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A Escola de Frankfurt e a neutralidade da ciência


Para Adorno e Horkheimer, bem como para os demais integrantes da Escola de Frankfurt, o emprego do método científico não garante a objetividade da ciência. Em outras palavras, para os frankfurtianos a ideia tradicional da neutralidade da ciência não se sustenta apenas pela racionalidade. Podemos perceber claramente essa posição no texto a seguir:
As raízes da suposta neutralidade científica, técnica, operacional encontram-se na organização da classe burguesa que, quando ainda distante do poder, objetivou na ideia de “progresso” – prefigurada pelo Iluminismo e configurada pelo Positivismo – uma justificativa para as suas transformações sociais e o seu projeto de emancipação. Entretanto, ao alcançar as posições de poder, a burguesia transformou, rapidamente, o conceito de progresso em ideologia, a razão em racionalização, a libertação em opressão.
CARDOSO, E. M.; ELIAS, E.O. As aporias do projeto moderno: considerações à luz do pensamento de Adorno. IN: Educação em Revista, n.6, p.23-26, 2005.
Fica claro que, para a Escola de Frankfurt, a ideia da neutralidade da ciência foi gestada pela burguesia que utilizou a ideia de progresso como justificativa para as mudanças sociais que levariam à sua própria emancipação e chegada ao poder.
Com a chegada ao poder, a burguesia promove a ascendência da razão instrumental (subjetiva) e a consequente decadência da razão objetiva, que se propusera emancipatória da sociedade, como um todo. Entenda-se, a “razão” é concebida em duas instâncias: racionalidade instrumental, subjetiva (formal) e racionalidade objetiva. A instrumental é destinada a atingir fins tidos como racionais, e a segunda relacionada aos fins últimos. A razão subjetiva é a razão como instrumento de interesse ideológico da burguesia, sob uma aparência de neutralidade, destinada a servir para qualquer fim, seja para o bem ou para o mal, mas sempre de acordo com os interesses da burguesia. Dessa forma, a razão objetiva, que poderia oferecer respostas aos problemas universais da humanidade, foi sistematicamente excluída, silenciada. Enquanto isso, a razão instrumental passou a simplesmente oferecer instrumentos (meios) para alcançar os objetivos estabelecidos pelo sistema. Leia-se: pela burguesia. É a vitória da técnica, da mecanização, do trabalho racionalizados e o consequente fracasso da razão direcionada à emancipação da humanidade. É, em síntese, a instrumentalização da ciência para a finalidade de garantir a acumulação de capital pela burguesia e sua manutenção no poder e não para a emancipação da sociedade como um todo.
Referências bibliográficas:
CARDOSO, E. M.; ELIAS, E.O. As aporias do projeto moderno: considerações à luz do pensamento de Adorno. IN: Educação em Revista, n.6, p.23-26, 2005.
TARGA, Dante Carvalho. Ciência e Sociedade: livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2014.

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