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"O Sétimo Selo", de Ingmar Bergman: uma análise do filme sob a ótica da filosofia da Idade Média.

Filme: O Sétimo Selo – de Ingmar Bergman (1956)

                O enredo do filme se desenrola na Suécia do Século XIII. O protagonista, o cavaleiro Antonius Bock, ao retornar de uma das Cruzadas juntamente com seu escudeiro, encontra sua terra assolada pela terrível peste negra. Nesse contexto apocalíptico, o Diretor inspirou-se no evangelho do apóstolo João para extrair o título do filme: O Sétimo Selo, numa alusão a um dos selos abertos pelo apóstolo, de acordo com o livro bíblico.
                Na primeira parte do filme, o cavaleiro protagonista reencontra a morte em sua forma humana. Esta o persegue há tempos e ele a convida para uma partida de xadrez, cuja vitória lhe garantiria mais algum tempo de vida. Bock confessa à morte que não quer deixar esta vida sem entender o que é Deus. Se realmente Ele existe ou se é uma ficção. Não quer apenas se limitar a acreditar ou não. Quer usar a razão, a filosofia, para buscar a verdade. Vai, então, em busca do conhecimento já que apenas a fé não lhe é mais suficiente.
                Bock aprendera durante a campanha das Cruzadas que boa parte do que prega a sua religião não corresponde à realidade. É simples ficção. Sua vida após a decepção das Cruzadas, que ele qualifica de uma idiotice, tornou-se vazia. Uma vida sem sentido. O contato com os horrores da guerra e, depois, com a peste o fez perder a razão de viver. Apenas a sede de conhecimento o movia. Qual a razão de tanto sofrimento? De tanta desgraça? Para onde vamos após a morte? O que é o amor? Estas questões essenciais exigiam respostas que a religião não tinha condições de lhe dar.
                A atitude dos padres que atribuíam a chegada da peste negra às pecadoras e às bruxas e procuravam remediar a situação torturando-as e matando-as na fogueira, levou Bock a questionar a validade da religião e a procurar no conhecimento as explicações de que precisava. O conhecimento era, portanto, a única coisa que o prendia a este mundo. Por isso resolveu praticar o bem, proteger um casal de jovens artistas e seu filho enquanto ludibriava a morte com o objetivo de ganhar tempo. Um tempo precioso para procurar na filosofia uma solução para suas angústias.

                A temática do filme ilustra bem a preocupação dos filósofos da Idade Média, primeiro os Patrísticos, depois os Escolásticos, que procuravam fundamentar, a partir dos instrumentos filosóficos, a fé cristã. Uma atividade que tinha por objetivo demonstrar a existência de Deus através da razão, uma vez que a fé na verdade revelada sem esse suporte seria menos sustentável no longo prazo.  

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