Apesar de várias e corajosas tentativas, nos últimos anos,
de implantação de modelos pedagógicos de linha histórico-social no Brasil,
como, por exemplo, no caso da Proposta Curricular de Santa Catarina para o
ensino médio de 1998 (SANTA CATARINA, 1991), predomina, ainda, na educação do
país a pedagogia liberal tecnicista. O resultado não é dos melhores. Estudos
estatísticos demonstram que 27% da população brasileira, na faixa etária entre
15 e 64 anos, encontra-se numa situação de analfabetismo funcional. O
analfabeto funcional sabe ler, escrever pequenos textos, porém não consegue
interpretar o que lê, expressar-se minimamente por escrito ou realizar cálculos
um pouco mais complexos. (PIGNATO, 2016). E, ainda,
o Brasil, em pesquisa realizada pela Consultoria sobre sistemas de ensino
Economist Intelligence Unit, coloca-se em penúltimo lugar em um ranking sobre
qualidade de ensino, num grupo de 40 países. (SOUZA, 2013). Quais as razões do baixo rendimento do
nosso sistema educacional?
A pedagogia
liberal tecnicista foi inicialmente implementada nos EUA, que acabou por
impô-la a todos os países da América Latina, por meio de acordos entre o Regime
Militar e a USAID, empresa de consultoria estadunidense, que após inúmeras
pesquisas sobre educação no Brasil, acabou influenciando toda a legislação
tanto do 1º e 2º graus quanto do ensino superior. (SOUZA, 2013). Trata-se de um
modelo de educação típico do sistema de produção capitalista, influenciado
pelas teorias positivistas e da psicologia behaviorista e que visa ensinar o
aluno por meio de treinamento, com uma preocupação muito grande com os métodos
de transmissão do conteúdo a ser ensinado, pré-determinado através de apostilas
e material didático e com uma atenção especial aos sistemas de avaliação
baseados em aspectos observáveis e mensuráveis de conduta e aplicação da
tecnologia educacional. Dentro desse sistema, cabe ao professor apenas
ministrar o conteúdo e avaliar o aluno e ao aluno absorver o conteúdo e ser
avaliado. O professor passa, portanto, a ser como que um trabalhador braçal, um
mero aplicador dos sistemas. O objetivo desse sistema de ensino é adestrar
indivíduos para que se integrem ao sistema produtivo, moldando comportamentos e
capacitando mão de obra com certa qualificação para o mercado de trabalho. No
período compreendido entre os governos militares, Collor e FHC, a educação
elementar foi abandonada e a reforma do ensino de 2º grau com a implantação do
ensino técnico profissionalizante foi um absoluto fracasso, já que a inclusão
de disciplinas técnicas resultou na redução ou exclusão de disciplinas tais
como filosofia, geografia, história, etc., resultando na queda no nível de
ensino. (GADOTTI, 2016).
Mais recentemente, outros fatores contribuíram para piorar o
panorama da educação no Brasil. Um deles foi a implantação do sistema de
progressão continuada. A progressão continuada, adotada a partir de 1998 em São Paulo, é um procedimento utilizado pela
escola que permite ao aluno avanços sucessivos e sem interrupções, nas séries,
ciclos ou fases, de acordo com a Agência EducaBrasil. (VIER, 2017).
Na prática, no entanto, trata-se simplesmente de progressão
automática, ou seja, uma maneira de se eliminar a repetência e adulterar
estatísticas. O resultado catastrófico dessa política é que um elevado número
de alunos chega ao final do nível médio em situação de analfabetismo funcional.
Em algumas escolas, professores avaliam que, de cada 30 alunos, apenas 2 teriam
condições de estar no nível médio. A taxa de analfabetismo na 6ª série gira em
torno de 30% em certas escolas. Grande parte desses alunos chega às
universidades privadas sem condições de acompanhar os cursos.
Outra proposta que, embora ainda não tenha sido implementada,
poderá agravar ainda mais a situação é a chamada “escola sem partido”. Uma
proposta que busca eliminar a discussão ideológica no ambiente escolar,
restringir os conteúdos de ensino a partir de uma pretensa ideia de neutralidade
do conhecimento. Para Gadotti:
“
Essa escola “sem”, é também uma
escola “com”, uma escola com propósitos bem definidos: ela se propõe formar uma
massa de indivíduos para aceitar, indiferentemente, políticas antissociais de
um governo usurpador. Essa política se baseia numa cultura da indiferença,
individualista, quando não fascista, em relação à pobreza, em relação aos “de
baixo”, como dizia Florestan Fernandes”
E, ainda:
“Dia 11 de fevereiro de 1917, o filósofo italiano
Antonio Gramsci, escreveu na revista La Città Futura um artigo com o título “Os
indiferentes”. Ele abre o artigo com uma declaração contundente: “Viver
significa tomar partido. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser
cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é
vida”.
Por fim complementa:
“A importância da Educação Popular foi minimizada. Com
isso, a base social de resistência ao poder das elites ficou enfraquecida. A
conscientização é fundamental para o processo de organização social. Empoderar
os mais empobrecidos é organizá-los e, para isso, todos precisamos de formação
política. “Ninguém luta contra forças que não entende; ninguém transforma o que
não conhece”, dizia Paulo Freire. (GADOTTI, 2016).
Parece-nos
claro o objetivo da aplicação da pedagogia liberal tecnicista, potencializada
pelas propostas de progressão continuada (leia-se: automática) e da “escola sem
partido” (leia-se: de partido único): a manutenção do “status quo” social. A
reprodução permanente da atual estrutura de classes e do sistema produtivo
capitalista. A reprodução de uma massa de mão de obra barata, produtiva e
mansa, facilmente manipulável. Incapaz de compreender o contexto em que se
insere socialmente e, portanto, indiferente à sua própria desgraça. A burguesia
industrial, financeira e agrária, que tomou o poder do país em 2016, e se
esforça para implementar essas políticas com a máxima urgência. Isto porque,
evidentemente, será a grande beneficiária do processo. A pergunta que não quer
calar, mas cuja resposta está implícita no texto é: o fracasso de nosso sistema
de ensino seria, na verdade, um projeto político?
Referências bibliográficas:
PIGNATO, Catarina; OSTETTI,
Vitória; MARIANI, Daniel. A evolução do
analfabetismo funcional no Brasil. Artigo Nexo Jornal. 2016. Disponível em:
https://www.nexojornal.com.br/grafico/2016/11/21/A-evolu%C3%A7%C3%A3o-do-analfabetismo-funcional-no-Brasil
SOUZA, Michel Aires. Por quê o Brasil possui um dos piores
índices de educação do mundo?. Artigo “site” Filosofonet. 2013. Disponível
em: https://filosofonet.wordpress.com/2013/01/09/por-que-o-brasil-tem-um-dos-piores-indices-de-educacao-no-mundo/
GADOTTI, Moacir. A escola cidadã frente à escola sem partido.
Artigo “site” Instituto Paulo Freire. Set/2016. Disponível em: https://www.paulofreire.org/noticias/500-a-escola-cidada-frente-a-escola-sem-partido
VIER, Suzana. Progressão continuada alastra analfabetismo funcional em SP. Artigo
Revista Carta Capital, 06 de agosto 2017. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/sociedade/progressao-continuada-alastra-analfabetismo-funcional-em-sp-afirmam-professores
SANTA
CATARINA. Proposta Curricular : Uma Contribuição para a Escola Pública da
Pré-Escolar, 1o Grau, 2º Grau e Educação de Adultos. Florianópolis.
Secretaria de Estado da Educação/ Coordenadoria de Ensino, 1991.
TARGA,
Dante Carvalho. Filosofia, Educação e
Sociedade – Livro didático. Palhoça: UnisulVirtual, 2015.
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