria sobre sistemas de ensino Economist Intelligence Unit, coloca-se em penúltimo lugar em um ranking sobre qualidade de ensino, num grupo de 40 países. (SOUZA, 2013). Quais as razões do baixo rendimento do nosso sistema educacional?

Perspectivas Pedagógicas: Essencialismo, Naturalismo e Crítica histórico-social

Educação, de forma genérica, pode ser entendida como o ato de transmitir às novas gerações um determinado conjunto de valores e conhecimentos. Essa atividade educativa assume, em cada época e lugar, formas distintas. Podemos falar, assim, em diferentes pedagogias. Para compreendê-las há que se interpretá-las no seu contexto histórico e à luz dos valores e ideias que as fundamentam. Dessa maneira, na antiguidade, a pedagogia conhecida e utilizada pelos povos hindus, persas, chineses e egípcios era tradicionalista e consistia na transmissão de uma doutrina sagrada, cujo objetivo era orientar o jovem na busca da felicidade e da virtude. Na Grécia antiga, a educação como transmissão da cultura, da história e da religião era baseada na perspectiva mítica, sendo difundida através dos poemas de Homero (A Odisseia e A Ilíada). A passagem do mito à razão, através da reflexão filosófica, deu-se com os pensadores pré-socráticos e levou ao surgimento da primeira instituição de ensino com caracter

Ética na Antiguidade: A transcendência platônica x a imanência aristotélica – uma breve síntese.

A ética de Platão é transcendente. Seu fundamento não se encontra na realidade empírica do mundo, das condutas ou das relações humanas, mas no mundo inteligível. O filósofo reflete sobre a idéia perfeita, justa e boa que organiza a sociedade e orienta a conduta humana. A idéia suprema é o bem, de onde derivam todas as outras. Para o filósofo, a sociedade divide-se em três classes (filósofos, guerreiros e operários) e a justiça é definida quando cada cidadão faz o que lhe compete, de acordo com suas aptidões, gerando equilíbrio tanto do indivíduo quanto da própria sociedade. Em Platão, só ao justo seria possível a felicidade. A finalidade da pólis justa é permitir ao indivíduo praticar as suas virtudes e as suas aptidões propiciando a felicidade de todos. A ética de Aristóteles, ao contrário, é imanente. Baseia-se na realidade empírica do mundo,  na reflexão acerca das condutas humanas e na organização da sociedade. A realidade do indivíduo e a vida na pólis são responsáveis pela def

Relações entre a filosofia grega pagã e a filosofia cristã da Idade Média.

                O Cristianismo tem início com as pregações de Jesus de Nazaré, que versavam sobre virtudes como o amor ao próximo, o desapego a bens materiais, prevalência da vida eterna pós-morte à vida terrena, entre outras. Jesus não deixou obra escrita, pregou diretamente para os humildes. Coube aos seus discípulos a difusão de suas idéias que passaram a penetrar em áreas geográficas cada vez maiores, abrangendo diversas culturas, como a grega, a egípcia e a latina (romana). Línguas diferentes. Culturas pagãs e politeístas, em sua maioria.             Com o crescimento do número de cristãos, inicialmente oriundos de classes sociais inferiores, passou a haver um confronto de culturas e de visão de mundo. Fé versus razão. Politeísmo versus monoteísmo. Cristãos versus pagãos. Esse confronto resultou na perseguição dos cristãos, que passaram a ser massacrados, inclusive nas arenas romanas, onde eram atirados aos leões, literalmente.             Surgiu, então, a necessidade de co

O Sétimo Selo – de Ingmar Bergman (1956): uma análise à luz da filosofia medieval.

             O enredo do filme se desenrola na Suécia do Século XIII. O protagonista, o cavaleiro Antonius Bock, ao retornar de uma das Cruzadas juntamente com seu escudeiro, encontra sua terra assolada pela terrível peste negra. Nesse contexto apocalíptico, o Diretor inspirou-se no evangelho do apóstolo João para extrair o título do filme: O Sétimo Selo, numa alusão a um dos selos abertos pelo apóstolo, de acordo com o livro bíblico.             Na primeira parte do filme, o cavaleiro protagonista reencontra a morte em sua forma humana. Esta o persegue há tempos e ele a convida para uma partida de xadrez, cuja vitória lhe garantiria mais algum tempo de vida. Bock confessa à morte que não quer deixar esta vida sem entender o que é Deus. Se realmente Ele existe ou se é uma ficção. Não quer apenas se limitar a acreditar ou não. Quer usar a razão, a filosofia, para buscar a verdade. Vai, então, em busca do conhecimento já que apenas a fé não lhe é mais suficiente.             Bock ap

Os sistemas educacionais na Grécia Antiga: os casos de Esparta e Atenas.

            O objetivo deste texto é sintetizar as principais diferenças entre as póleis de Esparta e Atenas, na Grécia Antiga, especialmente no que se refere aos seus respectivos sistemas educacionais e a relação destas diferenças com o desenvolvimento da Filosofia. Baseamo-nos nas fontes abaixo indicadas.             A Civilização Grega se forma na Península Balcânica, a partir da Civilização Creto-Micênica, que desenvolve a base da língua e da mitologia grega (séculos XX a.C a XV a.C.). Entre os séculos XIV a.C. e XII a.C., o povo Dório, também de origem Micênica, expulsou os Creto-Micênicos para o norte da Península Balcânica (região montanhosa). Ocorreu, então, a chamada primeira diáspora grega. O povo Creto-Micênico dividiu-se em muitos e pequenos povoados, isolados e independentes, mas com a mesma língua e mesma religião; em outras palavras, com a mesma cultura. Com o crescimento e desenvolvimento desses povoados, que se tornaram os chamados “demos”, ocorre a segunda diáspo

O sistema-mundo: a geopolítica no pensamento de Fernand Braudel, Wallerstein e Arrighi.

Consideramos, em nossa análise, o artigo “Economia política do moderno sistema mundial: as contribuições de Wallerstein, Braudel e Arrighi”. Os estudos relativos ao sistema capitalista, compreendendo os seus ciclos de expansão e retração, o acúmulo de capital e a relação entre as regiões desenvolvidas e as subdesenvolvidas do planeta eram, até os anos 1970, fundamentados basicamente na Teoria da Dependência. O capitalismo era estudado considerando-se as relações entre os Estados ou entre os países centrais e os periféricos. A unidade de estudo era o Estado Nacional. Wallerstein propôs, então, o conceito de “sistema-mundo”. O objetivo era tomar o sistema capitalista como um todo, como uma única unidade de análise e estudá-lo enquanto sistema social situado no espaço-tempo. O capitalismo é entendido, portanto, em Wallerstein, como um sistema social histórico complexo (ARIENTE;FILOMENO, 2007, p.105). Para Wallerstein,  o moderno sistema-mundo é, por definição do autor, uma economia-mun

O processo de Gentrificação: O caso da construção do Estádio Arena Corinthians (Itaquera – São Paulo – SP)

Introdução            O presente trabalho pretende conceituar o fenômeno urbano conhecido como gentrificação, assim como apresentar um breve estudo bibliográfico de caso, partindo de trabalhos acadêmicos e artigos especializados sobre o tema. Escolhemos, para isso, as transformações ocorridas no bairro paulistano de Itaquera no processo de concepção e construção do Estádio Arena Corinthians, apelidado à época da construção de “Itaquerão”, onde ocorreu a abertura da Copa do Mundo FIFA de 2014 e vários jogos daquela competição. Conceito de Gentrificação             O termo gentrificação é derivado do inglês gentrification, que, em inglês pode ser traduzido como: “bem-nascido”. O termo foi utilizado pela primeira vez em 1963, pela socióloga britânica Ruth Glass, em um artigo cujo tema eram as mudanças urbanas na cidade de Londres (Inglaterra). Ela criou o termo para se referir ao “aburguesamento” do centro da capital inglesa como consequência da ocupação, pela classe média e alta l

Reflexões sobre a moralidade a partir do texto “Críton”, de Platão.

A moral numa sociedade consiste, segundo Schulze: “...nos valores que são compartilhados por esta como conteúdos a serem seguidos”. A moral, portanto, depende da interação humana. Depende dos padrões aceitos em cada sociedade, como vemos neste texto de Schulze: Quando o indivíduo age de acordo com algum desses padrões, é elogiado ou, pelo menos, não sofre nenhuma sanção por isso; já quando não age, é reprimido, o que pode ir de um olhar de repreensão à privação da liberdade ou mesmo, em alguns países, à sentença de morte. Quanto maior a intensidade do valor do padrão social, do valor socialmente compartilhado, que se desrespeita, maior é a punição recebida por isso... Desta forma, fica claro que a moral é exterior e anterior ao indivíduo, pois quando este nasce, ela já está constituída. (SHULZE, 2013, p.10). Dessa forma um homem se isolado da sociedade não poderia viver moralmente. Qualquer ação sua seria ditada apenas por sua vontade. Não haveria interação humana, ele não ter