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A predominância da Ciência Aplicada e da Tecnologia sobre a Ciência Pura: razão empobrecida?


A meta dos iluministas e depois dos positivistas era, através da razão objetiva e da racionalidade, alcançar o progresso no conhecimento, no aperfeiçoamento moral e na emancipação social de forma a construir uma sociedade onde o desenvolvimento humano fosse progressivo, contínuo e global. A razão objetiva geraria, assim, uma forma de conhecimento racional, metódico, objetivo, confiável, preciso, verdadeiro, desinteressado, neutro (independente de opiniões) e progressivo.
No âmbito da filosofia desenvolvida na Escola de Frankfurt, temos a leitura de que após a chegada ao poder a burguesia promove a ascendência da razão instrumental (subjetiva) e a consequente decadência da razão objetiva, que se propusera emancipatória da sociedade, como um todo. Cabe aqui diferenciar o conhecimento científico puro (ciência pura - razão objetiva), a aplicação prática deste conhecimento (ciência aplicada – razão subjetiva) e, finalmente, o desenvolvimento industrial destinado a utilizar os conhecimentos disponíveis para chegar a objetivos práticos (tecnologia). Especialmente após a Segunda Guerra Mundial, a burguesia, o grande capital, passou a se utilizar, em grande escala, da ciência aplicada para atingir os seus objetivos direcionando as pesquisas científicas, através do controle do seu financiamento, de modo a atingir os seus objetivos de acúmulo de capital. Daí a expressão “razão empobrecida”, ou seja, a razão instrumental como uma forma reduzida, empobrecida, da razão objetiva com a finalidade não mais de alcançar o conhecimento pleno da natureza e da sociedade no intuito de emancipar a sociedade, de melhorar a vida das pessoas e resolver os grandes problemas humanos, mas simplesmente de beneficiar ainda mais a classe dominante e manter o “status quo” das classes dominadas.
A sociedade contemporânea está mergulhada na tecnologia, que mudou a forma como vivemos. Cidadãos são transformados em meros consumidores. Trabalhamos para viver e vivemos para consumir. A ciência aplicada é direcionada, instrumentalizada, para gerar tecnologia que vai produzir apenas bens e serviços capazes de gerar lucros e não resolver problemas. Dito de outra forma, os cientistas passaram a desempenhar o papel de desenvolvedores de tecnologia voltada para os interesses do capital. O resultado desse processo é a destruição do planeta através do uso indiscriminado e descontrolado dos recursos naturais, da geração de lixo, do uso de agrotóxicos, da poluição, do desmatamento, da extinção de espécies animais, da destruição da camada de ozônio, etc. No campo social temos a geração de miséria, gastos exorbitantes com a produção de armas capazes de destruir o planeta diversas vezes, guerras provocadas com objetivos comerciais, administração de doenças lucrativas por parte da indústria de medicamentos e uma gama variada de “maldades” de interesse da grande burguesia. A grande massa da população é mantida longe da discussão dessas questões pelos grandes meios de comunicação e pelo sistema educacional também voltado para a manutenção e reprodução do sistema.  Enfim, a ciência “empobrecida” deixou de servir à humanidade para servir a um seleto grupo de burgueses.
Referências bibliográficas:
CARDOSO, E. M.; ELIAS, E.O. As aporias do projeto moderno: considerações à luz do pensamento de Adorno. IN: Educação em Revista, n.6, p.23-26, 2005.
TARGA, Dante Carvalho. Ciência e Sociedade: livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2014.

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