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FATORES SÓCIO-CULTURAIS COMO OBSTÁCULOS AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO

FUNDAÇÃO ESCOLA DE COMÉRCIO ÁLVARES PENTEADO – FECAP
CENTRO DE ESTUDOS ÁLVARES PENTEADO – CEAP
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA













FATORES SÓCIO-CULTURAIS COMO OBSTÁCULOS AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO














JOÃO GILBERTO PARRAS BENITEZ

ORIENTADOR: PROF. DR. JASON TADEU BORBA







São Paulo
2001




FUNDAÇÃO ESCOLA DE COMÉRCIO ÁLVARES PENTEADO – FECAP
CENTRO DE ESTUDOS ÁLVARES PENTEADO – CEAP
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA













FATORES SÓCIO-CULTURAIS COMO OBSTÁCULOS AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO BRASILEIRO







Monografia apresentada ao Centro de Estudos Álvares Penteado da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado como trabalho final do curso de Pós-Graduação em Economia







JOÃO GILBERTO PARRAS BENITEZ

ORIENTADOR: PROF. DR. JASON TADEU BORBA



São Paulo
2001





INTRODUÇÃO

Os estudos ligados à área do desenvolvimento econômico brasileiro foram relegados, nas duas últimas décadas, a um segundo plano. Isto porque o foco de interesse da maioria dos economistas passou a ser a estabilização da economia, com o controle da inflação que, na década de 80, chegou a níveis insólitos.
Com a redução dos níveis inflacionários a partir de 1984 e o esgotamento do “Plano Real”, a partir do abandono da chamada “âncora cambial” em janeiro de 1999, foi reiniciado o debate sobre o desenvolvimento econômico do Brasil (liberais e desenvolvimentistas).
É nesse debate que esperamos contribuir com este trabalho.
Os estudos relativos ao fenômeno do desenvolvimento econômico se multiplicaram em meados do século XX, principalmente em virtude do aumento da distância que separa os países desenvolvidos dos demais, sejam eles não desenvolvidos ou semi-desenvolvidos. Dentro desses estudos selecionamos os trabalhos de Sir Willian Arthur Lewis (prêmio Nobel de Economia –1979) e Albert Lauterbach, que, observando o fato de que países que pareciam possuir aproximadamente os mesmos recursos naturais, mostravam grandes diferenças no seu grau de desenvolvimento, elaboraram a teoria de que o desenvolvimento econômico é influenciado por fatores de ordem social e cultural, além dos já conhecidos fatores de ordem econômica e política. Concentraremos nossa atenção na influência dos fatores de ordem sócio-econômica, ou seja, comportamentais, apontados por Lewis e Lauterbach como essenciais ao processo de desenvolvimento econômico. Esse será o tema do primeiro capítulo.
No segundo capítulo procuraremos entender, recorrendo à Sociologia, como as instituições sociais moldam o comportamento dos indivíduos. Esse mecanismo nos ajudará a compreender como as atitudes sociais apontadas, no primeiro capítulo, por Lewis e Lauterbach são formadas e transmitidas.
Finalmente no terceiro capítulo procuraremos mostrar se os fatores comportamentais citados no primeiro capítulo e que podem atuar como obstáculos ao desenvolvimento econômico estão ou não presentes e atuantes em nossa formação social. Estabeleceremos, assim, um paralelo entre a teoria de Lewis e Lauterbach e o cenário sócio-cultural vigente em nossa sociedade, na visão de Freire, Holanda e Oliveira.
Acreditamos que a política neoliberal aplicada no Brasil, desde 1990, embora tenha atingido seu (único?) objetivo de reduzir a inflação, lançou o país na estagnação econômica com a elevação do desemprego e o aumento da concentração de renda a níveis absurdos. Este trabalho tem por objetivo contribuir, dentro de suas possibilidades, no sentido de procurar melhor entender a nossa realidade abrindo novos caminhos que possam levar à reversão desta situação.
Entendemos que o simples fato do estudo aqui proposto ser de ordem transdisciplinar, isto é, localizar-se na “fronteira” entre duas ciências sociais, a economia e a sociologia, já é de grande interesse, uma vez que este tipo de trabalho não é, infelizmente, muito comum. Objetivamos, por fim, fomentar uma discussão sobre o tema proposto, já que nos parece que a quase totalidade dos estudos desenvolvidos neste país tratam dos fatores puramente econômicos envolvidos no processo de desenvolvimento econômico, negligenciando os fatores políticos e principalmente os de ordem sócio-cultural.


Capítulo I – Obstáculos ao desenvolvimento econômico: as teorias de W.A. Lewis e A Lauterbach.

Neste primeiro capítulo procuraremos apresentar, de forma resumida, as teorias de W. Arthur Lewis e A Lauterbach, nas quais os autores procuram demonstrar ser o processo de desenvolvimento econômico influenciado por fatores de ordem comportamental. Deve-se notar que os fatores puramente econômicos e os políticos não são desprezados, mas concordam com o fato de que o fenômeno do desenvolvimento econômico tem seu processo acelerado nas sociedades que apresentam um ambiente sócio-cultural favorável.
1.1 – As teorias de Lewis e Lauterbach
O estudo do fenômeno do desenvolvimento econômico deve ser analisado, no nosso entender, sob um enfoque multidisciplinar. Essa necessidade fica bem clara, nas palavras do professor Costa Pinto:
O conjunto das implicações sociais do desenvolvimento econômico e tecnológico é constituído de problemas que recaem no campo de diferentes disciplinas e analisá-lo é encargo comum a todas elas; à Sociologia a tarefa específica que incumbe parece ser, mais uma vez, cumprir a sua função e vocação de ciência mater, vendo o bosque, enquanto cada uma das outras disciplinas vê a árvore, e tomando para si a responsabilidade de analisar e compreender, como síntese de uma série de problemas simultâneos, o processo global de gestação de uma nova economia, uma nova sociedade e um novo homem.
Todos esses aspectos nitidamente sociológicos que surgem quando encaramos o desenvolvimento econômico não apenas como uma operação técnica, mas como uma profunda experiência humana, carecem de ser estudados com a mesma acuidade e rigor científico com que são considerados os aspectos estritamente econômicos e tecnológicos.” (COSTA PINTO e BAZZANELLA . 1967, p.111)
Dentro desse enfoque procuraremos expor resumidamente as teorias de W. Arthur Lewis e Albert Lauterbach, que procuram especificar os obstáculos, principalmente os de ordem cultural, ao desenvolvimento econômico.
Costa Pinto também referiu-se a esses obstáculos da seguinte forma:
Não julgamos necessário hipertrofiar aqui a importância conceptual da nuança, destacada por Alfred Metraux, entre resistência e obstáculo, incluindo neste último caso aquelas situações estruturais que dificultam o desenvolvimento e reservando o vocábulo resistência para denominar apenas aquelas situações conscientes e deliberadas contra o desenvolvimento. Cremos, mais uma vez, que aqui não se encontram dois processos, mas dois momentos de um processo único. Nenhuma situação em si é obstáculo ao desenvolvimento como tal. O que em regra acontece é que a determinadas situações estruturais estão sempre ligados certos grupos ou camadas sociais cujos interesses ou valores resistem, por isso mesmo, aos fatores de sua transformação, resistência que se pode integrar em diferentes níveis, desde o plano das atitudes mais encobertas até o plano da definição ideológica e da oposição aberta.” (COSTA PINTO e BAZZANELLA. 1967, p.112)
Antes de nos aprofundarmos nas teorias de Lewis e Lauterbach, necessário se faz diferenciar o conceito de crescimento econômico do de desenvolvimento econômico.
Kindleberger diferencia estes dois conceitos da seguinte forma:
... crescimento econômico significa maior produção, enquanto que desenvolvimento econômico implica em maior produção e mudanças nas disposições técnica e institucional, pelas quais se chega a essa produção” (KINDLEBERGER. 1976, p.1).
Verificamos, portanto, que um simples aumento de produção, num determinado período, é o que se chama de crescimento econômico. Desenvolvimento econômico também não é uma questão de substituir o sistema produtivo tradicional por um sistema moderno, após o que a mudança termina. O processo de desenvolvimento é um processo mais complexo e contínuo. Os países considerados desenvolvidos, conforme Lauterbach (LAUTERBACH, sd.),continuam criando novos métodos produtivos a fim de substituir os que anos antes haviam sido adotados como os mais produtivos. O desenvolvimento consiste num aumento contínuo de produtividade, através da aplicação de novas tecnologias, com melhoria do bem-estar social. Esse processo provoca transformações na estrutura social que ocorrem concomitantemente com o desenvolvimento econômico e às vezes determinadas por este, ao mesmo tempo em que é influenciado por essa mesma sociedade. Podemos perceber esta relação entre as atitudes sociais e o processo de desenvolvimento econômico na seguinte colocação de Lauterbach:
Em outras palavras, o desenvolvimento econômico, inevitavelmente, abrange importantes mudanças na percepção e nas atitudes. A menos que a população em causa se convença de que as novas instituições propostas, inclusive as inovações tecnológicas, são benéficas, factíveis e dignas de esforço, em termos de prestígio social e, também, de conforto material, de muito pouco servirão a usina siderúrgica, a fazenda-modêlo ou um melhor aeroporto que vierem a ser construídos. A menos que a motivação do povo para a ação econômica se altere e se conforme aos novos objetivos...” (LAUTERBACH. 1966, p.228/229).
Encontramos referência à relação existente entre fatores sócio-culturais e desenvolvimento econômico também em Lambert:
David McClelland, psicólogo social da Universidade Harvard...Sustenta que o desenvolvimento econômico de um país é, em grande parte, um processo sociopsicológico, pois apresenta elevada correlação com um padrão cultural de instrução inicial de independência e elevada necessidade de realização...Observemos, imediatamente, que McClelland não está dizendo que fatores sociopsicológicos possam atuar independentemente a fim de estimular o desenvolvimento econômico. Há também o auxílio e oportunidade econômica. O fundamental é que muitas vezes o desenvolvimento deixa de ocorrer ou de ser consolidado porque não estão presentes as condições socioculturais que favorecem o desenvolvimento de motivação de realização.” (LAMBERT & LAMBERT. 1981, p.203-204).

Quanto aos obstáculos ao desenvolvimento Lauterbach posiciona-se da seguinte forma:
Dos obstáculos ao desenvolvimento econômico, uns são de ordem econômica, outros de ordem política e, finalmente, alguns nascem das tradições culturais e das atitudes dominantes do povo” (LAUTERBACH. sd., p.110).
Ainda segundo Lauterbach (LAUTERBACH.sd.,p.110 e seguintes), os obstáculos de ordem puramente econômica são:
A – Falta de capital e reservas
B – Aumento excessivo da população
C – Barreiras ao intercâmbio de bens e serviços entre as nações
D – Falta de recursos naturais
Outro obstáculo, este de caráter não-econômico, nasce das tradições políticas e dos hábitos em determinados países. A preocupação pelo desenvolvimento funda-se muitas vezes no nacionalismo, sobretudo a que se verifica em países libertados a pouco tempo da tutela colonial, e que esperam criar uma base econômica para sua nova situação de independência.
Por último surgem os obstáculos de natureza social e cultural, nos quais vamos concentrar nossa atenção, em decorrência dos objetivos deste trabalho.
A respeito desses obstáculos Lauterbach comenta:
Praticamente, toda ação de negócios é, ao mesmo tempo, econômica e psicológica, dependendo do ângulo em que é observada“ (LAUTERBACH. 1966, p.15).
Tais programas (para o progresso de áreas subdesenvolvidas), muitas vezes, tendem a difundir a industrialização, a eficiência e a administração empresarial, de acordo com os padrões ocidentais, em populações com escalas de valores inteiramente diferentes; eles estariam tentando reorganizar essa populações à imagem dos Estados Unidos do século XX e da livre iniciativa, destruindo assim, potencialmente, os sistemas de valores anteriores. Até que ponto podemos admitir que toda a população deseja e é capaz de ser mais “eficiente” e mais opulenta, no sentido ocidental? Um estudo das Nações Unidas assim formula este problema: “Mesmo quando as pessoas sabem ser possível uma maior abundância de bens e serviços, podem considerar excessivo o esforço para obtê-la... Em vez disso, podem não querer fazer o esforço para produzir riqueza se puderem adquirir mais facilmente, de outra maneira, o prestígio social que desejam”.( LAUTERBACH. 1966, p.17).
W.A. Lewis segue a mesma linha de raciocínio de Lauterbach como podemos verificar a seguir:
O aumento da produção per capita depende, de uma parte, dos recursos naturais disponíveis e de outra, do comportamento humano... Assim, é evidente que a pobreza de recursos naturais estabelece limites nítidos ao aumento da produção por habitante, e que grande parte das diferenças econômicas entre distintos países há de explicar-se em termos de riqueza de recursos. É, porém, igualmente claro que países que parecem ter aproximadamente os mesmos recursos mostram grandes diferenças no seu grau de desenvolvimento, o que torna preciso estudar as diferenças de comportamento humano que influenciam o desenvolvimento econômico” (LEWIS. 1960. p.13)
Continuando o raciocínio de Lewis (LEWIS. 1960, p.13 e seguintes), verificamos que há dois níveis causais que influenciam o desenvolvimento:
As causas imediatas e as causas dessas causas.
As causas imediatas são principalmente três:
A – O esforço para economizar. Tomado num sentido mais amplo este toma a forma de aumento de rendimento de qualquer aplicação de fatores, pela redução do custo de um determinado produto, sob a forma de esforço ou através de outros recursos. Revela-se de vários modos, esse esforço para economizar: na experimentação, na aceitação de risco, na mobilidade ocupacional ou geográfica, e na especialização, para mencionar apenas suas manifestações principais. Se não se fizer tal esforço, seja pela inexistência do desejo de economizar, seja por que costumes e instituições o desencorajam, então o desenvolvimento econômico não se dará.
B – Em segundo lugar temos o aumento do conhecimento e de sua aplicação. Este processo ocorria através de toda a história da humanidade, porém o mais rápido crescimento da produção nos séculos recentes está claramente associado à mais rápida acumulação do conhecimento e de sua aplicação.
C- Em terceiro lugar, depende o crescimento da expansão do volume de capital ou de recursos outros, por habitante.
Num segundo nível, ainda segundo Lewis (LEWIS. 1960, p.14 e seguintes), temos as causas das primeiras. O autor se pergunta: Por que operam elas poderosamente em certas sociedades e não em outras? Para que tais forças imediatas eclodam é, para Lewis, necessária a existência de um ambiente social favorável ao desenvolvimento econômico. Este ambiente social deve possuir instituições e crenças que favoreçam o crescimento, ou melhor, que não sejam hostis ao esforço, à inovação, ao investimento, à propensão para economizar, etc. O desenvolvimento econômico depende de atitudes da sociedade em relação ao trabalho, à riqueza, à poupança, à procriação, às invenções, aos estrangeiros, à aventura, e assim por diante; atitudes essas que brotam de fontes profundas da mente humana. A religião tem, para Lewis, uma influência muito grande no controle dessas atitudes humanas, visto que as crenças influem nos valores relativos atribuídos pela sociedade a bens materiais e não materiais. Se os valores atribuídos pela sociedade às satisfações do tipo não material forem superiores aos do tipo material não teremos uma situação favorável ao desenvolvimento econômico.
Esses fatores sócio-culturais podem ser separados dos demais para efeito de análise, mas no mundo real estão interagindo com os fatores econômicos influenciando-os e, ao mesmo tempo, sendo influenciados por eles.
As pessoas moldam e são, ao mesmo tempo, afetadas pelo desenvolvimento econômico.
Antes de analisarmos como as atitudes da sociedade com relação aos fatores mencionados (trabalho, poupança, invenções, etc) são fixadas devemos comentar quais as possíveis influências de cada um desses fatores, no desenvolvimento econômico, ainda segundo o pensamento de Lewis.
1.2– As atitudes sociais como obstáculos ao desenvolvimento econômico
1.2.1- Trabalho
Um dos possíveis obstáculos ao desenvolvimento, dentro do pensamento de Lewis e Lauterbach, é a atitude social dos indivíduos de uma sociedade em relação ao trabalho.
Lauterbach se refere a essa questão da seguinte forma:
Uma terceira influência origina-se na atitude predominante em face do esforço material, especialmente para com o trabalho. Em algumas culturas, o trabalho é totalmente desprezado ou considerado como uma atividade própria das classes mais baixas. Isso é evidenciado claramente nas sociedades escravocratas, mas não é exclusivo delas. Um fator importante é a presença ou a ausência de hábitos de trabalho regular e sistemático que não se associam, necessariamente, à vida virtuosa.” (LAUTERBACH. 1966, p.230/231).
Lewis também se refere às atitudes sociais em relação ao trabalho, em sua obra:
Passemos, agora, das diferenças no esforço imposto pelo trabalho para o estudo das diferenças na atitude diante do trabalho. Suponhamos que dois homens tenham as mesmas necessidades, isto é, os mesmos desejos de coisas materiais; e que o trabalho de ambos seja objetivamente igualmente duro e pouco atraente; um deles, porém, ocupa cargo mais bem remunerado do que o outro. Não se conclui necessariamente que aquele que tem o melhor emprego trabalhará menos horas do que o outro. Dependerá isso de sua atitude perante o próprio trabalho. O trabalho é o meio de adquirir bens e serviços, mas é também um estilo de vida, e, como tal, é mais atraente para uns do que para outros, mais para alguns grupos do que para outros. Todos encaram o trabalho em parte como maçada, em parte como virtude, mas certos grupos atentam mais na maçada, enquanto outros incutem em seus filhos a noção de que trabalho é virtude.” (LEWIS. 1960, p.42 e 43).
É evidente que não é possível um aumento de produtividade (produção per capita) sem a participação do fator trabalho. Existem muitas formas de se encarar o trabalho, algumas são favoráveis ao desenvolvimento, outras, ao contrário, atuam como obstáculo ao mesmo. O trabalho de Max Weber (Weber, 1987, p.38 e seguintes), confirmando essa idéia, nos demonstra que a produtividade do trabalho é mais influenciada pela atitude do indivíduo, e num plano mais alto pela sociedade, em relação a ele do que por um simples aumento salarial:
O homem não deseja ‘por natureza’ ganhar cada vez mais dinheiro, mas simplesmente viver como estava acostumado a viver, e ganhar o necessário para este fim. O capitalismo moderno, onde quer que tenha começado sua ação de incrementar a produtividade do trabalho humano através do incremento de sua intensidade, tem encontrado a infinitamente obstinada resistência deste traço orientador do trabalho pré-capitalista; e, ainda hoje, quanto mais atrasadas estejam (do ponto de vista do capitalismo) as forças de trabalho tanto mais tem de lidar com ela.” (WEBER. 1987, p.38).
Weber nos mostra, ainda, na obra citada, que uma elevação nos salários pode levar a uma queda de produção. O trabalhador pode (e muitas vezes ocorre) optar por manter o mesmo rendimento monetário, em troca de menos trabalho. Isto porque, aos olhos do trabalhador a oportunidade de ganhar mais era menos atrativa que a de trabalhar menos. Este é um exemplo do que se chama “tradicionalismo”. Este traço das sociedades tradicionais, funciona como um sério obstáculo ao desenvolvimento capitalista. Ao contrário, certas sociedades, principalmente as protestantes (esta relação entre religião e economia será abordada mais adiante), como nos coloca Weber, vêm o trabalho de outra forma: para estas sociedades o trabalho deve ser executado como um fim absoluto em si mesmo (como uma vocação). Tal atitude, todavia, não é absolutamente um produto da riqueza, como também a atitude oposta não o é. Ela não pode ser provocada por salários altos, ou baixos, mas somente pode ser o produto de um longo processo de socialização.
Lewis também se refere à importância da religião na formação da atitude de indivíduos e de sociedades em relação ao trabalho:
Diferenças de atitude correspondem, com freqüência, a diferenças de religião. Religiões há que ensinam que a salvação, ou a plenitude espiritual, se encontra principalmente na meditação ou na prece. Outras ensinam que a salvação também se acha no trabalho, seja porque o trabalho disciplina a alma, seja porque temos o dever moral de fazer o melhor uso possível dos talentos e recursos que Deus nos deu, e com eles servir ao próximo.” (LEWIS. 1960, p.43).
Em suma, a produtividade do trabalho sofre influência profunda de fatores sócio-culturais e não é apenas uma função dos salários.

1.2.2 – Riqueza
Outro obstáculo ao desenvolvimento a ser analisado é a atitude social dos indivíduos de uma sociedade em relação à riqueza.
Da mesma forma que o trabalho, a riqueza é encarada de diversas formas nas diferentes sociedades. Isto resulta da importância que as sociedades dispensam aos bens materiais e às satisfações não materiais. Para muitos povos é mais importante gastar grandes somas em grandes rituais do que usufruir dessas riquezas em forma de bens materiais. Outros povos preferem usufruir da riqueza que possuem, sem a preocupação de multiplicá-la. Caem, então, no ócio e no relaxamento. Lauterbach nos mostra isso da seguinte forma:
Uma outra influência cultural conexa encontra suas raízes no papel e na avaliação da riqueza material, dentro da estrutura geral de valores. Na China tradicional, o caminho do prestigio social seguia o rumo do saber e não o da riqueza; na União Soviética, ele se projeta no campo das atividades partidárias e, nos Estados Unidos, visa principalmente o êxito nos negócios” (LAUTERBACH. 1966, p.230).
Weber nos mostra em sua obra (WEBER. 1987, p.112 e seguintes), que nas sociedades protestantes a riqueza era apenas uma medida do trabalho, um resultado do mesmo, e que não era indesejável, o que não era permitido, isso sim, era a acomodação, os gastos com o prazer e com o ócio. A riqueza deveria produzir mais riqueza, através do trabalho, da produção.
Lauterbach toca ainda na questão da riqueza da seguinte forma:
  1. Populações inteiras ou grupos sociais específicos podem opor-se a aumentos na produção porque tais aumentos, certa ou erradamente, são interpretados como uma ameaça à função social ou ao prestígio de grupos que, tradicionalmente, têm desfrutado um alto status.” (LAUTERBACH. 1966, p. 232).
  2. Em toda parte, a alta avaliação cultural da propriedade da terra tem sido um obstáculo ao investimento de ganhos financeiros ou comerciais na industria; assim, a riqueza recém-adquirida tem sido, freqüentemente, invertida na compra de glebas adicionais, especialmente na América Latina, em vez de ser aplicada no desenvolvimento industrial, com base no espírito de livre iniciativa. (LAUTERBACH. 1966, p.232).
Lewis aborda a questão das diferenças das atitudes de desejo pela riqueza entre as sociedades, da seguinte forma:
  1. A vontade de buscar e aproveitar oportunidades, e de fazer investimentos produtivos, não é função do número de horas de trabalho, mas se relaciona, por certo, com a intensidade da preocupação com as oportunidades que se têm e pode custar muito em termos de energia nervosa... Em certas sociedades, o desenvolvimento econômico é apreciado em si mesmo, estimulam-se os jovens a se esforçarem nesse sentido; noutras, prefere-se dedicar o espírito a outras coisas: à guerra, às artes, ou apenas ao prazer da boa prosa e outras diversões.” (LEWIS. 1960, p.52).
Lewis relaciona, ainda, as atitudes relativas à riqueza com a religião dominante, numa determinada sociedade:
Em primeiro lugar, o desenvolvimento exige que as pessoas se esforcem por aumentar a produtividade, tanto porque desejam bens, quanto porque estimam o lazer suplementar. O desejo de possuir bens pode ser conseqüência do valor que se atribui ao desfrute de coisas materiais, ou à aspiração ao prestígio e ao poder social que acompanham a riqueza; e, correspondentemente, o crescimento será mais rápido nas sociedades onde a riqueza constitui caminho fácil para a obtenção de posições sociais elevadas. Certas religiões ensinam que se alcança a salvação através da disciplina do trabalho árduo e consciencioso, e fazem da busca da eficiência elevada virtude moral. Algumas formas do cristianismo salientam as virtudes da frugalidade e do investimento produtivo. A maioria das religiões ensina, porém, que é melhor dedicar-se à contemplação espiritual do que à busca incessante de maior renda ou menor custo; além disso, praticamente todas as religiões desestimulam o desejo de possuir bens materiais.”(LEWIS. 1960, p.128 e 129).
Fica claro, após esta exposição, a importância da atitude dos indivíduos e mais precisamente das sociedades para com a riqueza e a sua influência no processo de desenvolvimento econômico.
  1. 1.2.3 – Poupança
A poupança, como se sabe, é um fator de grande importância para o processo de desenvolvimento econômico. Sem a poupança não há investimento. Não queremos, no entanto, discutir, neste trabalho, a função econômica da poupança, mas a atitude da sociedade quanto a ela, a sua propensão a poupar. O governo tem instrumentos técnicos (taxa de juros) para incentivar a poupança, mas, como veremos, a atitude da sociedade quanto a isso, mais uma vez, é influenciada pelo hábito, e por instituições como a religião.
Lauterbach, citando Lewis, se refere a esse fator da seguinte forma:
Seja qual for a ordem econômica instituída e a ideologia professada, as características culturais de cada população em causa têm uma importância fundamental em determinar sua resposta às medidas de desenvolvimento. Um desses fatores culturais consiste no que W. Arthur Lewis denominou “o desejo de economizar”, isto é, a vontade de concentrar as energias nacionais na constante melhoria das condições materiais. As culturas indiana e budista, com a ênfase que dão aos valores ascéticos ou transcedentais, não têm sido muito propícias a tal concentração, enquanto a cultura norte-americana caracteriza-se por ela.” (LAUTERBACH. 1966, p.230).
A poupança, em algumas sociedades, é confundida com avareza, e os poupadores eram vítimas do controle social mais ou menos severo, de acordo com as instituições sociais vigentes (LEWIS, sd. p.13 e seguintes). De forma similar ao que comentamos sobre a riqueza, o desejo de poupar é fortemente influenciado por instituições sociais como a religião, os costumes, o governo, as necessidades econômicas e a família.

  1. 1.2.4 – Procriação
  2. Várias teorias do desenvolvimento dão maior ou menor ênfase ao controle da natalidade (como Malthus). Alguns pensam entendem que o simples controle da natalidade faria com que houvesse um aumento da renda per capita: PIB/nº de habitantes, simplesmente com a relativa redução, no longo prazo, do denominador da expressão (nº de habitantes). Para outros, uma família com menor número de filhos poderia dar uma educação de melhor qualidade para todos e contribuir para um aumento da produtividade e finalmente para o desenvolvimento econômico. Não nos cabe aqui comentar o mérito dessas teorias, mas apenas colocar que também a atitude humana quanto a procriação depende de uma decisão dos indivíduos e que essa decisão é regulada de várias formas. Por exemplo, existem várias formas de família, nas diversas sociedades, desde os tipos mais incomuns das sociedades primitivas como a família fantasma, a família achante, passando pela família patriarcal, até a moderna família nuclear.
  3. Lewis, ao mesmo tempo que salienta a importância do controle populacional, relaciona a religião a essa questão:
  4. Semelhantemente, certas correntes religiosas se opõem à limitação deliberada da família, e conduzem o país à superpopulação, à fome e à pobreza. Grande parte do progresso tecnológico nasceu da opinião de que tudo o que há no universo existe para proveito do ser humano, e que este pode alterar as coisas que o cercam em seu próprio interesse. Tal opinião é compatível com as religiões que colocam o homem no centro do universo, mas não com aquelas em que o homem constitui apenas uma das manifestações do espírito de Deus, e em todo caso uma manifestação menor.” (LEWIS. 1960, p.129 e 130).
  5. Dependendo do tipo de família, e das influências morais e religiosas recebidas, além do tipo de produção existente os indivíduos assumirão diferentes atitudes em relação a procriação e conseqüentemente afetarão o crescimento populacional. Todos esses fatores afetam a velocidade da procriação e, portanto, o crescimento populacional.
  6. 1.2.5 – Invenções
  7. As invenções ou inovações ocorrem de forma mais significativa nas sociedades que de alguma forma privilegiam a racionalidade, isto é, quando os modos de pensar e agir são instrumentos da intenção (e não dogma ou fé). Os homens têm êxito ou não segundo o que comprovadamente realizam (e não por aquilo que veneram).
Uma referência a essa questão encontramos no seguinte texto:
Assim, enquanto o homem tradicional tendia a rejeitar a inovação dizendo: Isto nunca foi assim, é mais provável que o homem contemporâneo pergunte: Isto funciona? e experimente o novo procedimento sem mais considerações” (DURAND & MACHADO. p.84, sd.).
Ainda sobre este tópico, temos em Lauterbach:
Um quinto fator de grande importância é a atitude cultural face ao “conhecimento”. Em países ou culturas em que todo o conhecimento é tido como encerrado nos antigos documentos da tradição ou da religião, as inovações econômicas e de outra qualquer natureza serão consideradas supérfluas ou nocivas. Por outro lado, onde os valores culturais predominantes favorecem o exame imparcial de novas oportunidades, o desenvolvimento econômico far-se-á mais prontamente” (LAUTERBACH. 1966, p.231).
Um exemplo de resistência social à mudança e a novas invenções, que atua como elemento retardador do desenvolvimento nos é dado, a seguir, por Lauterbach:
Os camponeses franceses relutaram em substituir cavalos por tratores, em primeiro lugar, porque muitos deles acreditavam, naturalmente, que todo camponês era obrigado a possuir um cavalo e, em segundo lugar, porque o uso eficaz de tratores, especialmente em pequenas propriedades ou em áreas montanhosas, somente era possível em bases cooperativas, o que entrava em conflito com o seu arraigado e profundo individualismo.” (LAUTERBACH. 1966, p.233).

Para Lauterbach, a abertura da sociedade às inovações, assim como à aventura, é fundamental para a existência do “espírito de empresa”, necessário ao desenvolvimento econômico, o que veremos, mais adiante, no tópico aventura.

  1. 2.6 – Estrangeiros
  2. Para que uma sociedade se desenvolva é necessário, para Lewis (LEWIS, sd, p.13 e seguintes), que ela se integre com outras, que absorva conhecimento, enfim, que participe de comunidades cada vez maiores. Para isso, é importante que não haja entraves de origem cultural ao convívio e à integração com estrangeiros ou com outras raças. Esses entraves podem constituir-se em obstáculos ao desenvolvimento econômico. Lauterbach cita a atitude das sociedades para com estrangeiros, como um dos possíveis obstáculos de ordem sócio-cultural ao desenvolvimento, porém relacionando-o a outros como veremos no tópico seguinte.
  3. 2.7 – Aventura
As atitudes das sociedades para com a aventura, favoráveis ou não são, para Lauterbach e Lewis, importantes no sentido de que sem o gosto pela aventura, a sociedade permanece estática, sem perspectivas de mudança. O espírito de empresa, ou seja, a pré-disposição que o empresário tem para assumir riscos, inovar, organizar, melhorar, etc; sem o que não há a possibilidade de um desenvolvimento econômico profundo, está intimamente ligado à relação de uma sociedade para com a aventura.
Podemos verificar isso no texto abaixo, onde Lauterbach faz novamente referência ao que Lewis chama de desejo de economizar e também à necessidade, para fins de desenvolvimento, ao livre contato com estrangeiros.
Uma quarta influência cultural é a avaliação da experiência, da inovação e do risco. Nos países em que uma antiga convenção encara com desconfiança tal comportamento, o desenvolvimento econômico encontrará uma maior resistência do que em outros. Uma espécie de experimentação é a procura de contatos e experiências estrangeiros, procura que é apreciada em algumas culturas e condenada em outras. Nas culturas em que a maioria mostra pouco “desejo de economizar” uma minoria religiosa ou étnica pode colocar-se à frente do desenvolvimento econômico. Os huguenotes e os judeus da Europa Ocidental, durante os séculos XVII e XVIII, comprovam essa asserção. Em outros casos, todavia, pode ser a minoria, que se atrasa economicamente, como, por exemplo, os franco-canadenses.” (LAUTERBACH. 1966, p.231).
Se levarmos em conta que existem religiões que pregam o enclausuramento de freiras (religião católica) em conventos para que levem uma vida voltada somente para a meditação religiosa temos um bom exemplo da influência da religião, também nesse aspecto.
As atitudes sociais favoráveis à aventura e ao risco são, para Lauterbach e Lewis, essenciais ao desenvolvimento econômico. Tal importância fica patente, por exemplo, ao analisarmos as seguintes passagens da obra de Lauterbach:
Praticamente, toda ação de negócios é, ao mesmo tempo, econômica e psicológica, dependendo do ângulo em que é observada“ (LAUTERBACH. 1966, p.15).
Mostraremos, em particular, que o lucro, atual ou previsto, só em casos raros representa a determinante definitiva da atividade comercial no sentido psicológico, não obstante ser o lucro, comumente, o incentivo mais direto e consciente dessa atividade” (LAUTERBACH. 1966, p.16).
Em outras palavras, o método tradicional, adotado por muitos economistas e historiadores, de comparar práticas de negócios “similares” de vários países e períodos, como se elas fossem fenômenos autopropulsores isolados, leva, insensivelmente, à falsa interpretação etnocêntrica. Na realidade, um padrão aparentemente objetivo de comportamento comercial, tal como o regateio agressivo, a agiotagem, a aposta, a liberalidade ou a trapaça, pode refletir grandes diferenças nas atitudes e nas estruturas de referência”. (LAUTERBAC. 1966, pág.17).
Ainda, sobre o que Lauterbach chama de “espírito de empresa”, verificamos que tal espírito não deriva apenas da vontade de enriquecer, mas da aptidão para experimentar e inovar:
Alguns dos obstáculos ao desenvolvimento econômico, é verdade, são principalmente de caráter econômico... Os impedimentos não-econômicos, todavia, foram provavelmente ainda mais importantes. Alguns deles, certamente, provêm de raízes psicológicas, sociais e culturais. De todos, talves os mais amplamente analisados tenham sido a escassez do espírito de iniciativa, no amplo sentido da iniciativa individual, a aptidão para experimentar e inovar e a disposição de assumir responsabilidade pelas decisões econômicas... Muitas experiências demonstram que esse espírito – por mais necessário que ele possa ser – não pode ser reproduzido à vontade, numa área subdesenvolvida, principalmente, é certo, pela pregação de conselheiros estrangeiros. Quase sempre não existe, simplesmente, a classe ou grupo de pessoas dotado do tipo adequado de curiosidade e de habilidade de perceber as oportunidades industriais e comerciais. Usualmente, não há falta de pessoas que desejem enriquecer-se rapidamente, mas essa atitude que é freqüente está longe de representar um espírito de empreendimento”. (LAUTERBACH. 1966, p.227 e 228).
Lewis, finalmente, relaciona a religião com todas as atitudes favoráveis ou desfavoráveis ao desenvolvimento, inclusive com a aventura e o gosto pelo risco:
Podemos resumir as respostas à primeira pergunta dizendo que certos códigos religiosos são mais compatíveis com o crescimento econômico que outros. Se a religião aceita valores materiais, estimando o trabalho, a parcimônia e o investimento produtivo, a honestidade nas relações comerciais, bem como a experimentação, o risco e a igualdade de oportunidades, a religião será útil ao crescimento econômico, enquanto tende a inibir o crescimento à medida que hostilizar tais princípios.” (LEWIS. 1960, p.133).
Acreditamos que pudemos resumir neste primeiro capítulo, tendo em vista as limitações de um trabalho monográfico, as teorias de Lauterbach e Lewis, no que tange aos obstáculos ao desenvolvimento de ordem comportamental ao desenvolvimento econômico.
No próximo capítulo, procuraremos entender os mecanismos como certas atitudes são fixadas nas sociedades, através das instituições sociais.


Capítulo II – As instituições sociais: a gênese das atitudes sociais

Quando expusemos a importância, dentro de um processo de desenvolvimento econômico, das atitudes das sociedades para com o trabalho, a riqueza, o conhecimento, etc...; ficou muito claro que as ações dos indivíduos passavam de uma forma ou de outra pela influência de valores religiosos, educacionais, entre outros. Agora vamos passar a discorrer sobre esses conjuntos de valores, as instituições sociais.

2.1 – Instituições sociais: conceito
VILA NOVA nos dá um bom conceito de instituições sociais:
Instituições sociais são conjuntos de valores, crenças, normas, posições e papéis referentes a campos específicos de atividade e de necessidades humanas. As normas e os valores compreendidos por cada instituição orientam e regulamentam a satisfação das necessidades humanas. Em outras palavras, as instituições estabelecem o modo socialmente aceito de satisfazer determinadas necessidades e de realizar certas atividades”. (VILA NOVA. 1985, p.93)
Algumas instituições são universais, isto é, existem, segundo as evidências etnográficas disponíveis, em todas as sociedades urbano-industriais. Outras são específicas de determinadas sociedades. As instituições universais são o eixo de certos conjuntos de atividades relativas a satisfação de necessidades humanas específicas e por isso também denominadas instituições axiais. As instituições próprias de cada sociedades são, em geral, complementares em relação às instituições axiais. Família, governo, economia, educação, religião e recreação são instituições universais. Embora universais essas instituições apresentam-se de formas bastante diferente nas diversas sociedades. As tentativas de resposta à questão do porquê da universalidade dessas instituições e da questão referente ás origens das mesmas dificilmente deixam de cair em especulações e, conseqüentemente, em conjecturas e demonstrações não fundamentadas em fatos”.(VILA NOVA. 1085, p.94)
Agora vamos discorrer sobre como cada uma dessas instituições pode afetar o desenvolvimento econômico. Sem nos esquecer que a própria economia é uma instituição social, isto é, é explicada por crenças, legitimada por valores e regulada por normas. Assim em todas as sociedades para a produção, a circulação e o consumo de bens escassos existem crenças, valores, normas, posições e papéis determinados.
2.2- A família
Recorrendo novamente a Vila Nova, veremos a seguir uma definição sociológica de família e os principais tipos existentes:
A família, como instituição, refere-se universalmente à orientação e à regulamentação das relações de parentesco, da procriação, das relações sexuais e da transmissão dos componentes intermentais básicos da sociedade... São muito variadas as formas de organização da família e diversos os critérios sociológicos para sua classificação. Os principais tipos de família são a monogâmica (união de um homem com uma mulher), a poligínica (união de um homem com duas ou mais mulheres) e a poliândrica (união de uma mulher com dois ou mais homens). Enquanto nas sociedades de tradição religiosa judaico-cristã a família é monogâmica, nas sociedades baseadas na ética religiosa muçulmana a família normal é a poligínica. Conforme observa Ralph Linton, a única forma de casamento reconhecida e permitida em todos os sistemas sociais é a monogamia, pois ela coexistiu com todas as outras, embora seja relativamente pequeno o número de sociedades que lhe dão preferência. Além da monogamia, da poliginia e da poliandria, há ainda o chamado casamento grupal, mais raro do que aquelas formas de casamento.” (VILA NOVA, 1985, p.95).
Ainda na visão de Vila Nova (VILA NOVA, 1985, p.95 e 96), as formas de organização da família refletem as imposições da coletividade para a sua própria sobrevivência. Nas sociedades tradicionais agrárias o tipo predominante de família é o extenso ou patriarcal, que compreende várias gerações de parentes por consaguinidade, por casamento ou por agregação. É muito comum em muitas sociedades que esse tipo de família seja, ao mesmo tempo, unidade de consumo e de produção, ou seja, que os principais bens necessários á família (alimentos, vestiário, calçado, etc.) sejam produzidos por ela própria. O tamanho ideal da família patriarcal é grande. Em muitas sociedades, a família patriarcal está relacionada à necessidade de braços para o trabalho agrícola. Já nas sociedades do tipo urbano-industrial do presente, a família patriarcal não se harmoniza com as exigências próprias do estilo de vida desses sistemas sociais. Nesses grupos sociais predomina a família nuclear, composta do casal e dos filhos. Ao contrário do que ocorre nas sociedades tradicionais, nas sociedades urbano-industriais a família é apenas unidade de consumo e o seu tamanho ideal é compreensivelmente pequeno. Se no ambiente social rural a família de orientação (a que é composta por todos os nossos parentes por consaguinidade ou não) é um grupo de referência muito significativo para os indivíduos, já no ambiente social urbano a importância da família de orientação como grupo de referência é consideravelmente menor do que na família de procriação (a que é composta apenas pelos nossos parentes imediatos: filhos, esposa e marido). Nas sociedades tradicionais agrárias, a família concentrava grande número de funções, enquanto nas sociedades secularizadas do presente a família tem perdido muitas das funções que antes eram a ela atribuídas. As funções afetivas da família, desse modo, passaram a ter importância bem maior do que do tipo patriarcal.
Essa comparação das características da família patriarcal com as da família nuclear mostra-nos o quanto todas as instituições de uma sociedade são dependentes. Como já dissemos, embora possamos tratar conceitualmente as instituições como entidades isoladas, elas são, na realidade, interdependentes. Aquilo que ocorre em um campo institucional tende a se refletir nos demais. Por isso apesar da possibilidade de abordá-los isoladamente, o que caracteriza plenamente a perspectiva sociológica, é precisamente a busca dos nexos porventura existentes entre as várias instituições.
Quanto à família nuclear moderna e o seu funcionamento, recorremos a Bottomoro que nos diz o seguinte:
A família nuclear, já o dissemos, é um fenômeno universal porque realiza funções sociais indispensáveis. Os jovens humanos permanecem imaturos por um período que é longo, em relação à duração da vida humana, durante esse período têm de ser mantidos e socializados. Essa é a principal função da família nuclear. Sua realização é independente da forma de família, das disposições de parentesco, dos hábitos matrimoniais, do tipo de controle do comportamento sexual, ou de funções adicionais pela família. Tudo isso varia com as variações das outras instituições sociais. Além disso, as formas pelas quais a família nuclear desempenha sua principal função também são determinadas por outros elementos da sociedade. A família socializa a criança, mas não cria os valores que transmite, estes vêm da religião, nação, casta ou classe. Assim o caráter específico da família nuclear em qualquer sociedade é determinado por outras instituições ao invés de determiná-los Da mesma forma as mudanças sociais são originadas nas outras instituições e não na família. A família se modifica em reação a elas...
A família transmite valores determinados por outras instituições, é um agente não um principal” (BOTTOMORE. 1983, p.175)
Ainda segundo Bottomore (BOTTOMORE. 1983, p.175/176) outra característica da interação da família com outras instituições é que nenhum grupo na sociedade é tão influenciado por códigos morais e religiosos. A conexão entre a família e a religião pode ser vista hoje na preocupação das sociedades ocidentais com a “promiscuidade” sexual e o divórcio, por exemplo. Enquanto a influência das religiões tem sido habitualmente no sentido de preservar as formas de família estabelecidas. As mudanças nas instituições econômicas constituem também um fator para provocar também mudanças na família.
Em resumo, a família, como instituição, é um elemento transmissor de crenças e valores que são determinados por outras instituições, especialmente a religião e a economia. A religião, no sentido de manter, de preservar os valores tradicionais e a economia no de mudá-los.
Por essas observações podemos verificar que a família tem grande influência no processo de desenvolvimento econômico quando levamos em conta que ela pode, através da socialização, levar os indivíduos, através da transmissão de valores e crenças (determinados por outras instituições) a agirem com relação aos fatores já amplamente discutidos como trabalho, riqueza, procriação, conhecimento, etc, de modo negativo em relação ao desenvolvimento econômico.
Extraindo um exemplo de Vila Nova (VILA NOVA. 1985, 95/96) temos que, o caso de uma família do tipo patriarcal, a necessidade de poupar ou adquirir ativos é reduzida, uma vez que a própria família garante os dependentes e dá segurança para os velhos. O sistema de herança adotado pode inibir a mobilidade. O papel das mulheres na economia, de acordo com o tipo de família, pode ter efeitos sobre a taxa de natalidade e até sobre a demanda de aparelhos eletrodomésticos.

2.3 – A Educação
Para iniciarmos nossa exposição sobre o papel da educação no desenvolvimento econômico precisamos, antes de tudo, expor brevemente o conceito de controle social, nas palavras de Vila Nova:
Controle social é qualquer meio de levar as pessoas a se comportarem de forma socialmente aprovada. Logo, a socialização é o meio básico de controle social a que é principalmente através da assimilação de valores, crenças e normas que o indivíduo pode comportar-se de modo socialmente aprovado. O controle social é, portanto, eficiente à medida que os indivíduos não apenas baseiam suas ações no cálculo das recompensas e punições socialmente previstas, respectivamente para o cumprimento e a infração das normas sociais, mas também acreditam na legitimidade das regras socialmente impostas. Isto só é possível com a interiorização dos valores e crenças que fundamentam as normas. Em outras palavras, não basta o desejo de recompensas nem o medo de punições para que os indivíduos se comportem de maneira socialmente esperada. Punições e recompensas atuam sobre o comportamento do indivíduo à medida que são dotadas de um significado subjetivo para ele. Punições e recompensas somente possuem sentido para os indivíduos quando partem de grupos com os quais eles se identifiquem e dos quais dependam para satisfazer a necessidade de aceitação social.” (VILA NOVA. 1985,p.52).
Para Bottomore (BOTTOMORE. 1983, p.197 e seguintes), os principais tipos de controle são o costume e a opinião, a lei, a religião, a moral e a educação (entendida como conhecimento e ciência). O sistema educacional também figura como agência de controle social, juntamente com o sistema político, igrejas e outros órgãos religiosos, a família (onde a socialização inicial tem lugar) e muitas organizações especializadas.
O controle social, nesse sentido, deve ser contrastado com a regulamentação pela força. A sanção final da lei é a coação física e esta é mais efetiva quando pode ser justificada em termos de valores aceitos por todos e o grupo dominante deve estar unido por outro meio qualquer.
Feitas as considerações acima voltamos à instituição educação vista não apenas como transmissora, mas como determinante de crenças e valores através do conhecimento e da ciência.
Ainda segundo Bottomore:
A função da educação no preparo da criança para um determinado meio de sociedade como Durkhein definiu significou, tradicionalmente, o seu preparo para a participação num determinado grupo na hierarquia social. A experiência das modernas políticas de igualdade indica ser muito difícil eliminar essa característica, principalmente porque os critérios intelectuais e sociais freqüentemente se confundem. As crianças de famílias de alto status estão, em geral, melhor qualificadas para a educação superior, por causa da variedade de vantagens que desfrutam.” (BOTTOMORE. 1983, p.248).
Nas sociedades mais antigas, onde a alfabetização era muito valorizada como base de prestígio e poder, os professores eram altamente considerados. Além disso, os próprios professores vinham habitualmente de famílias de alta posição. A educação formal dava a uma minoria destinada a governar e administrar a sociedade um código preciso de moral e comportamento...
Com a realização da alfabetização em massa nas modernas sociedades industriais, o prestígio social do mestre tendia a declinar, pois já não era distinguido como um homem alfabetizado. Além disso, os professores primários passaram a ser recrutados entre as camadas sociais inferiores. Por sua vez o crescimento da economia destacou a riqueza como meio de prestígio e poder...
Os valores professados pelo mestre não se revestem mais de autoridade, têm de competir com os fatores apresentados à criança pela sua família, grupo de iguais e os veículos de comunicação de massa... Há conflitos manifestos entre a família e a escola provocados pela mobilidade social (por exemplo, em muitas sociedades ocidentais o conflito entre os padrões da classe média observados na escola secundária e na universidade), pelo caráter secular da educação estatal em contraste com os valores religiosos da família (ou vice-versa), ou de diferenças de perspectivas entre as gerações; e há igualmente conflitos sérios entre a escola e o grupo em que a criança vive e entre a escola e os meios de comunicação de massa...” (BOTTOMORE, 1983, 250 a 252).

Continuando em Bottomore temos:
Pode haver, ainda, sociedades nas quais as mentes dos homens sejam embotadas pela instrução dogmática que os leva a aceitar, sem crítica, as opiniões das autoridades políticas ou religiosas, mas o caráter geral da educação formal foi profundamente modificado pela ciência e tecnologia modernas. Talvez a maior diferença entre as sociedades primitivas e antigas e as modernas sociedades industriais esteja no fato de que nas primeiras a educação se limitava em grande parte a transmitir um modo de vida, enquanto na última, devido à massa de conhecimentos existentes, à aplicação da ciência a produção, e à minuciosa divisão do trabalho, a educação formal não apenas predomina no processo educacional de modo geral como é também dedicada em grande parte à transmissão do conhecimento empírico... Outra grande diferença está em que, enquanto nas sociedades antigas um modo de vida e uma soma de conhecimentos relativamente imutáveis eram transmitidos, o conhecimento científico comunicado pela educação moderna é passível de rápida mudança. Além disso, a educação é cada vez mais necessária para preparar os indivíduos para um mundo em mudança permanente, e não para um mundo estático. É sob esse aspecto que devemos considerar a educação formal nas sociedades modernas como uma forma de comunicar, independentemente, idéias e valores que desempenham um papel na regulamentação do comportamento... A ciência e a tecnologia modernas não são apenas a base de regras infinitamente mais complexas de artesanato mas também uma abordagem racional da natureza e da vida social, que tem um papel cada vez mais importante no estabelecimento e manutenção da cooperação social. Além disso, o conhecimento científico, nos três últimos séculos, criticou implícita ou explicitamente as idéias defendidas pelas doutrinas religiosas e morais e foi, em grande parte, responsável pelas modificações que estas últimas sofreram. Toda racionalização do mundo moderno com o qual Max Weber se preocupava está ligada ao desenvolvimento da ciência, e como o principal veículo desse desenvolvimento, pelo menos durante o último século, foi o sistema educacional, podemos falar legitimamente da educação formal como tipo de controle social.” (BOTTOMORE. 1983, p.252 a 254).
Bottomore, ainda se referindo à instituição social da educação, prossegue:
A educação, no sentido amplo, desde a infância até a condição adulta, é assim um meio vital de controle social e sua importância aumentou grandemente nas últimas duas décadas graças à rápida expansão da educação em todos os níveis nos países em desenvolvimento e pelo igualmente rápido crescimento da educação secundária e superior nos países industriais. Através da educação as novas gerações aprendem as normas sociais e as punições pela sua não observância são instruídas também sobre sua posição e deveres dentro do sistema de diferenciação e estratificação social. Nas sociedades modernas onde a educação formal se torna predominante e onde um grupo ocupacional importante de professores passou a existir, a educação é também um dos tipos principais de controle social (como fonte de conhecimento científico) que está em competição e por vezes em conflito com outros tipos de controle. Tal conflito pode-se tornar particularmente agudo com a extensão da educação superior a uma maior proporção da população como a experiência o demonstrou, durante os últimos anos na Europa e América do Norte, o sistema educacional pode proporcionar cada vez mais uma das principais fontes de mudança e inovação nas normas sociais”. (BOTTOMORE. 1983, p.254 e 255).
Como vimos, a educação, entendida, não só como transmissora de conhecimento mas sobretudo como determinante de crenças e valores (conhecimento científico) tem um papel fundamental na formação da personalidade social, e portanto influi nas atitudes dos indivíduos quanto aos fatores que mencionamos no início deste trabalho e que são vitais para o desenvolvimento econômico (procriação, riqueza, trabalho, conhecimento, aventura, etc.) ao mesmo tempo que modifica o sistema de crenças e normas tradicional e dogmático existente, erigido, principalmente, pela instituição social que veremos a seguir: a religião.
A educação atua na mudança da percepção que os indivíduos têm do mundo físico do irracional (fundamentado em dogmas religiosos) para o racional (fundamentado na ciência) à medida que as sociedades se desenvolvem, ou em suma mudam da superstição para a razão. Sem este processo de mudança o desenvolvimento econômico não é possível. Não se pode esquecer ainda que a educação está em constante contato e conflito com outras instituições, especialmente a religião, influenciando e sendo influenciada por elas.

2.4 – A religião
A religião, para Bottomore (BOTTOMORE. 1983, p.220 e seguintes), difere dos outros aspectos da vida social porque diz respeito a sistemas de crença bem como de relação e ação, e porque seus sistemas de ação, em si, são dirigidos para entidades cuja existência não está aberta à observação. Na maioria dos campos do comportamento social as idéias são normativas, dizem respeito ao que deveria ser feito e as razões pelas quais deveria ser feito. O pensamento religioso embora em certo sentido seja o próprio tipo de pensamento sobre o que deveria ser feito, também inclui preocupação como o que é e por que é (como a natureza do universo e o lugar do homem nele) é o que a maioria dos teólogos chama de “grandes mistérios”.
A religião consiste em crenças e práticas. Toda a sociedade tem sua visão de mundo e nas que não têm tradição em ciência experimental esta é formulada sob o aspecto de dogma religioso. Nas sociedades de tecnologia simples, as pessoas crêem que os processos da natureza e o sucesso do esforço humano estão sob controle de entidades fora do alcance da experiência e cuja intervenção pode mudar o rumo dos acontecimentos. A palavra usada geralmente para descrever essas entidades é: “sobrenatural”.
Segundo Bottomore, as obras mais consagradas ao estudo sociológico da religião foram as de Émile Durkheim e Max Weber, sendo que, desde então, poucas contribuições teóricas foram feitas a esse assunto.
Durkhein (in BOTTOMORE, 1983, p.220 e seguintes) argumentou que em todas as sociedades há uma distinção entre coisas “sagradas” e “profanas”. A religião é um sistema unificado de crenças e práticas relacionadas com coisas isoladas e proibidas (crenças e práticas que unem numa única comunidade moral, chamada Igreja todos os que a elas aderem).
Na teoria de Durkheim, os aspectos coletivos da religião são acentuados, a função dos rituais religiosos é afirmar a superioridade moral da sociedade sobre seus membros individuais e com isso manter a solidariedade da sociedade.
Para Durkheim as crenças religiosas se apóiam sobre uma experiência específica, cujo valor demonstrativo é diferente mas não inferior ao fornecido pelas experiências científicas, e acrescenta que se a experiência religiosa tem fundamento isso não significa que esses fundamentos sejam exatamente os que os crentes lhe atribuem. O papel essencial da religião não é enriquecer nossos conhecimentos, é ajudar-nos a viver, tornar-nos mais fortes. É o que fazem o rito e sua repetição em intervalos mais ou menos regulares.
Vila Nova se refere a esta questão da seguinte forma:
A sociedade é também, em grande medida, aquilo que as pessoas acham que ela é ou deve ser” (VILA NOVA. 1985, p.55).
Ainda conforme Bottomore (BOTTOMORE. 1983, p.222 e seguintes), toda sociedade necessita reafirmar, em intervalos regulares, os sentimentos coletivos, as idéias coletivas, que lhe dão unidade e originalidade. Esta é a finalidade e o papel das cerimônias religiosas. Este é o elemento eterno da religião que sobrevive às diversas e efêmeras expressões simbólicas. Em suma, para Durkheim, a religião garante a integração dos grupos sociais, ela é a força soberana da integração social.
Toda sociedade tem preferências fundamentais que fazem dela um grupo particular, com seus costumes, seus hábitos, sua organização, que mantém sua existência. A religião exprime estas preferências, estes valores primários e os relembra continuamente pelo culto. Com isso mantém a unidade profunda entre os membros da sociedade, acentuando valores essenciais e acessíveis, numa comunhão em que um recebe sem tirar do outro. Ela garante ao grupo uma unidade que transcende oposições de interesses econômicos, políticos e até mesmo culturais e ideológicos.
Já Max Weber (in BOTTOMORE, 1983, p.223 e seguintes) ocupa-se com um único aspecto principal da ética religiosa, ou seja, suas conexões com a ordem econômica. Weber examina essas conexões de dois pontos de vista: a influência de determinadas doutrinas religiosas sobre o comportamento econômico e a relação entre a posição de grupos no sistema econômico e tipos de crença religiosa. Interessam-lhe menos as doutrinas éticas, tais como os teólogos as expõe, do que na sua forma popular como guias do comportamento cotidiano. O trabalho mais conhecido de Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, que foi o ponto de partida de seus estudos da religião, visa mostrar o papel desempenhado na origem e desenvolvimento do capitalismo moderno pela ética calvinista. A tese é em resumo o seguinte:
O Calvinista, jamais convicto de ser um dos eleitos (para a vida eterna), busca indícios dessa eleição na sua vida terrena e os encontra na prosperidade de seus empreendimentos. Mas não lhe é permitido desfrutar o ócio, em conseqüência de seu êxito, ou usar o dinheiro em busca do luxo ou prazer. Assim, é obrigado a reempregar o dinheiro em negócios, e a formação do capital ocorre em conseqüência dessa obrigação acética de salvar-se. Além disso, somente o trabalho regular e racionalizado, a contabilidade exata que torna possível o estado dos negócios a qualquer momento e o comércio pacífico são coerentes com o espírito dessa moralidade., pois o calvinista é senhor de si mesmo, desconfia dos instintos e paixões, é independente e tem confiança apenas em si, estuda e reflete sobre seus atos como o capitalista deve fazer... Weber apresentou o protestantismo como um exemplo favorável que nos permite compreender a forma pela qual as idéias agem na história. As concepções teológicas e éticas dos protestantes foram influenciadas em sua formação por várias circunstâncias sociais e políticas, e, além disso, não tiveram influência direta sobre as questões econômicas. Mas as idéias têm sua própria lógica e dão origem a conseqüências que podem ter uma influência prática. Assim os dogmas do calvinismo, estabelecidos na consciência de indivíduos pertencentes a determinados grupos, provocou uma atitude particular para com a vida e uma forma específica de comportamento. Após o desenvolvimento econômico favorecido pela ética protestante, o calvinismo, apoiado numa base mecânica, não precisou mais do abrigo da religião, a ética está em processo de secularização, porém suas bases (racionalidade, trabalho como um fim em si mesmo, moderação no consumo, busca incessante pela riqueza, repúdio ao ócio, etc) impregnaram a sociedade, despidas de sua roupagem ética religiosa” (BOTTOMORE. 1983, p.224).
Ainda sobre a religião, como instituição social que pode operar como obstáculo ao desenvolvimento econômico, temos em Kindleberger:
A religião é um outro fator social considerado importante para o desenvolvimento econômico. Max Weber e R.H. Tawney deram ênfase à ligação existente ente a Reforma Protestante e o crescimento econômico, passando pelos preceitos puritanos de amor ao trabalho, à poupança e de satisfação espiritual através do trabalho. Erich Fromm divide as religiões em masculinas e femininas, sendo as primeiras caracterizadas pelo protestantismo e judaísmo, que ressantam o amor paternal a exigir do filho desempenho e as segundas representadas pelo catolicismo, principalmente, anterior à reforma, o qual oferecia o amor do filho pelo seu próprio valor. As religiões masculinas pregam a salvação através do trabalho, que inclui realização em termos de dinheiro, ao passo que as femininas pregam a salvação futura e, conseqüentemente, a satisfação com o que se tem” ( KINDLEBERGER. 1976, p.29).
Não resta dúvida, tendo em vista a obra dos autores citados e, ainda, Lucy Mair (MAIR. 1982, p.200 e seguintes), de que a religião é uma das instituições mais importantes para a organização social, precisamente pelo seu conteúdo moral. A religião, referindo-se predominantemente ao sobrenatural, reflete-se, no entanto, no comportamento real das pessoas. É por isso que ela interessa à investigação sociológica e econômica. As crenças e os valores religiosos são fatores muito poderosos de formação de atitudes. A religião, por esse motivo, é um dos mais fortes componentes do caráter, do modo de ser de qualquer povo. Mesmo nas sociedades secularizadas de hoje, nas quais os indivíduos tendem a orientar as suas ações por critérios utilitaristas e pragmáticos, a religião está presente até mesmo no comportamento das pessoas que se dizem não religiosas, precisamente pelo fato de que os ideais éticos da religião, estando presentes em toda a cultura, são inculcados pela socialização em todos os indivíduos. Esta é a razão pela qual podemos falar em culturas de tradição judaico-cristã, em culturas católicas ou muçulmanas. Portanto, a tomada de atitudes vitais ao desenvolvimento, tais como riqueza, poupança, trabalho, procriação, invenções, estrangeiros, aventura, formação do espírito de empresa, etc... são profundamente influenciadas pela religião que ainda atua fortemente sobre outras instituições como a família, embora, também sofra influência destas.

2.5 – Os Costumes:
Os costumes, de acordo com Bottomore (BOTTOMRE. 1983, p.212 e seguintes), não têm a forma de elaboração sistemática que encontramos no caso da lei, moralidade ou religião. Há certa imprecisão e por vezes ambigüidade em relação às infrações do código de comportamento que determinam e em relação às punições. Ao estudar-se os costumes, chegou-se à conclusão que nem a força do hábito nem o respeito pela tradição pública, nem o medo de seres sobrenaturais poderiam explicar totalmente a conformidade. Acentuou-se o papel das “obrigações compromissantes” e da “reciprocidade” como estímulos positivos ao comportamento habitual. Observou-se que a vida numa comunidade primitiva envolve todas as pessoas em obrigações semelhantes à primeira. Essas obrigações são cumpridas em parte devido à opinião pública e ao interesse próprio: é compensador, sob vários aspectos, agir como se deve e, se não for assim, haverá perda de benefícios e da estima social.
Até nas modernas sociedades industriais a importância do costume está longe de ser desprezível, pois grande parte da religião é antes habitual do que produto da reflexão e as relações sociais comuns são regulamentadas em grande parte pelo costume e opinião pública. Portanto, uma vez formado o costume pela atuação da lei, moralidade, religião e pela ação da reciprocidade, mesmo que tais costumes não tenham mais razão de ser, eles permanecem na sociedade.

2.6 – Personalidade Cultural
Assim como os indivíduos possuem uma personalidade individual as sociedades possuem também, como um todo, a sua personalidade, isto é, os indivíduos agem de maneira semelhante em situações parecidas. Essas características de cada sociedade são formadas ao longo do tempo principalmente pela atuação das instituições sociais (família, religião, educação, costumes, economia, direito, etc.).
A personalidade somente se desenvolve através da socialização e dessa maneira reproduz de algum modo os estados e movimentos do ambiente social no qual ela está inserida.
Exemplos conhecidos de personalidade social são, por exemplo: a capacidade de cooperação dos dinamarqueses (KINDLEBERGER. 1976, p.36), uruguaios e neozelandezes, assim como a capacidade de trabalho dos alemães.

2.7 – Mudança Social
A sociedade é também uma realidade que se transforma continuamente. Algumas sociedades transformam-se com grande rapidez. Outras mudam mais vagarosamente. As sociedades tradicionais (mais isoladas) transformam-se mais lentamente do que as sociedades do tipo urbano-industrial. Toda mudança social acarreta necessariamente transformações no acervo cultural de um povo, portanto no domínio das crenças, dos valores, das atitudes, dos costumes, etc.
Muitas podem ser as causas de mudança social. Fatores geográficos (clima, cataclismos, recursos naturais, etc.). Outro fator importante é a liderança, notadamente de pessoas carismáticas (Lutero, Calvino, Lênin, Getúlio Vargas, etc), fenômenos demográficos.
No entanto, o estudo sociológico nos levou a não dar grande importância a esses fatores, pois os mesmos atuam conjugadamente com fatores sociológicos (a reação humana aos fenômenos naturais e a socialização dos líderes carismáticos são resultado da ação da socialização e, portanto, são afetados por fenômenos sociológicos).
Os fatores mais importantes da mudança social são, conforme aceito pela maioria dos autores, a descoberta, a invenção, e a difusão por contato sócio-cultural, sobre os quais discorreremos a seguir, conforme Vila Nova (VILA NOVA. 1985, p.112 e seguintes).
      1. Descoberta: é todo e qualquer conhecimento acrescentado ao acervo de informações e explicações existentes numa sociedade, enquanto invenção é toda aplicação original do conhecimento disponível. As descobertas só se tornam causa de mudança social quando são efetivamente aplicadas, ou seja, quando são transformadas em invenções. Exemplo: máquina à vapor (invenção material), banco, voto secreto (invenções sociais).
      1. Difusão: “Para alguns cientistas sociais, como o antropólogo George M. Foster, o mais importante fator de mudança da cultura é o contato entre sociedades. É através do contato entre sociedades que descobertas e invenções são difundidas e incorporadas em muitas sociedades. A pólvora que tanto contribuiu para a transformação do mundo ocidental é uma invenção chinesa. O contato entre sociedades tende a provocar também a difusão de valores, crenças, normas, atitudes e aspirações, o que constitui num importante fator de mudanças sociais. O crescente aperfeiçoamento dos meios de comunicação de massa tem sido causa da intensificação dos contatos entre sociedades. Desse modo os meios de comunicação de massa são hoje um dos mais eficientes meios de mudança social. Ao mesmo tempo as sociedades tradicionais simples de economia predominantemente agrária são mais resistentes à absorção de novos padrões culturais, enquanto as sociedades secularizadas do tipo urbano-industrial tendem a ser mais receptivas à mudança. Tem-se verificado que as áreas institucionais às quais pertencem os valores básicos e as normas sagradas são precisamente as de maior resistência à mudança.” (VILA NOVA. 1985, p.112).
Logo, é compreensível que, universalmente, família e religião sejam as áreas de atividade nas quais as pessoas apresentam uma tendência mais acentuada à resistência, à mudança social. Esta é a razão pela qual as mudanças no plano dos valores ético-religiosos tendem a afastar a organização da sociedade como um todo. Mas esta constatação não significa, por outro lado, que as mudanças na tecnologia e na economia não afetem as instituições da família e da religião. Existe um princípio sociológico que diz que transformações em qualquer domínio institucional da sociedade tendem a afetar outros domínios e, em conseqüência, toda a sociedade. Mas, de acordo com Lewis e Lauterbach, e tendo em vista os mecanismos sociológicos já citados, a família e a religião, como instituições, operam como um obstáculo, embora não intransponível, a essas mudanças, as quais se não são impossibilitadas, o são certamente atrasadas.

2.8. Influências sócio-culturais ao desenvolvimento econômico
Como vimos, há uma influência mútua entre as variáveis econômicas e as não econômicas no processo de desenvolvimento econômico. As atitudes que os indivíduos, e num plano mais alto a sociedade, toma com relação ao trabalho, riqueza, poupança, procriação, invenções, estrangeiros, aventura, etc., são condicionadas pelas instituições sociais. Os indivíduos são socializados pela família e pela escola (ciência), mas ambas recebem fortes influências da religião e dos costumes. Essas influências podem operar, na teoria de Lewis e Lauterbac, como obstáculos ao desenvolvimento econômico, retardando as mudanças sociais necessárias ao processo de desenvolvimento, as quais podem ser resumidas em:
2.8.1. Racionalidade, na percepção: a percepção ou maneira pela qual o indivíduo interpreta o mundo físico que o rodeia, tende a mudar do irracional para o racional, ou da superstição para a razão, a medida que as sociedades se desenvolvem.
2.8.2. Universalidade, na associação: em termos de associação, o desenvolvimento traz consigo uma mudança do particularismo para a universalidade (ou realização). De acordo com o primeiro, os papéis na sociedade são escolhidos conforme a família do indivíduo, sua religião, casta e renda; de acordo com o segundo, a escolha se faz com base na capacidade de desempenhar um determinado papel.
2.8.3. Especificidade, nas relações: as relações essenciais variam desde as difusas, nas quais os limites das obrigações das pessoas para com os semelhantes são muito fluidos, até as específicas, em que os limites são definidos sob a forma de contratos.

A gritante disparidade entre as sociedades desenvolvidas e ricas e as sociedades tradicionais e pobres, que representam quase dois terços da humanidade, ocasionou até uma especialidade dentro da sociologia: a sociologia do desenvolvimento, cujos estudos muito têm auxiliado os economistas, especialmente os ligados à Teoria do Desenvolvimento Econômico.
Após esta necessária incursão pela Sociologia, onde examinamos, dentro das possibilidades deste trabalho, como as instituições sociais atuam na formação e transmissão das atitudes às quais nos referimos no primeiro capítulo, passamos à análise das características dominantes da sociedade brasileira e sua relação com o desenvolvimento econômico, tendo em vista as teorias de Lauterbach e Lewis.



Capítulo III – A Sociedade Brasileira: suas características sócio-culturais e o desenvolvimento econômico.

Neste terceiro capítulo procuraremos investigar a existência de características sociais inibidoras ou facilitadoras do desenvolvimento econômico, tendo em vista as teorias analisadas no primeiro capítulo. Para isso recorreremos a dois dos mais renomados “pensadores” da sociedade brasileira: Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda.

3.1. Formação da Sociedade Brasileira
Nossa sociedade foi formada, segundo Sérgio B. de Holanda (HOLANDA. 2000, p.31) e seguintes) Gilberto Freire (FREIRE. 1986, p.219 e seguintes) com base na cultura lusitana que os portugueses implantaram no Brasil quando de sua descoberta. Uma vez que essa cultura imposta pelos descobridores não encontrou muita resistência por parte dos ameríndios, que eram povos nômades que viviam da caça, pesca e do consumo de vegetais, que não eram cultivados, mas extraídos, ela prevaleceu sem dificuldades. A cultura lusitana implantada num território extenso, dotado de condições naturais, se não adversas, largamente estranhas à tradição milenar é, nas origens da sociedade brasileira, um fato dominante.

3.2. Costumes
Antes de discutirmos a herança recebida dos portugueses, temos que, em primeiro lugar, averiguar quem eram e como foi formada a sua cultura, ainda com base nos estudos de Freire (FREIRE. 1986, p.230 a 234).
O lusitano é um povo étnica e culturalmente heterogêneo. Da era paleolítica, não se tem conhecimento preciso para dizer se seus elementos vieram da África ou pertenceram à Europa. Há quem admita origem européia. Mas nos períodos paleolítico superior e neolítico houve um intenso contato entre a Península Ibérica e a África. Chegaram depois gregos e cartagineses, no Sul e Celtas, no norte, os quais vêm dar um novo colorido ao povo. Já nos tempos históricos, chegaram os Romanos que influíram sensivelmente na economia, política e, principalmente, sobre a cultura moral. A população foi dominada, mas não esmagada. Vieram depois os alanos, os vândalos, os suevos e os visigodos, completando três séculos de dominação. Mas aconteceu algo novo, foram os invasores que se submeteram ao credo dominante dos hispano-romanos, o catolicismo. Finalmente chegaram os mouros que se demoraram, mas foram, por fim, vencidos. Embora derrotados, os sarracenos deixam uma influência indelével no elemento físico e cultural do Luso.
O português é um povo cosmopolita. Além das muitas invasões estrangeiras, a Península Ibérica sofreu ainda influência de muitos outros povos, em razão de sua posição geográfica. A Península Ibérica funciona como um território-ponte, por onde a Europa se comunica com os outros mundos. Dessa forma pode-se dizer que Portugal e Espanha formam uma espécie de zona de transição, com características européias menos evidentes. Surgiu assim um tipo de sociedade que se desenvolveria, em alguns sentidos, quase às margens das congêneres européias.
Uma das características mais peculiares dos Ibéricos, desde os tempos mais remotos, é, segundo Holanda (HOLANDA. 2000, p.31 a 33), a “cultura da personalidade”: onde atribui-se importância particular ao valor próprio da pessoa humana, à autonomia de cada um dos homens em relação aos semelhantes. É dessa característica que resulta largamente a singular tibieza das formas de organização, de todas as associações que impliquem solidariedade e ordenação entre os povos. Essa característica fazia com que a estrutura social fosse frouxa e não houvesse uma hierarquia organizada. A falta de coesão em nossa vida social não representa, assim, um fenômeno moderno.
Outro traço que caracteriza o português, ainda segundo Holanda, muito mais que os seus vizinhos espanhóis é a sua adaptabilidade. Talvez, por sua origem étnica híbrida, os portugueses caracterizam-se por uma grande adaptabilidade, a qualquer região do globo desde o ártico gelado até as zonas tórridas próximas ao equador. Essa característica foi fundamental para a instalação de colônias tropicais, onde o português, por absoluta debilidade demográfica, teve que procriar com mulheres nativas e posteriormente negras, dando início a um processo de miscigenação muito característico do Brasil.
A característica a que nos referimos, há pouco, da cultura da personalidade (Holanda. 2000, p.37 e seguintes), resultou, ainda, a antipatia pelas teorias negadoras do livre arbítrio, ou seja, onde o mérito e a responsabilidade individual não encontrassem pleno reconhecimento. Sobre esse tema, Holanda vai ainda mais longe:
Foi essa mentalidade, justamente, que se tornou o maior óbice entre eles, ao espírito de organização espontâneo, tão característica de povos protestantes, e sobretudo calvinistas, porque, na verdade, as doutrinas que apregoam o livre arbítrio e a responsabilidade pessoal são tudo, menos favorecedoras da associação entre os homens. Nas nações Ibéricas, à falta dessa racionalização da vida, que tão cedo experimentaram algumas terras protestantes, o princípio unificador foi sempre representado pelos governos. Nelas predominou o tipo de organização política artificialmente mantida por uma força exterior, que nos tempos modernos encontrou uma das suas formas características nas ditaduras militares” (HOLANDA. 2000, p.37).
Quanto à questão relacionada às atitudes do português com relação ao trabalho temos:
Um fato que não se pode deixar de tomar em consideração, no exame da psicologia desses povos, é a invencível repulsa que sempre lhe inspirou toda moral fundada no culto ao trabalho. Sua atitude normal é, precisamente, o inverso da que, em teoria, corresponde ao sistema do artesanato medieval, onde se encarece o trabalho físico, denegrindo o lucro, o lucro torpe. Só muito recentemente, com o prestígio maior das instituições dos povos do norte, é que essa ética do trabalho chegou a conquistar algum terreno entre eles”.
É compreensível, assim, que jamais se tenha naturalizado entre a gente hispânica a moderna religião do trabalho e o apreço à atividade utilitária. Uma digna ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até mais nobilitante, a um bom português ou a um espanhol do que a luta insana pelo pão de cada dia. O que ambos admiram como ideal é uma vida de grande senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação. E assim, enquanto povos protestantes preconizam e exaltam o esforço manual, as nações ibéricas colocam-se ainda largamente no ponto de vista da Antigüidade clássica. O que entre eles predomina é concepção antiga de que o ócio importa mais que o negócio e de que a atividade produtora é, em sí, menos valiosa que a contemplação e o amor”. (HOLANDA. 2000, p.38).
É facilmente compreensível, em face do exposto, que a carência dessa moral do trabalho se ajustasse bem à reduzida capacidade de organização social a que nos referimos. A solidariedade entre os portugueses e espanhóis só existe, e isto é importante, onde há vinculação de sentimentos, mais do que relações de interesses.
O português encarna o tipo aventureiro (HOLANDA. 2000, 44 e seguintes), para o qual o ideal é colher o fruto sem plantar a árvore. É o tipo que ignora fronteiras, suas energias e esforços dirigem-se para a recompensa imediata. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho que o ideal do trabalho. Portanto o português é o avesso do tipo trabalhador, que enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar.
Completando a visão que o português tinha em relação à riqueza, Holanda arremata:
O que o português veio buscar no Brasil era sem dúvida a riqueza, mas a riqueza que custa ousadia, não a riqueza que custa trabalho. A mesma, em suma, que se tinha acostumado a alcançar na Índia com as especiarias e os metais preciosos” (HOLANDA. 2000, p.49).
Uma outra face bem típica do português é a ausência completa, ou quase completa, de qualquer orgulho de raça (HOLANDA. 2000, p.53 e seguintes). Ao menos o orgulho obstinado e inimigo de compromissos, que caracteriza os povos do norte. Isso explica o fato de serem eles, em parte, e já ao tempo do descobrimento do Brasil, um povo de mestiços (os negros representavam a quinta parte da população de Lisboa em 1541). Eles são distinguidos de seus vizinhos espanhóis, em termos raciais, por ostentarem um contingente maior de sangue negro.
Outro aspecto peculiar da vida brasileira, que herdamos como nos casos anteriores do colonizador português, foi uma acentuação enérgica do afetivo, do irracional, do passional, e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Um exemplo bem típico dessa irracionalidade e passionalidade que herdamos de nossos colonizadores e que se conserva em nossos costumes é o “mutirão” que funda-se, desde os tempos mais remotos, na expectativa de auxílio recíproco.
Um exemplo desse tipo de comportamento, descrito por Holanda, foi chamado por um observador setecentista de o “espírito da caninha”:
Outros costumes, como o do muxirão ou mutirão, em que os roceiros se socorrem uns aos outros nas derrubadas de mato, nos plantios, nas colheitas, na construção de casas, na fiação do algodão, teriam sido tomados de preferência ao gentio da terra e fundam-se ,ao que parece, na expectativa de auxílio recíproco, tanto quanto na excitação proporcionada pelas ceias, as danças, os descantes e os desafios que acompanham obrigatoriamente tais serviços. Se os homens se ajudam uns aos outros, notou um observador setecentista, fazem-no `mais animados pelo espírito da caninha que pelo amor ao trabalho`... Por outro lado, seria ilusório pretender relacionar a presença dessas formas de atividade coletiva a alguma tendência para a cooperação disciplinada e constante. De fato o alvo material do trabalho em comum importa muito menos, nestes casos, do que os sentimentos e inclinações que levam um indivíduo ou um grupo de indivíduos a socorrer o vizinho ou amigo precisado de assistência”.
Ainda seguindo Holanda (HOLANDA. 2000, p.60 e 61), colocando os sentimentos num plano muito superior ao dos objetivos materiais, chega-se à conclusão de que em nossa sociedade é também mais comum o comportamento de rivalidade do que o da competição, pois tanto a competição como a cooperação são comportamentos orientados, embora, de modo diverso, para um objetivo material comum: é, em primeiro lugar, sua relação com esse objetivo o que mantém os indivíduos respectivamente separados ou unidos entre sí. Na rivalidade, ao contrário, como na prestância (caso do mutirão), o objetivo material comum tem significação praticamente secundária, o que antes de tudo importa é o dano ou benefício que uma das partes possa fazer à outra.
A repulsa do português à racionalização foi descrita assim por Holanda:
Sucede que justamente a repulsa firme a todas as modalidades de racionalização e, por conseguinte, de despersonalização, tem sido, até nossos dias, um dos traços mais constantes dos povos ibéricos. Para retirar vantagens seguras, em transações com portugueses e castelhanos, sabem muitos comerciantes de outros países que é da maior conveniência estabelecer com eles vínculos mais imediatos do que as relações meramente formais que constituem norma ordinária nos tratos e contratos. É bem ilustrativa a respeito a anedota referida por André Siegfried e citada em outra parte deste livro, acerca do negociante da Filadélfia que verificou ser necessário, para conquistar um freguês no Brasil ou na Argentina, principiar por fazer dele um amigo”.(HOLANDA. 2000, p.133).
Ainda, segundo Holanda (HOLANDA. 2000, p.133 e seguintes), não há dúvida de que esse comportamento social, em que o sistema de relações se edifica essencialmente sobre laços diretos, de pessoa a pessoa, procedam os principais obstáculos que na Espanha, e em todos os países hispânicos (incluindo Brasil e Portugal), se erigem contra a rígida aplicação das normas de justiça e de quaisquer prescrições legais. Podemos compreender, por esses estudos, que o nepotismo que está incrustado em nossa sociedade e, principalmente, na máquina estatal, está profundamente enraizado em nossa cultura, desde o descobrimento. Esse contraste com a chamada “mentalidade capitalista” não é um fenômeno recente. Obras setencentistas e mesmo atuais mostram nos portugueses, em todas as épocas, que se tem notícia, o gosto imprevidente e desordenado pela pecúnia. A ganância, o amor à riqueza acumulada à custa de outrem sempre existiu em todos os povos e não pode ser considerado como característico da mentalidade capitalista. Nada indica, ainda segundo os estudos de Sérgio Buarque de Holanda, que os ibéricos tenham gosto menos pronunciado que outros povos por bens materiais.
Podemos resumir todos esses traços característicos da personalidade social do português, que acabamos de mostrar, da seguinte forma, sempre baseados nos estudos de B. de Holanda:
  • Cultura da personalidade, tibieza das formas de organização (que explica algumas das características seguintes).
  • Extrema adaptabilidade.
  • Repulsa pela moral protestante, fundada no culto ao trabalho.
  • Gosto pelo ócio.
  • Aventura, gosto pelo ganho fácil e rápido.
  • Ausência de orgulho de raça.
  • Irracionalidade, passionalidade (repulsa pela racionalização).
  • Comportamento de rivalidade sobrepondo-se ao de competição.
  • Nepotismo.
  • Ganância e avareza, gosto pela especulação.

É importante verificar não só o lado pejorativo dessas características, pois sem algumas delas, como a adaptabilidade, a falta de orgulho de raça, a aventura, não seria possível a colonização do Brasil, como ocorreu, pois poucos povos poderiam se adaptar a um clima tão agressivo e com uma população tão pequena colonizar através da miscigenação um território tão extenso. Quanto à sobrevivência de tais características pode-se dizer que nem o contato com raças indígenas ou adventícias fizeram-nos tão diferentes dos nossos avós de além-mar como às vezes gostaríamos de sê-lo. No caso brasileiro, a verdade é que ainda nos associa à península Ibérica, a Portugal, uma tradição longa e viva, bastante viva para nutrir, até hoje, uma alma comum, a despeito de tudo quanto nos separa. Podemos dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma.

3.3. Religião
O catolicismo, segundo Pedro A. R. Oliveira (OLIVEIRA. 1985. P.112 e seguintes) foi implantado no Brasil desde a chegada dos colonizadores portugueses, como a religião oficial do Estado. Esse estatuto é conservado até a proclamação da República, quando se separam igreja e Estado. O catolicismo implantou-se no Brasil como religião de Estado, sendo um dos elementos essenciais da empresa colonial portuguesa. Ser cristão, ou no contexto português ou brasileiro ser católico, era condição indispensável para o direito de cidadania e até para receber sesmaria. Mas seria um erro encarar o catolicismo no Brasil unicamente como religião do Estado. Pois com a chegada dos primeiros portugueses (como atestam os nomes dados aos primeiros acidentes geográficos encontrado: Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, etc) começou a ser introduzido o catolicismo popular português no Brasil.
Analisemos agora as características desse “catolicismo popular”. O catolicismo popular, segundo Oliveira, é:
... o conjunto de representações e práticas religiosas dos católicos que não dependem da intervenção da autoridade eclesiástica para serem adotadas pelos fiéis. Concretamente chamamos de catolicismo popular as representações e práticas relativas ao culto dos santos e à transação com a natureza e não os sacramentos e a catequese formal.”(OLIVEIRA. 1985, p.113).
No catolicismo popular (OLIVEIRA. 1985, p.114 e seguintes) os santos são concebidos como seres pessoais e espirituais dotados de poderes sobrenaturais e capazes de influir diretamente sobre o curso da vida e da natureza. Os santos vivem no céu, mas de acordo com as crenças do catolicismo popular, estão ao alcance dos homens, na terra, através de suas imagens. Essa crença é importante pois possibilita o contacto direto entre o fiel e o santo. Esse contato pode se dar sem que seja preciso qualquer tipo de intervenção, ou mediação de especialistas eclesiásticos. No catolicismo popular encontramos dois modos básicos de culto: o modo contratual e o modo de aliança.
No primeiro caso o fiel pede uma graça ao santo, obrigando-se a um ato de culto pelo qual o santo seja recompensado pela graça alcançada (sob forma de promessa).
No caso da aliança, ao contrário do modo contratual, o que está em jogo não é uma graça determinada mas uma relação permanente de devoção e proteção. O fiel se faz devoto do santo (por escolha própria ou por oferta dos pais após o nascimento), esperando deste que seja seu protetor celeste, uma espécie de padrinho do céu. Desta forma o devoto presta culto ao santo para agradá-lo (como obrigação) e não para pedir uma graça em particular. O culto aos santos é o núcleo principal do catolicismo popular, mas existe ainda o culto à divindade suprema, embora Deus não seja objeto de culto específico. Mas sua representação como criador e senhor do universo é essencial ao catolicismo popular, uma vez que os santos só tem poder porque estão ao seu lado. Nada acontece no céu ou na terra sem consentimento dele.
Os desígnios divinos são concebidos como estando fora do alcance dos homens que são incapazes de conhecê-los e menos ainda de influenciá-los. Contam apenas com a ajuda dos santos que estão perto de Deus e que podem influenciá-lo para que seja misericordioso. Essa concepção de Deus como ser onipotente que submete os homens a provações terrenas para que eles adquiram méritos para sua salvação eterna, conforme desígnios que só ele formula, não está sistematizada em forma de doutrina religiosa. Porém ela é perceptível nos relatos da vida dos santos e na vida de Jesus. Essa concepção de Deus, no catolicismo popular é fundamental pois explica o poder dos santos e a ordem do mundo. Tudo o que existe no mundo foi criado por Deus e sem ele nada existe nem acontece. Há pois uma idéia de destino, de fatalidade. As pessoas são ricas ou pobres, sadias ou doentes porque Deus assim quis. A idéia de destino está ligada à ordem. Todo o mundo é organizado por Deus e cada um cumpre o papel que lhe é designado. O homem deve submeter-se a seu destino, passando pelas provações (como os santos), para ganhar o céu e a salvação.
Os oratórios (domésticos), as capelas e santuários constituem, por assim dizer, o eixo físico em torno do qual se organiza o culto dos santos. É o eixo organizador do catolicismo popular, aonde agentes religiosos conduzem os atos de culto aos santos padroeiros e protetores. Deve ser assinalado que esses agentes são em sua totalidade leigos. Nos oratórios domésticos, nas capelas e nos santuários, os agentes religiosos que de uma ou outra forma dirigem o culto, não recebem nenhuma ordenação religiosa, nem formam entre si uma hierarquia. Os agentes religiosos (ermitães, capelães, rezadoras, festeiros, irmãos, etc) desempenham, é claro, um papel próprio, que os distingue de outros leigos que não têm outro papel senão de participantes do culto, porém não precisam de qualquer autorização por parte das autoridades eclesiásticas.
O catolicismo popular, conforme Oliveira (OLIVEIRA. 1985, p.135 e seguintes) pode ser encarado como um conjunto de representações e práticas religiosas autoproduzidas pelas classes subalternas, usando o código do catolicismo oficial (os significantes), mas lhes dá uma significação própria, que pode opor-se à significação que lhes é oficialmente atribuída pelos especialistas. O resultado é que o mesmo código religioso é diferentemente interpretado pelas diferentes classes sociais de maneira que, sob uma unidade formal, escondem-se, de fato, diversas representações e práticas religiosas. Tal maleabilidade real, prática, do catolicismo, lhe permite ser, ao mesmo tempo, a religião dos dominantes e dos dominados. Isso explica ainda o caso do sincretismo religioso afro-brasileiro que é exemplar: usando significantes católicos, os africanos conseguiram reproduzir, no Brasil, suas crenças e seus rituais sem que o clero os perseguisse. A unidade religiosa de todo social realiza-se ao nível dos significantes, permitindo grande diversidade ao nível dos significados conforme as diferentes classes, grupos e etnias, de modo a não colocar em xeque o catolicismo como religião oficial do Estado. Todos eram católicos, todos recebiam os sacramentos, todos afirmavam ter as mesmas crenças e aceitar as mesmas normas morais e todos respeitavam as autoridades eclesiásticas, embora no cotidiano cada qual praticasse o catolicismo a sua maneira.
Essa forma de culto, que tem antecedentes na península Ibérica, também aparece na Europa medieval e justamente com a decadência da religião palaciana, em que a vontade comum se manifesta na edificação dos grandiosos monumentos góticos. No Brasil o rigorosismo do rito é afrouxado e se humaniza. Há uma religiosidade menos atenta ao sentido íntimo das cerimônias que ao seu colorido e pompa exteriores.
No catolicismo popular, para Oliveira (OLIVEIRA. 1985, p.145 e seguintes) o aparelho eclesiástico só tem uma sólida organização quando da conquista colonial e catequese dos índios, isso dura até que os jesuítas são expulsos do Brasil, no século XVIII pelo Marquês de Pombal, após isso (após estruturada a dominação senhorial e completada a dominação) o aparelho eclesial assume a função da manutenção da unidade religiosa e moral do todo social e a organização da vida coletiva. Para isto bastam algumas centenas de padres, localizados nas cidades e fazendo visitas às capelas e santuários do interior. Havia apenas um mínimo de articulação entre os agentes religiosos do catolicismo popular e os agentes do catolicismo oficial (por meio de visitas), dessa forma a unidade religiosa e moral foi assegurada.
È necessário assinalar a perfeita integração do catolicismo popular com o regime senhorial que existia no Brasil. Isso ocorria, como já dissemos, pela maleabilidade do catolicismo popular, cujas práticas são ordenadas pelos costumes religiosamente sancionados. A relação entre senhores e escravos e entre senhores e camponeses e, portanto entre fracos e fortes estava inscrita nos costumes e sancionada pela religião, mais do que por normas legais, principalmente pela instituição do compadrio. Aos mais poderosos eram dados os filhos dos mais fracos para batismo e se tornavam guardiões dos mais fracos, o que na realidade funcionava como uma espécie de sanção religiosa ao que já ocorria na prática. Esse procedimento pode ser comparado ao da relação entre o fiel (afilhado) e o santo (padrinho), o qual, em troca de proteção, oferecia o seu culto e a sua obediência.
Dessa forma a religião mantinha a estabilidade social, que durou do descobrimento até a proclamação da República influenciando fortemente nossa sociedade até os dias de hoje.
Esse equilíbrio foi rompido quando da abolição da escravatura e a introdução do sistema capitalista; a gradual substituição do colono e depois do meeiro pelo trabalhador assalariado quebrou a sanção religiosa que mantinha a sociedade em equilíbrio, a relação paternalista contra o senhor e o escravo ou camponês foi substituída por uma relação de troca entre patrão e empregado, foi então que deu-se a separação do catolicismo com o estado e uma ampliação do sistema eclesiástico nacional, levando a uma romanização do catolicismo popular, isto é, o estabelecimento de novas relações entre o padre e o leigo (destituição dos agentes religiosos leigos de suas funções que passaram a ser exercidas pelos sacerdotes, combate ao catolicismo popular com a substituição do culto aos santos pela prática dos sacramentos e a difusão da doutrina da salvação, conduzida pela Santa Sé (Roma). Dessa forma, como verificamos nos estudos de Oliveira (OLIVEIRA. 1985, p.311 e seguintes) houve uma valorização dos rituais dos sacramentos de forma a fortalecer nos fiéis a doutrina embutida nesses rituais. Pois como os sacramentos (batismo/nascimento, crisma/adolescência, casamento/adultos e missa de sétimo dia/morte) acompanham o indivíduo durante todas as fases de sua vida a prática dos mesmos conduziria à salvação, pois é como se fosse um acompanhamento divino de sua vida, purificando-a.
A doutrina católica da salvação postula duas vias de acesso à felicidade eterna: os sacramentos e a prática das virtudes. As duas se complementam. A prática das virtudes corresponde à caridade que é interpretada como o amor ao próximo numa dimensão interpessoal, em referência ao amor que une Deus e os homens, é o cerne da ética católica.
Apesar da romanização, os traços principais do catolicismo popular sobrevivem até nossos dias, embora muitos dos seus cultos tenham se secularizado ou passado para o campo do folclore, como a folia de reis, que de qualquer forma ainda estão presentes. Vejam, por exemplo, as cada vez mais numerosas romarias à cidade de Aparecida do Norte (SP), onde os fiéis procuram visivelmente a imagem da santa e onde a missa e os sacramentos aparecem em um plano nitidamente inferior, apesar dos esforços em contrário dos religiosos; outro exemplo são as romarias à imagem do “padre Cícero” que sequer foi canonizado, ou beatificado pelas autoridades católicas!
Uma das conseqüências do processo de romanização (padronização dos rituais e maior proximidade com o aparelho eclesial) foi a formação de “novas” religiões, cujos rituais estavam inseridos nos rituais católicos, como as religiões africanas (Umbanda, Candomblé, etc.) protestantes (metodismo), espíritas (kardecismo), etc; porém esse processo sendo relativamente novo e processando-se de forma relativamente lenta precisa ser mais profundamente analisado (ver romanização em OLIVEIRA. 1985, p.279 e seguintes).
A partir do exposto, já podemos sintetizar algumas características da religião católica praticada no Brasil e que atua no sentido de moldar as atitudes de nosso povo.
A – Personalismo: ligação direta e pessoal com os santos (imagem)
B – Cultos livres e sem intervenção direta das autoridades eclesiais.
C – Irracionalidade: os espíritos têm poder para interferir na natureza (milagres)
D – Paternalismo: o santo (o mais forte) protege seus devotos (os mais fracos) e exige em troca o culto (obediência).
E – Fatalismo: tudo o que ocorre ou puder vir a ocorrer será pela vontade de Deus, que organiza todo o mundo. O homem nada pode fazer para mudar esse estado de coisas.
F – Resignação: provações e sofrimento como mérito que conduz à vida eterna (salvação).
G – Maleabilidade: fácil adaptação a outras religiões (sincretismo). Ausência de conflitos religiosos, desde que a ordem social ditada pelo catolicismo seja mantida.

3.4. Educação
A influência da educação como instituição (ciência) é, para Holanda (HOLANDA. 1979, introdução p.XVIII e seguintes) relativamente nova, data de nosso século, ou melhor ainda, podemos dizer que a educação em massa (primária) ocorreu já na segunda metade do século XX em nosso país. Vejamos os dados de 1870 (portanto já no final do segundo reinado): 78% da população acima dos 14 anos era completamente analfabeta e a população (livre) matriculada em escolas primárias era de apenas 2% do total, o ensino secundário era acessível apenas aos filhos das famílias mais abastadas do país, portanto a igreja era, pelo menos até o início de nosso século o principal, senão o único veículo de influência cultural e moral capaz de atingir o todo da população
Além do alto índice de analfabetismo característico de nosso país, ou do alto índice de evasão escolar, Sérgio B. de Holanda ainda nos mostra uma característica herdada de nossos colonizadores. Retomando o problema dos intelectuais o autor assinala agora a satisfação como saber aparente, cujo fim está em si mesmo e por isso deixa de aplicar-se a um alvo concreto, sendo procurado, sobretudo como fator de prestígio para quem sabe. Já a natureza dos objetivos é secundária, os indivíduos mudam de atividade com uma freqüência que desvenda essa busca de satisfação meramente pessoal. Daí valorizarem-se as profissões literais (HOLANDA. 2000, p.157 e seguintes) que, além de permitirem as manifestações de independência individual prestam-se ao saber de fachada. Devido à crise das velhas instituições agrárias os membros das classes dominantes transitam facilmente para tais profissões, desligadas da necessidade de trabalho direto sobre as coisas, que lembra a condição servil.
Podemos então caracterizar nosso sistema de ensino, pelo menos na primeira metade do século XX, da seguinte forma:
A – Alto índice de analfabetismo e evasão escolar.
B – Elitização.
C – Saber de fachada. O saber como objetivo em si, sem interesse em aplica-lo a um alvo concreto.
Dessa forma podemos constatar a importância da educação, como instituição, no sentido de substituir a igreja na formação social e substituir a irracionalidade pela racionalidade na percepção e interpretação do mundo físico.

3.5. Família
Já vimos neste estudo que as mudanças sociais são originadas nas outras instituições sociais, não nas famílias. A família transmite esses valores via socialização. É a família, profundamente, influenciada por códigos morais e religiosos.
Como vimos, o catolicismo popular e a sociedade senhorial coexistiram por quase quatro séculos harmonicamente. É evidente que essas duas instituições que, naturalmente se completavam (sem que nenhuma tivesse planejado, e mesmo tivesse plena consciência disso) moldaram o tipo de família predominante até o início deste século: a família patriarcal.
Na família patriarcal, tudo gira em torno do patriarca, geralmente senhor de engenho, é o grande latifundiário. Ele é, ao mesmo tempo, o dono de tudo e o que tudo pode. Esposa, filhos, empregados, escravos, todos que vivem no ambiente social devem-lhe a mais irrestrita obediência. É o chefe econômico e político. Seu poder não tem limites. Em troca de proteção ele exige a mais completa obediência. Sua força não se fazia sentir apenas sobre os escravos e a família, pesava também sobre os estranhos que viviam no aglomerado urbano de sua propriedade (homens livres, lavradores, fornecedores de cana, todos, enfim).
Essa organização familiar, para Ramos (RAMOS. Sd, p. 89) que se instalou na casa grande com uma disciplina modelar e um chefe aristocrático até o absolutismo, havia de ter, como teve na sociedade uma grande força de expansão. A família burguesa se decalcou na família patriarcal. Viam-se com efeito, nas famílias burguesas, a mesma constituição da família patriarcal.
Mesmo com a abolição da escravatura e a introdução das formas de produção capitalistas mais modernas, a família extensa e patriarcal continuou existindo. Assim como os latifúndios, o trabalho escravo foi substituído por outros sistemas, porém a estrutura patriarcal manteve-se quase que inalterada, principalmente nas zonas rurais. É o que nos mostra Verena Stolka, em seu trabalho: “A Família Que Não É Sagrada”, parte do livro “Estudo Sobre a Família no Brasil” (STOLCKE. S.d. p. 64 a 90). Em São Paulo os fazendeiros, com a abolição da escravatura, passaram a trazer famílias de imigrantes europeus para o trabalho na terra. Note-se que havia a preferência por famílias com grande número de integrantes capazes. Essas famílias trabalhavam num sistema de contrato de ameia. Os trabalhadores em unidades familiares assinavam um contrato se obrigando a ressarcir os custos que o latifundiário teve com a imigração e as ferramentas de trabalho. Nesse sistema todos os membros da família procuravam produzir o máximo possível (ao contrário dos escravos) para pagar a dívida o mais depressa possível e passar a auferir maiores lucros. Ao mesmo tempo fixavam-se no lugar por muito tempo a fim de saudar suas dívidas. E produziam seus próprios alimentos e utensílios. Dessa forma reproduziram uma sociedade semelhante à anterior em que a família extensa e patriarcal sobreviveu. Esse sistema, de ameia, foi substituído pelo colonato, onde cada família passou a ter a terra arrendada em troca de uma determinada produção. Esses sistema novamente exigia a existência de famílias numerosas; e a família patriarcal e todas as suas características gerais, com poucas modificações, permaneceu. Esse novo sistema, o colonato, uma mistura de contrato por serviços e quantidade produzida persistiu nas plantações de café até 1950. Dessa forma a grande família nuclear foi possibilitada tanto pela própria ideologia dos fazendeiros (uma família com mais braços pode produzir mais) como pelas tradições dos trabalhadores (já comentamos anteriormente).
O fim do colonato (em São Paulo) veio em 1950 com a modernização das lavouras de café, sendo substituído por trabalhadores individuais em contrato temporário. Se levarmos em conta que as lavouras de São Paulo estão entre as primeiras a se mecanizarem, concluiremos que em outras áreas do país o sistema de colonato, e com ele a família extensa sobreviveu mais tempo e ainda sobrevive hoje.
Já nas cidades houve uma lenta substituição da família patriarcal pela nuclear, onde o número de filhos deixa de ser uma garantia de maiores rendimentos para o futuro (pois nas cidades os filhos após o casamento e até antes deixam a família grande para constituírem outras famílias nucleares) e passam a ser apenas grande fonte de despesas para o presente.
De qualquer forma, como já dissemos, essa mudança foi relativamente lenta devido a sobrevivência dos valores éticos e morais e também porque a população das cidades são alimentadas diariamente por imigrantes rurais que vêm às grandes cidades industriais trazendo a sua família estruturada nos moldes patriarcais. Mas como a família é apenas uma transmissora dos valores determinados por outras instituições, concluímos que, ao longo dos anos, ela não recebeu, pelo menos até a década de 1950, influência de códigos morais e religiosos suficientemente novos para alterar de forma significativa as heranças que recebemos ao longo dos séculos dos costumes e da religião católica, notadamente em sua forma popular.
Em função do nosso processo de industrialização ser relativamente novo e concentrado em poucas regiões do país, o seu poder de mudança social não pôde alterar de forma significativa a herança cultural a que nos referimos.

3.6. Atitudes Sociais
Já vimos que as atitudes individuais são moldadas pelas instituições sociais, que estabelecem o modo socialmente aceito de satisfazer determinadas necessidades e realizar certas atividades. Para, então, analisarmos as atitudes sociais que nos interessam especificamente foi preciso, primeiramente, retratar essas instituições teoricamente e, posteriormente, seu desenvolvimento em nossa sociedade procurando isolar as contribuições de cada uma na formação da personalidade cultural do brasileiro. Vimos também que, pelo menos até a década de 1950, a instituição mais influente de nossa sociedade foi a religião católica, principalmente em sua forma popular. Não podemos esquecer ainda que nossa sociedade foi moldada basicamente pela cultura portuguesa, apesar das influências indígenas e africanas, mas de qualquer forma, nos pontos que queremos abordar, conforme os importantes estudos de Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Pedro A R. Oliveira, nos quais nos baseamos. A herança que recebemos da cultura portuguesa continua presente em nossa sociedade, talvez um tanto modificada principalmente pelo crescimento econômico do último meio século, nas grandes cidades, mais ainda muito viva e atuante.
Quanto à atualidade dessa herança, Holanda não deixa dúvidas:
Nem o contato e a mistura com raças indígenas ou adventícias fizeram-nos tão diferentes dos nossos avós de além-mar como às vezes gostaríamos de sê-lo. No caso brasileiro, a verdade, por menos sedutora que possa parecer a alguns dos nossos patriotas, é que ainda nos associa à península Ibérica, a Portugal especialmente, uma tradição longa e viva, bastante viva para nutrir, até hoje, uma alma comum, a despeito de tudo quanto nos separa. Podemos dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma”. (HOLANDA. 2000, p.40).

3.6.1. Trabalho
Quanto às atitudes em relação ao trabalho (estamos falando das atitudes dominantes, características de nosso povo como um todo, não de grupos restritos como as elites minoritárias) foi colocado, na segunda parte deste trabalho, que uma das características que recebemos dos povos ibéricos foi a repulsa pela moral protestante fundada no culto ao trabalho. Note-se que o culto ao trabalho, como um fim em si mesmo, levando as pessoas a trabalhar mesmo que não necessitem desses rendimentos para terem um bom nível de vida, foi apontado por Max Weber como um dos motivos que levaram a maioria dos países protestantes ao desenvolvimento, dentro do capitalismo. O próprio Weber define muito bem o modo como o trabalho é encarado pelos católicos:
o individuo pode alcançar a graça, qualquer que seja o seu tipo de vida, pois não há sentido algum na curta peregrinação da vida em por ênfase em determinado tipo de profissão. O impulso para o lucro material, aquele que supera as necessidades pessoais, deve equivaler, em conseqüência, a uma falta de graça e, aparentemente sendo apenas alcançável a expensas de outros, a um objeto de imediata repressão.” (WEBER. 1987, p.56)
Além disso podemos extrair do pensamento de Weber que a ética católica ainda dificulta a especialização, uma das molas mestras do desenvolvimento econômico.
Como vimos a herança recebida de nossos colonizadores estava muito bem aparada na religião que também nos legaram. Sérgio B. de Holanda nos apontou, ainda, baseado em estudos que cobriram períodos inclusive anteriores ao descobrimento, o gosto pelo ócio que nos foi legado. Essa característica foi sintetizada com rara felicidade por Mário de Andrade em sua obra-prima “Macunaíma”, numa única expressão: “Ai, que preguiça”, que o herói homônimo, que simboliza o povo brasileiro, repetia a cada momento.
Todo esse quadro é agravado quando a igreja católica repete, sistematicamente, que as provações e sofrimento são o caminho da salvação e que nada pode ser mudado contra a vontade de Deus (que ninguém conhece). Isso transforma o católico num conformista, pois o mundo é obra divina e não pode ser mudado por ele com trabalho, mas só por Deus.
O trabalho é visto como uma necessidade desagradável (Adão, segundo a doutrina católica, foi “condenado” a trabalhar para sua sobrevivência, quando foi expulso do paraíso – onde não precisava trabalhar em virtude de ter pecado – desobedecendo a “vontade de Deus”).

3.6.2. Riqueza
Foi colocado, tendo em vista o trabalho de Holanda, que uma das características que o português nos legou foi o caráter aventureiro, que não mede esforços para obter ganhos rápidos e fáceis. Isto o distingue do tipo trabalhador, que observa, ante de mais nada, as dificuldades a vencer. Verificamos ainda as características de ganância e avareza e o gosto pela especulação.
Já vimos também, através dos estudos de Oliveira, que o catolicismo popular adequa-se muito bem a todas as camadas sócio-econômicas, de forma a, na prática, justificar as situações tanto dos pobres quanto dos ricos como sendo a vontade de Deus, que só ele pode mudar. Ao mesmo tempo é uma religião paternalista. Lembremo-nos daquela analogia que citamos: Santo/Patriarca (poderosos) x Fiel/Colono, escravo, familiares (fracos).
Verificamos que não há, nem nos costumes que herdamos da cultura portuguesa, nem na doutrina católica, nada que condene a riqueza e seu usufruto, nem que leve os ricos a procurar obter mais riqueza (além da ganância pura e simples) ou o pobre a procurar mudar de situação. Situação completamente diferente dos países protestantes, desenvolvidos, onde a procura pela riqueza é uma obrigação do fiel para com Deus como nos mostra os estudos de Weber:
Deveis trabalhar para serdes ricos para Deus, e evidentemente, não para a carne ou para o pecado”. A riqueza, desta forma, é condenável eticamente, só na medida que constituir uma tentação para a vadiagem e para o aproveitamento pecaminoso da vida.” (WEBER. 1987, p. 116).
Desta forma, além do fiel ter a obrigação moral de produzir para aumentar a sua riqueza (para Deus) ainda não pode usufruir dessa riqueza, de forma não produtiva, não tendo outra alternativa senão reaplicar sua riqueza na produção e multiplicá-la.
Este fator, para Max Weber, contribuiu muito para o desenvolvimento dos países protestantes. Ao contrário, no caso brasileiro, a atitude para com a riqueza constitui um obstáculo ao desenvolvimento.

3.6.3. Poupança
Quanto à poupança, trata-se de uma conseqüência da atitude para com a riqueza. A religião e os costumes não impedem o usufruto da riqueza, de forma que a parcela abastada da população consumia sua riqueza em forma de artigos de luxo importados de todas as partes do mundo. Não havia, como no caso das sociedades protestantes, uma preocupação de poupar para investir, tanto por parte dos ricos como também dos pobres (ver RAMOS. 1965. p.76/77). O que havia era avareza, a riqueza era ostentada como símbolo de status e poder e não havia preocupação com investimentos, a poupança era gasta em artigos de luxo. Já a imensa camada pobre da população, como nos mostraram Gilberto Freire e S. Buarque de Holanda, além de estar conformada com sua situação, ainda não poupava recursos para a execução das grandes festas dos santos padroeiros locais.
Poupava-se, em geral, para consumo, não para investimento. Um exemplo disso, nos dias de hoje, é o carnaval, onde famílias inteiras poupam e trabalham um ano inteiro para consumir o resultado numa festa popular de quatro dias.

3.6.4. Procriação
Nossa própria história, que privilegiou a família patriarcal, cuja principal característica é o grande número de membros em cada família, fala por si só.
A religião católica também favorece a procriação (vide posição mundial da igreja católica quanto a questões como aborto e controle da natalidade, que todos sabemos que é de profunda aversão).
A situação vem sendo modificada lentamente nas cidades, principalmente nos últimos trinta anos, porém nas áreas rurais ainda persistem as famílias extensas.
Para W. Arthur Lewis, a alta taxa de natalidade é fruto das atitudes dos indivíduos para a procriação e constitui-se em obstáculo ao desenvolvimento econômico, e como vimos essa situação está presente em nosso país.

3.6.5. Invenções
Existem, como vimos, em nossa sociedade, vários fatores que inibem as invenções como:
3.6.5.1. Irracionalidade: a crença em milagres, o poder dos santos sobre os menores acontecimentos, a repulsa pela racionalização.
3.6.5.2. Fatalismo: a crença de que o homem não pode fazer nada para alterar a vontade de Deus (a realidade).
3.6.5.3. As atitudes negativas em relação ao trabalho sistemático e contínuo.
São esses elementos indiscutivelmente inibidores de invenções. Note-se que as invenções, assim como as inovações técnicas, desempenham um importante papel no aumento da produtividade e conseqüentemente (um aumento da produtividade, como já expusemos, é básico para o desenvolvimento) no processo de desenvolvimento econômico.

3.6.6. Estrangeiros
O brasileiro, em geral, não tem aversão por estrangeiros. Essa atitude pode ser interpretada por um fator, o qual já foi colocado no decorrer deste trabalho: a ausência de orgulho de raça.
Os fatos que, ao longo de nossa história, podem ter sido confundidos com aversão a estrangeiros, na verdade não era: Gilberto Freire nos mostra, baseado em suas exaustivas pesquisas que, na verdade, os portugueses não suportavam aqueles que não professavam a fé cristã, que para eles era sinônimo de catolicismo. Desta forma todo aquele que, independentemente da raça, abraçasse a fé cristã (católica) era aceito como irmão. Isso incluía os escravos negros, que eram obrigatoriamente batizados, como nos mostra Freire:
Não se pergunta aos escravos se querem ou não ser batizados; a entrada deles no grêmio da Igreja Católica é considerada como questão de direito. Realmente eles são tidos menos por homens do que por animais ferozes até gozarem do privilégio de ir à missa e receber os sacramentos”.(FREIRE. 1986, p.372 e 373).
Outro elemento que pode ser confundido com aversão a estrangeiros é a cultura da personalidade. Para se fazer um bom negócio com um ibérico, principalmente com o português, é bom que ele o tenha por amigo, é o que nos mostram os estudos de Sérgio Buarque de Holanda aos quais já nos referimos.
Essa postura de não aversão a estrangeiros possibilitou que importássemos, principalmente nos últimos anos, muita tecnologia e até costumes de outros povos desenvolvidos. Quanto às dificuldades de adaptação dessa tecnologia e costumes à nossa sociedade, a amplitude do tema leva à necessidade de estudos específicos, o que não é possível desenvolver aqui, em virtude das características deste trabalho.
É esse aspecto que facilita, portanto, o desenvolvimento econômico de nosso país.

3.6.7. Aventura
Como já foi colocado, o brasileiro absorveu do colonizador português o seu caráter aventureiro, que não mede esforços para chegar ao seu intento. É uma ética que busca novas experiências, mas acomoda-se no provisório e prefere-se descobrir a consolidar, logo opõe-se à ética do trabalho, que estima a segurança e o esforço aceitando as compensações a longo prazo.
Quanto a isso Holanda escreveu:
entre esses dois tipos (aventureiro e trabalhador) não há, em verdade, tanto uma oposição absoluta como uma incompreensão radical. Ambos participam em maior ou menor grau de múltiplas combinações e é claro que, em estado puro, nem o aventureiro, nem o trabalhador, possuem existência real fora do mundo das idéias”.(HOLANDA. 2000 p.44 e 45).
Para a interpretação de nossa história, interessante notar que o continente americano foi colonizado por homens do primeiro tipo (aventureiro), cabendo ao “trabalhador”, no sentido aqui compreendido, papel limitado. Aventureiros, sem apreço pela pertinácia e do esforço apagado, foram os espanhóis, os portugueses e os próprios ingleses, que só no século XIX ganhariam o perfil convencional por que os conhecemos.
E complementa:
Essa pouca disposição para o trabalho, ao menos para o trabalho sem compensação próxima, essa indolência, como diz o deão Inge, não sendo evidentemente um estímulo às ações aventurosas, não deixa de constituir, com notável freqüência, o aspecto negativo do ânimo que gera as grandes empresas. Como explicar, sem isso, que os povos ibéricos mostrassem tanta aptidão para a caça aos bens materiais em outros continentes? ‘Um português’, comentava certo viajante em fins do século XVIII, ‘pode fretar um navio para o Brasil com menos dificuldade do que lhe é preciso para ir a cavalo de Lisboa ao Porto”. (HOLANDA. 2000, p.46).
Para W. Arthur Lewis, o espírito de aventura é importante para o desenvolvimento econômico, mas como vimos acima, é necessário que ele coexista com o espírito de trabalho, aquele trabalho contínuo, apagado e sistemático que, como nós vimos, não é apreciado pelo português, pelo espanhol e, como conseqüência, também pelo brasileiro.

3.7. Personalidade cultural
Como já foi colocado, a personalidade cultural de nosso povo foi formada basicamente pela transferência da cultura portuguesa, que sofreu algumas alterações, ao longo do tempo, devido à ação de outras culturas, principalmente a autóctone (indígena) e a africana (escravos), mas tais alterações não foram tão profundas no campo que estamos estudando. Já a religião operou no sentido de preservar tais características. Os mecanismos pelos quais isto ocorre já foram amplamente abordados, principalmente na primeira parte deste trabalho. A partir destas observações podemos extrair características dominantes que podemos observar em nosso povo. Note-se que ainda existem as diferenças entre regiões rurais e urbanas, onde tais características surgem com diferentes nuances, devido à ação dos fatores já abordados (educação, economia, influência dos meios de comunicação de massa, etc) mas não o suficiente para negar sua existência:
3.7.1. Paternalismo
3.7.2. Falta de coesão social, artificialmente mantida pelos governos (tolerância a governos fortes e paternalistas, como ditaduras).
3.7.3. Gosto pelo ócio, sendo o trabalho encarado como um fardo, uma obrigação, uma necessidade para a sobrevivência.
3.7.4. Nepotismo
3.7.5. Gosto pela especulação (ganho fácil, sem a necessidade de trabalho, no sentido de produção material).
3.7.6. Irracionalidade.
3.7.7. Passionalidade.
3.7.8. Ausência de orgulho de raça (e de nacionalismo).
3.7.9. Fatalismo.
3.7.10. Conformismo.

3.8. Influências na Economia.
Percebe-se facilmente, comparando-se o primeiro capítulo deste trabalho com o terceiro, que o ambiente sócio-cultural formado no Brasil, como já descrevemos, não é aquele considerado ideal para o desenvolvimento econômico. Recordemos.

3.8.1. Racionalidade
A racionalidade na interpretação do mundo físico é um fator que contribui para o desenvolvimento, sendo, ao mesmo tempo, induzido por ele. Com o próprio desenvolvimento, as sociedades tendem a mudar nessa direção. Mas já verificamos que essa mudança é mais lenta e difícil quando as instituições sociais predominantes levam à irracionalidade, e portanto se opõe ao processo Funcionavam dessa forma os elementos sócio-culturais como obstáculos ao desenvolvimento econômico.
Já verificamos que a irracionalidade foi introduzida em nossa cultura desde o descobrimento e não foi mudada, significativamente, ao longo do tempo, ao contrário foi consolidada pela religião católica.

3.8.2. Universalidade
Na associação entre o indivíduos, a universalidade é fundamental ao desenvolvimento econômico. Na associação universal os papéis sociais são determinados pela especificidade de cada um e não conforme sua família, religião, casta ou renda. É uma forma de se colocar a pessoa certa no lugar certo. Dessa forma atinge-se uma melhor produtividade e conseqüentemente o desenvolvimento econômico.
Mais uma vez verificamos que não é o nosso caso. Recordando as características dominantes em nossa personalidade social como nepotismo, a passionalidade e a cultura da personalidade, concluímos que nossa sociedade tem muito pouco de universalidade, nas associações. Isso é facilmente constatado, hoje em dia, por exemplo, quando observamos o grande número de empresas familiares e os inúmeros casos de nepotismo (favorecimento de parentes e amigos) nos órgãos públicos e empresas estatais e privadas. Muitas vezes os mais capazes são relegados a um segundo plano em detrimento dos menos indicados, porém parentes.

3.8.3. Especificidade
A especificidade nas relações ocorre quando os limites e obrigações das pessoas para com os semelhantes são definidos sob a forma de contratos, são específicos. Isto é importante para o desenvolvimento como já mostramos. Mas no caso brasileiro, como vimos, o que ocorre é que as relações essenciais são relativamente difusas, nas quais os limites das obrigações das pessoas para com os semelhantes são mais fluídas. Isto ocorre devido as características que estudamos e que mostram a sociedade brasileira como passional e paternalista, e onde a longa sobrevivência da família extensa criou uma malha de direitos e obrigações recíprocas entre as pessoas.

3.8.4. Outros
Podemos, ainda, destacar a influência de elementos isolados como a forma de se encarar o trabalho e o gosto pelo ócio: Weber nos mostra que todos trabalham, mas são mais produtivos aqueles que encaram o trabalho pela ótica da ética protestante:
Mas, o mais importante é que o trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da vida. A expressão paulina ‘Quem não trabalha não deve comer’ é incondicionalmente válida para todos. A falta de vontade de trabalhar é um sintoma de ausência de estado de graça”. (WEBER.1987, p.113).
Weber mostra a diferença da maneira de encarar o trabalho, através da ótica da ética católica referindo-se à posição de S. Tomás de Aquino sobre o caso:
...o trabalho foi considerado necessário naturali ratione para o sustento da vida individual e coletiva. Onde não há essa necessidade, cessa também a validez dessa prescrição. Ela só se refere à espécie e não a cada um individualmente. Quem puder viver de sua propriedade sem trabalhar não depende dela, e, naturalmente a contemplação, como forma espiritual de trabalho, no reino de Deus, pareça o significado literal. Além disso, para a teologia popular da época, a forma mais elevada de produtividade monástica estava no aumento do Thesaurus ecclesiae, através da oração e do canto”. (WEBER. 1987, p.113).
Em vista disso, e remetendo-nos ao estudo que fizemos da religião dominante no Brasil e, ainda, dos costumes herdados da cultura portuguesa podemos dizer que as atitudes comumente tomadas em relação ao trabalho em nosso país não são as mais favoráveis ao desenvolvimento econômico, pelo contrário, podemos dizer que operam como obstáculos a ele.
Finalmente os outros elementos importantes detectados em nossa formação social, como já explanado, são o gosto pela especulação, que não contribui para a produção material, o fatalismo e o conformismo que paralisa as pessoas e a ausência de orgulho de raça, que juntamente com a falta de coesão social não permite que o nacionalismo seja utilizado para neutralizar, como vimos no primeiro capítulo, esses obstáculos.


CONCLUSÃO

Conhecemos, ao longo do primeiro capítulo deste trabalho, de forma sintética, as teorias de Lewis e Lauterbach, a cerca do fenômeno do desenvolvimento econômico.
Segundo os pesquisadores, vários fatores influenciam o desenvolvimento, facilitando-o ou dificultando-o. Esses fatores podem ser de ordem puramente econômica, de ordem política ou de ordem sócio-cultural, nascendo das tradições culturais e das atitudes dominantes de cada povo.
Não importa, aqui, identificar qual ordem de fatores é mais importante no processo de desenvolvimento econômico. Certamente os economistas dirão que são os fatores puramente econômicos, enquanto os sociólogos defenderão que são os outros. Na verdade, entendemos que todos o são já que influenciam e são influenciados pelo desenvolvimento econômico, como pudemos verificar ao longo deste estudo. Daí a importância do enfoque transdisciplinar do problema.
Para Lewis, o desenvolvimento econômico depende de atitudes da sociedade principalmente em relação ao trabalho, à riqueza, à poupança, à procriação, às invenções, aos estrangeiros e à aventura.
A religião tem, para Lewis e Lauterbach, uma influência determinante no controle social e portanto na formação dessas atitudes fundamentais ao desenvolvimento. Nesta questão da importância da tradição religiosa no processo do desenvolvimento econômico, nos baseamos também nos clássicos estudos de Max Weber. Neles verificamos que as sociedades de tradição religiosa protestante possuem atitudes, principalmente com relação ao trabalho, à riqueza e à poupança, mais favoráveis ao desenvolvimento econômico do que outras sociedades cuja religião predominante não é o protestantismo.
A religião foi ligada, por Lewis, também à questão da procriação. Se, numa determinada situação, é desejável, para o desenvolvimento econômico, que uma sociedade reduza a sua taxa de natalidade, esta mudança pode ser poderosamente obstaculizada pelas tradições sociais fundadas em determinados dogmas religiosos.
Sociedades que abraçam religiões que pregam, por exemplo, o enclausuramento e a meditação certamente, para Lewis, não terão atitudes com relação, por exemplo, à aventura e ao risco muito favoráveis ao desenvolvimento econômico.
Vimos, ao longo do primeiro capítulo que certos códigos religiosos, em suma, para Lewis, são mais compatíveis com o desenvolvimento econômico do que outros. Para isso a religião deverá aceitar valores materiais, estimando o trabalho, a parcimônia, a honestidade nos negócios e o investimento produtivo, além de incentivar ou pelo menos não atuar no sentido de dificultar atitudes favoráveis ao risco e à experimentação e ao controle da natalidade. Caso contrário a religião poderá atuar no sentido de inibir o desenvolvimento econômico.
No segundo capítulo verificamos o que são as instituições sociais e como atuam. Verificamos que elas estabelecem o modo socialmente aceito de satisfazer determinadas necessidades e de realizar certas atividades, portanto regulam as atitudes que Lewis e Lauterbach consideram fundamentais à formação de um meio favorável ao desenvolvimento econômico.
Estudando os textos de Vila Nova, verificamos que as instituições sociais denominadas universais estão presentes em todas as sociedades urbano-industriais e são responsáveis por certos conjuntos de atividades relativas à satisfação das necessidades humanas. São elas, basicamente, a família, o governo, a economia, a educação e a religião.
A família, como instituição social, atua no sentido de transmitir, principalmente via processo de socialização das crianças, crenças e valores que são determinados por outras instituições, especialmente a religião e a economia. A religião no sentido de preservar valores tradicionais e a economia no sentido de mudá-los. A socialização dos indivíduos pela família, através da transmissão de crenças e valores leva os indivíduos a agirem de determinada forma predominante com relação aos fatores em questão, ou seja, trabalho, riqueza, procriação, conhecimento, etc. Essas atitudes podem atuar, como vimos no primeiro capítulo, como obstáculos ao desenvolvimento econômico.
A educação, assim como a religião, atua, enquanto instituição social, como uma agência de controle social. Não é apenas transmissora, mas determinante de crenças e valores, através do conhecimento e da ciência. Muitas vezes as crenças e os valores determinados pela educação (ciência) entram em conflito com os provenientes da religião. O campo mais fértil para esse embate é a família, a partir da qual os valores são transmitidos. A educação atua na mudança da percepção que os indivíduos têm do mundo físico do modo irracional (fundamentado em dogmas religiosos) para o racional (baseado na ciência), vimos também que esse processo de mudança de percepção do irracional para o racional tem fundamental importância para o desenvolvimento econômico. Não podemos nos esquecer que, da mesma forma que a educação influencia o comportamento das pessoas, com relação aos dogmas religiosos, pode ser também influenciada por esses mesmos dogmas (ex. escolas mantidas por instituições religiosas).
Vimos ao longo de todo o primeiro capítulo e também do segundo, a extrema importância dada à instituição religião, por isso reservamos um espaço importante, no segundo capítulo, para conhecermos melhor essa instituição social.
Verificamos, que a religião difere dos outros aspectos da vida social porque diz respeito a sistemas de crença bem como de relação e ação, e porque seus sistemas de ação, em sí, são dirigidos para entidades cuja existência não está aberta à observação.
Ao longo de boa parte do segundo capítulo, desenvolvemos a teoria de Max Weber, em que verificamos a importância da religião para o desenvolvimento econômico, principalmente através da disseminação da moral protestante, que, em resumo, prega a salvação através do trabalho, que inclui realização em termos de dinheiro.
Encerramos o capítulo definindo costumes, personalidade cultural, abordando a questão da mudança social e relacionando todos os fatores abordados ao processo de desenvolvimento econômico, tendo em vista as teses de Lewis e Lauterbach, expostas e analisadas no primeiro capítulo.
Verificamos há uma influência mútua entre as variáveis econômicas e as não econômicas no processo de desenvolvimento econômico. As atitudes dos indivíduos e, num plano mais elevado, da própria sociedade (personalidade cultural) em relação ao trabalho, riqueza, poupança, procriação, invenções, estrangeiros, aventura, etc, são condicionadas pelas instituições sociais que estudamos.
Em resumo, os indivíduos são socializados pela família e pela escola (ciência), mas ambas recebem fortes influências da religião, da própria economia e dos costumes. Essas influências podem operar, segundo a teoria de Lewis e Lauterbach, como obstáculos ao desenvolvimento econômico.
Finalmente, no terceiro capítulo, procuramos conhecer as instituições sociais brasileiras, dentro de uma perspectiva histórica, através dos estudos de Gilberto Freire, Sérgio Buarque de Holanda e Pedro A R Oliveira e a partir desses estudos investigar a existência de características sociais inibidoras ou catalizadoras do desenvolvimento econômico, tendo em vista as teorias de Lewis e Lauterbach e os mecanismos analisados no capítulo dois, onde recorremos, basicamente, aos estudos de Bottomore e Vila Nova.
Verificamos que nossa sociedade foi formada com base na cultura lusitana que os portugueses implantaram no Brasil quando de seu descobrimento.
Essa cultura foi, absolutamente, predominante, embora tenha sofrido alguma influência menos importante dos ameríndios, dos negros importados como escravos e mais recentemente de correntes migratórias européias, que vieram em fins do século XIX e primeira metade do século XX e instalaram-se em algumas regiões do Brasil.
A partir do trabalho de Holanda, chegamos a certos traços característicos da personalidade social do português que são:
  • Cultura da personalidade, tibieza das formas de organização
  • Extrema adaptabilidade
  • Repulsa pela moral protestante, fundada no culto ao trabalho
  • Gosto pelo ócio
  • Aventura, gosto pelo ganho fácil e rápido
  • Ausência de orgulho de raça
  • Irracionalidade, passionalidade (repulsa pela racionalização)
  • Comportamento de rivalidade sobrepondo-se ao de competição
  • Nepotismo
  • Ganância e avareza, gosto pela especulação
Quanto à religião, recorrendo ao trabalho de Oliveira, verificamos que nossa religião predominante é o catolicismo, implantado desde a chegada dos portugueses, tendo sido uma religião oficial, de Estado, até a proclamação da República.
Verificamos que a religião católica praticada no Brasil, de forma predominante até a abolição da escravatura e a adoção do sistema capitalista, mas que mantém seus traços principais até hoje, foi um tipo particular de catolicismo chamado de catolicismo popular. Nesse tipo de manifestação católica há uma valorização do culto aos santos, havendo um contato direto entre eles e o fiel.
Após uma análise deste tipo de manifestação religiosa sintetizamos, com base nos estudos de Oliveira, as seguintes características da religião católica praticada no Brasil e que atua no sentido de moldar as atitudes de nosso povo:
  • Personalismo: ligação direta e pessoal com os santos (imagens)
  • Cultos livres e sem intervenção direta das autoridades eclesiais
  • Irracionalidade: os espíritos têm o poder de interferir na natureza (milagres)
  • Paternalismo: o santo (o mais forte) protege seus devotos (os mais fracos) e exige em troca o culto (obediência)
  • Fatalismo: tudo o que ocorre ou puder vir a ocorrer será pela vontade de Deus. O homem nada pode fazer para mudar esse estado de coisas.
  • Resignação: provações e sofrimento conduzem à salvação
  • Maleabilidade: fácil adaptação a outras religiões (sincretismo). Ausência de conflitos religiosos, desde que a ordem social ditada pelo catolicismo seja mantida.
Em seguida analisamos a família brasileira e verificamos a predominância da família do tipo patriarcal até o início do século XX, quando passou a haver sua substituição pelas famílias do tipo nuclear, a partir da década de 1950, nas regiões mais urbanizada. Verificamos que, ao longo dos anos a família brasileira, como transmissora de valores, não recebeu pelo menos até 1950, influência de códigos morais e religiosos suficientemente novos para alterar de forma significativa a herança colonial que recebemos.
Analisamos, ainda no capítulo 3, baseados nos estudos relatados, as atitudes predominantes em nossa sociedade com relação aos fatores indicados por Lewis e Lauterbach como propícios ou não ao desenvolvimento econômico.
Chegamos, então, ao que se pode chamar de nossa personalidade cultural que podemos caracterizar da seguinte forma:
  • Paternalismo
  • Falta de coesão social, artificialmente mantida pelos governos (fortes, paternalistas)
  • Gosto pelo ócio, sendo o trabalho encarado como um fardo, uma obrigação, uma necessidade para a sobrevivência.
  • Nepotismo
  • Gosto pela especulação (ganho fácil, sem a necessidade de trabalho árduo e persistente)
  • Irracionalidade
  • Passionalidade
  • Ausência de orgulho de raça (e de nacionalismo)
  • Fatalismo
  • Conformismo
Finalmente, concluímos, já no final do terceiro capítulo, que as características observadas, por Freire, Holanda e Oliveira em nossa personalidade cultural, em sua maioria, tendo em vista os mecanismos sociológicos analisados no segundo capítulo e as teorias de Lewis e Lauterbach, não correspondem àquelas consideradas adequadas à formação de um ambiente social favorável ao desenvolvimento econômico. Especialmente ao desenvolvimento econômico nos moldes do modelo norte-americano.
Este trabalho, por suas características, não tem o objetivo de mostrar claramente soluções, no sentido de alterar a situação exposta e formar um ambiente social favorável ao desenvolvimento econômico, tendo em vista as teorias de Lewis e Lauterbach.
Nosso objetivo que, acreditamos, foi alcançado era melhor compreender o processo de desenvolvimento econômico brasileiro e seus entraves, tendo em vista um enfoque transdisciplinar, que ao nosso ver é o melhor caminho a seguir em todos os ramos das ciências, inclusive das ciências sociais. Isto porque não podemos reduzir uma realidade cada vez mais complexa a compartimentos estanques, as ciências, sem perdermos muito de nossa capacidade de análise. Isto porque, como vimos neste caso, as diferentes instituições, e a economia é uma delas, estão em permanente contato influenciando-se umas às outras permanentemente.
Por fim, gostaríamos que este trabalho servisse de ponto de partida para outros necessários estudos nesta área, inclusive de campo, no sentido de melhor medir a qualidade das instituições e sua real influência sobre a vida social, de forma a avaliar fatores que afetam o desenvolvimento econômico brasileiro.
Entendemos que não há sentido em importarmos modelos de desenvolvimento econômico de outras sociedades muito diferentes da nossa. Melhor seria se criássemos nosso próprio modelo, respeitando nossa realidade social e mudando apenas aquilo que fosse realmente necessário. Para isso precisamos nos conhecer melhor enquanto nação. Isto demanda estudos. Esperamos ter dado, com este trabalho, ao menos uma pequena contribuição nesse sentido.





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