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O pensamento político de Hegel em duas linhas


Hegel, ao contrário das tradições contratualista e jusnaturalista, não pensa o homem como indivíduo associado fundador do Estado a partir de um hipotético estado da natureza. Em outras palavras, em Hegel o homem não parte de um estado da natureza, seja violento ou paradisíaco, para, por necessidade, fundar o Estado. O filósofo inverte essa ideia e concebe o Estado como o próprio fundador da sociedade civil. Os contratualistas, para Hegel, cometem o erro de confundir Estado e sociedade civil, quando partem do interesse particular do indivíduo como formador do Estado. Dessa forma Hegel aproxima-se da tradição aristotélica para a qual o cidadão constitui-se como tal na polis. É na polis e apenas nela que o ser humano se realiza em toda a sua potencialidade.
Para Hegel, os contratualistas pensam o Estado como deveria ser e não como ele é. Ao contrário dos contratualistas, em Hegel há limites para o direito de propriedade. Esse limite é o direito de sobrevivência física e espiritual dos indivíduos, ou seja, o direito de necessidade. De certa forma Hegel antecipa certos aspectos do pensamento marxista. Hegel pensa a política considerando as características históricas de seu tempo, de forma que entende o homem como ser histórico, opera com as noções de trabalho e alienação entre outras, que depois são retomadas, com alterações importantes, por Marx e Engels. Tal espírito de época reflete-se na filosofia de Hegel que se pauta no devir, ou seja, no movimento, no vir-a-ser, na dialética. É que a dialética apresenta-se em um movimento em três etapas: tese, antítese e síntese. A antítese nega a tese, e a síntese supera a contradição entre tese e antítese. Assim temos, dialeticamente, a formação do Estado onde a tese é a família, a forma mais elementar de agrupamento social. A antítese, a negação da família, seria a sociedade civil. Por fim, a superação das contradições entre o âmbito da família e o da sociedade civil, na mais perfeita síntese: o Estado. Em Hegel, a família e a sociedade civil não estão fora do Estado, pelo contrário, se desenvolvem apenas no Estado. Ao considerar o princípio da historicidade, Hegel se afasta dos contratualistas, já que estes adotam o princípio hipotético, o de que o homem teria vivido um dia num estado de natureza. Por fim, para Hegel, a monarquia constitucional seria, para as condições do seu tempo, a melhor forma de Estado, no qual a divisão de poderes teria por função a organização do corpo político a partir do qual as esferas particulares seriam reconduzidas ao universal.
Referências bibliográficas:
MARQUES, Carlos Euclides... [et al.]. Filosofia Política II: livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2011.

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