O professor Roberto Romano, citando Hegel,
trata no artigo "Violências" da questão do chamado direito de emergência ou estado de
necessidade. É, em outras palavras, o fundamental direito à vida. A questão que
se coloca é se o direito à vida, por ser absolutamente fundamental, pode se
sobrepor a outros direitos, como, por exemplo, ao direito de propriedade. Nas
próprias palavras de Hegel: sim. Em situações extremas, emergenciais, onde o
supremo direito à vida está em risco, o direito à propriedade pode ser relativizado. De fato, não há violação maior que aquela que
atenta contra o direito à própria existência do indivíduo, uma vez que seria
uma violação infinita do próprio ser, uma total ausência de direito. Nessas
circunstâncias o roubo, com o objetivo de garantir o direito à vida, poderia
ser, enquanto exceção, aceito. Não seria um roubo como qualquer outro. Seria um
roubo que teria por objetivo garantir o direito de emergência, garantir o
direito à vida. Roubo moralmente justificado, portanto. A exceção, no entanto, não
anula a regra. Roubo é roubo, é infração. Roubo de alimentos impõe um dano à
parte lesada, mas em troca garante o direito à vida do infrator. O que seria
mais importante do que a vida? Certamente não a propriedade privada. No pensamento
de Hegel, como observado pelo professor Romano, o direito de emergência se
sobrepõe ao de propriedade e, pensamos, a qualquer outro que se opõe a ele. Haveria
uma hierarquia de direitos, onde nada se sobreporia ao direito à vida. Essa
posição filosófica é, assim, uma dura crítica ao direito abstrato. A questão
traz à tona lembrança da grande obra “Os miseráveis”, de Victor Hugo, na qual o
protagonista, Jean Valjean, muito pobre, é forçado a roubar um pedaço de pão
para salvar a vida da família e acaba preso e condenado. Vida, que salvou vidas,
destruída por violar uma lei que protege a propriedade privada. Hierarquia
invertida. O contingente mais importante que o necessário. Nos dias de hoje, em
nosso conturbado país, podemos refletir sobre a ação de vários movimentos
sociais e programas governamentais a partir do chamado “estado de necessidade”.
Movimento dos trabalhadores sem terra, movimento dos trabalhadores urbanos sem
teto, programa “bolsa família”, entre outros procuram minimizar situações de
emergência que põe em risco a vida de milhares de pessoas. Ações como a
ocupação de imóveis abandonados, terras devolutas ou ociosas, se por um lado
violam, de certa forma, o direito de propriedade, por outro atendem às
necessidades mais básicas do ser humano, salvando vidas. O que é mais
importante: milhares de vidas ou a posse de áreas e imóveis abandonados, sem
uso? Nosso corrupto e injusto sistema
legal, enquanto privilegia interesses de uma ínfima minoria de cidadãos poderosos,
literalmente provoca a morte dos mais pobres e indefesos, aos milhares. O legal
nem sempre é moral. Daí a importância de refletir sobre o pensamento hegeliano
nos termos das considerações do professor Roberto Romano.
Referências
bibliográficas:
ROMANO, Roberto. Violências. IN: Revista
Cult, n.86, ano VII.
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