FUNDAÇÃO
ESCOLA DE COMÉRCIO ÁLVARES PENTEADO – FECAP
CENTRO
DE ESTUDOS ÁLVARES PENTEADO – CEAP
CURSO
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
FATORES
SÓCIO-CULTURAIS COMO OBSTÁCULOS AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
BRASILEIRO
JOÃO
GILBERTO PARRAS BENITEZ
ORIENTADOR:
PROF. DR. JASON TADEU BORBA
São
Paulo
2001
FUNDAÇÃO
ESCOLA DE COMÉRCIO ÁLVARES PENTEADO – FECAP
CENTRO
DE ESTUDOS ÁLVARES PENTEADO – CEAP
CURSO
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA
FATORES
SÓCIO-CULTURAIS COMO OBSTÁCULOS AO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
BRASILEIRO
Monografia
apresentada ao Centro de Estudos Álvares Penteado da Fundação
Escola de Comércio Álvares Penteado como trabalho final do curso de
Pós-Graduação em Economia
JOÃO
GILBERTO PARRAS BENITEZ
ORIENTADOR:
PROF. DR. JASON TADEU BORBA
São
Paulo
2001
INTRODUÇÃO
Os estudos ligados à área do
desenvolvimento econômico brasileiro foram relegados, nas duas
últimas décadas, a um segundo plano. Isto porque o foco de
interesse da maioria dos economistas passou a ser a estabilização
da economia, com o controle da inflação que, na década de 80,
chegou a níveis insólitos.
Com a redução dos níveis
inflacionários a partir de 1984 e o esgotamento do “Plano Real”,
a partir do abandono da chamada “âncora cambial” em janeiro de
1999, foi reiniciado o debate sobre o desenvolvimento econômico do
Brasil (liberais e desenvolvimentistas).
É nesse debate que esperamos
contribuir com este trabalho.
Os estudos relativos ao fenômeno
do desenvolvimento econômico se multiplicaram em meados do século
XX, principalmente em virtude do aumento da distância que separa os
países desenvolvidos dos demais, sejam eles não desenvolvidos ou
semi-desenvolvidos. Dentro desses estudos selecionamos os trabalhos
de Sir Willian Arthur Lewis (prêmio Nobel de Economia –1979) e
Albert Lauterbach, que, observando o fato de que países que pareciam
possuir aproximadamente os mesmos recursos naturais, mostravam
grandes diferenças no seu grau de desenvolvimento, elaboraram a
teoria de que o desenvolvimento econômico é influenciado por
fatores de ordem social e cultural, além dos já conhecidos fatores
de ordem econômica e política. Concentraremos nossa atenção na
influência dos fatores de ordem sócio-econômica, ou seja,
comportamentais, apontados por Lewis e Lauterbach como essenciais ao
processo de desenvolvimento econômico. Esse será o tema do primeiro
capítulo.
No segundo capítulo procuraremos
entender, recorrendo à Sociologia, como as instituições sociais
moldam o comportamento dos indivíduos. Esse mecanismo nos ajudará a
compreender como as atitudes sociais apontadas, no primeiro capítulo,
por Lewis e Lauterbach são formadas e transmitidas.
Finalmente no terceiro capítulo
procuraremos mostrar se os fatores comportamentais citados no
primeiro capítulo e que podem atuar como obstáculos ao
desenvolvimento econômico estão ou não presentes e atuantes em
nossa formação social. Estabeleceremos, assim, um paralelo entre a
teoria de Lewis e Lauterbach e o cenário sócio-cultural vigente em
nossa sociedade, na visão de Freire, Holanda e Oliveira.
Acreditamos que a política
neoliberal aplicada no Brasil, desde 1990, embora tenha atingido seu
(único?) objetivo de reduzir a inflação, lançou o país na
estagnação econômica com a elevação do desemprego e o aumento da
concentração de renda a níveis absurdos. Este trabalho tem por
objetivo contribuir, dentro de suas possibilidades, no sentido de
procurar melhor entender a nossa realidade abrindo novos caminhos
que possam levar à reversão desta situação.
Entendemos que o simples fato do
estudo aqui proposto ser de ordem transdisciplinar, isto é,
localizar-se na “fronteira” entre duas ciências sociais, a
economia e a sociologia, já é de grande interesse, uma vez que este
tipo de trabalho não é, infelizmente, muito comum. Objetivamos, por
fim, fomentar uma discussão sobre o tema proposto, já que nos
parece que a quase totalidade dos estudos desenvolvidos neste país
tratam dos fatores puramente econômicos envolvidos no processo de
desenvolvimento econômico, negligenciando os fatores políticos e
principalmente os de ordem sócio-cultural.
Capítulo I – Obstáculos ao
desenvolvimento econômico: as teorias de W.A. Lewis e A Lauterbach.
Neste primeiro capítulo
procuraremos apresentar, de forma resumida, as teorias de W. Arthur
Lewis e A Lauterbach, nas quais os autores procuram demonstrar ser o
processo de desenvolvimento econômico influenciado por fatores de
ordem comportamental. Deve-se notar que os fatores puramente
econômicos e os políticos não são desprezados, mas concordam com
o fato de que o fenômeno do desenvolvimento econômico tem seu
processo acelerado nas sociedades que apresentam um ambiente
sócio-cultural favorável.
1.1 – As teorias de Lewis e
Lauterbach
O estudo do fenômeno do
desenvolvimento econômico deve ser analisado, no nosso entender, sob
um enfoque multidisciplinar. Essa necessidade fica bem clara, nas
palavras do professor Costa Pinto:
“O conjunto das implicações
sociais do desenvolvimento econômico e tecnológico é constituído
de problemas que recaem no campo de diferentes disciplinas e
analisá-lo é encargo comum a todas elas; à Sociologia a tarefa
específica que incumbe parece ser, mais uma vez, cumprir a sua
função e vocação de ciência mater,
vendo o bosque, enquanto cada uma das outras disciplinas vê a
árvore, e tomando para si a responsabilidade de analisar e
compreender, como síntese de uma série de problemas simultâneos, o
processo global de gestação de uma nova economia, uma nova
sociedade e um novo homem.
Todos esses aspectos nitidamente
sociológicos que surgem quando encaramos o desenvolvimento econômico
não apenas como uma operação técnica, mas como uma profunda
experiência humana, carecem de ser estudados com a mesma acuidade e
rigor científico com que são considerados os aspectos estritamente
econômicos e tecnológicos.” (COSTA PINTO e BAZZANELLA . 1967,
p.111)
Dentro desse enfoque
procuraremos expor resumidamente as teorias de W. Arthur Lewis e
Albert Lauterbach, que procuram especificar os obstáculos,
principalmente os de ordem cultural, ao desenvolvimento econômico.
Costa Pinto também referiu-se a
esses obstáculos da seguinte forma:
“Não julgamos necessário
hipertrofiar aqui a importância conceptual da nuança, destacada por
Alfred Metraux, entre resistência e obstáculo, incluindo neste
último caso aquelas situações estruturais que dificultam o
desenvolvimento e reservando o vocábulo resistência para denominar
apenas aquelas situações conscientes e deliberadas contra o
desenvolvimento. Cremos, mais uma vez, que aqui não se encontram
dois processos, mas dois momentos de um processo único. Nenhuma
situação em si é obstáculo ao desenvolvimento como tal. O que em
regra acontece é que a determinadas situações estruturais estão
sempre ligados certos grupos ou camadas sociais cujos interesses ou
valores resistem, por isso mesmo, aos fatores de sua transformação,
resistência que se pode integrar em diferentes níveis, desde o
plano das atitudes mais encobertas até o plano da definição
ideológica e da oposição aberta.” (COSTA PINTO e BAZZANELLA.
1967, p.112)
Antes de nos aprofundarmos nas
teorias de Lewis e Lauterbach, necessário se faz diferenciar o
conceito de crescimento econômico do de desenvolvimento econômico.
Kindleberger diferencia estes
dois conceitos da seguinte forma:
“... crescimento econômico
significa maior produção, enquanto que desenvolvimento econômico
implica em maior produção e mudanças nas disposições técnica e
institucional, pelas quais se chega a essa produção”
(KINDLEBERGER. 1976, p.1).
Verificamos, portanto, que um
simples aumento de produção, num determinado período, é o que se
chama de crescimento econômico. Desenvolvimento econômico também
não é uma questão de substituir o sistema produtivo tradicional
por um sistema moderno, após o que a mudança termina. O processo de
desenvolvimento é um processo mais complexo e contínuo. Os países
considerados desenvolvidos, conforme Lauterbach (LAUTERBACH,
sd.),continuam criando novos métodos produtivos a fim de substituir
os que anos antes haviam sido adotados como os mais produtivos. O
desenvolvimento consiste num aumento contínuo de produtividade,
através da aplicação de novas tecnologias, com melhoria do
bem-estar social. Esse processo provoca transformações na estrutura
social que ocorrem concomitantemente com o desenvolvimento econômico
e às vezes determinadas por este, ao mesmo tempo em que é
influenciado por essa mesma sociedade. Podemos perceber esta relação
entre as atitudes sociais e o processo de desenvolvimento econômico
na seguinte colocação de Lauterbach:
“Em outras palavras, o
desenvolvimento econômico, inevitavelmente, abrange importantes
mudanças na percepção e nas atitudes. A menos que a população em
causa se convença de que as novas instituições propostas,
inclusive as inovações tecnológicas, são benéficas, factíveis e
dignas de esforço, em termos de prestígio social e, também, de
conforto material, de muito pouco servirão a usina siderúrgica, a
fazenda-modêlo ou um melhor aeroporto que vierem a ser construídos.
A menos que a motivação do povo para a ação econômica se altere
e se conforme aos novos objetivos...” (LAUTERBACH. 1966,
p.228/229).
Encontramos referência à
relação existente entre fatores sócio-culturais e desenvolvimento
econômico também em Lambert:
“David McClelland, psicólogo
social da Universidade Harvard...Sustenta que o desenvolvimento
econômico de um país é, em grande parte, um processo
sociopsicológico, pois apresenta elevada correlação com um padrão
cultural de instrução inicial de independência e elevada
necessidade de realização...Observemos, imediatamente, que
McClelland não está dizendo que fatores sociopsicológicos possam
atuar independentemente a fim de estimular o desenvolvimento
econômico. Há também o auxílio e oportunidade econômica. O
fundamental é que muitas vezes o desenvolvimento deixa de ocorrer ou
de ser consolidado porque não estão presentes as condições
socioculturais que favorecem o desenvolvimento de motivação de
realização.” (LAMBERT & LAMBERT. 1981, p.203-204).
Quanto aos obstáculos ao
desenvolvimento Lauterbach posiciona-se da seguinte forma:
“Dos obstáculos ao
desenvolvimento econômico, uns são de ordem econômica, outros de
ordem política e, finalmente, alguns nascem das tradições
culturais e das atitudes dominantes do povo” (LAUTERBACH. sd.,
p.110).
Ainda segundo Lauterbach
(LAUTERBACH.sd.,p.110 e seguintes), os obstáculos de ordem puramente
econômica são:
A – Falta de capital e reservas
B – Aumento excessivo da
população
C – Barreiras ao intercâmbio
de bens e serviços entre as nações
D – Falta de recursos naturais
Outro obstáculo, este de
caráter não-econômico, nasce das tradições políticas e dos
hábitos em determinados países. A preocupação pelo
desenvolvimento funda-se muitas vezes no nacionalismo, sobretudo a
que se verifica em países libertados a pouco tempo da tutela
colonial, e que esperam criar uma base econômica para sua nova
situação de independência.
Por último surgem os obstáculos
de natureza social e cultural, nos quais vamos concentrar nossa
atenção, em decorrência dos objetivos deste trabalho.
A respeito desses obstáculos
Lauterbach comenta:
“Praticamente, toda ação de
negócios é, ao mesmo tempo, econômica e psicológica, dependendo
do ângulo em que é observada“ (LAUTERBACH. 1966, p.15).
“Tais programas (para o
progresso de áreas subdesenvolvidas), muitas vezes, tendem a
difundir a industrialização, a eficiência e a administração
empresarial, de acordo com os padrões ocidentais, em populações
com escalas de valores inteiramente diferentes; eles estariam
tentando reorganizar essa populações à imagem dos Estados Unidos
do século XX e da livre iniciativa, destruindo assim,
potencialmente, os sistemas de valores anteriores. Até que ponto
podemos admitir que toda a população deseja e é capaz de ser mais
“eficiente” e mais opulenta, no sentido ocidental? Um estudo das
Nações Unidas assim formula este problema: “Mesmo quando as
pessoas sabem ser possível uma maior abundância de bens e serviços,
podem considerar excessivo o esforço para obtê-la... Em vez disso,
podem não querer fazer o esforço para produzir riqueza se puderem
adquirir mais facilmente, de outra maneira, o prestígio social que
desejam”.( LAUTERBACH. 1966, p.17).
W.A. Lewis segue a mesma linha
de raciocínio de Lauterbach como podemos verificar a seguir:
“O aumento da produção per
capita depende, de uma parte, dos recursos naturais disponíveis e de
outra, do comportamento humano... Assim, é evidente que a pobreza de
recursos naturais estabelece limites nítidos ao aumento da produção
por habitante, e que grande parte das diferenças econômicas entre
distintos países há de explicar-se em termos de riqueza de
recursos. É, porém, igualmente claro que países que parecem ter
aproximadamente os mesmos recursos mostram grandes diferenças no seu
grau de desenvolvimento, o que torna preciso estudar as diferenças
de comportamento humano que influenciam o desenvolvimento econômico”
(LEWIS. 1960. p.13)
Continuando o raciocínio de
Lewis (LEWIS. 1960, p.13 e seguintes), verificamos que há dois
níveis causais que influenciam o desenvolvimento:
As causas imediatas e as
causas dessas causas.
As causas imediatas são
principalmente três:
A – O esforço para economizar.
Tomado num sentido mais amplo este toma a forma de aumento de
rendimento de qualquer aplicação de fatores, pela redução do
custo de um determinado produto, sob a forma de esforço ou através
de outros recursos. Revela-se de vários modos, esse esforço para
economizar: na experimentação, na aceitação de risco, na
mobilidade ocupacional ou geográfica, e na especialização, para
mencionar apenas suas manifestações principais. Se não se fizer
tal esforço, seja pela inexistência do desejo de economizar, seja
por que costumes e instituições o desencorajam, então o
desenvolvimento econômico não se dará.
B – Em segundo lugar temos o
aumento do conhecimento e de sua aplicação. Este processo ocorria
através de toda a história da humanidade, porém o mais rápido
crescimento da produção nos séculos recentes está claramente
associado à mais rápida acumulação do conhecimento e de sua
aplicação.
C- Em terceiro lugar, depende o
crescimento da expansão do volume de capital ou de recursos outros,
por habitante.
Num segundo nível, ainda
segundo Lewis (LEWIS. 1960, p.14 e seguintes), temos as causas das
primeiras. O autor se pergunta: Por que operam elas poderosamente em
certas sociedades e não em outras? Para que tais forças imediatas
eclodam é, para Lewis, necessária a existência de um ambiente
social favorável ao desenvolvimento econômico. Este ambiente social
deve possuir instituições e crenças que favoreçam o crescimento,
ou melhor, que não sejam hostis ao esforço, à inovação, ao
investimento, à propensão para economizar, etc. O desenvolvimento
econômico depende de atitudes da sociedade em relação ao trabalho,
à riqueza, à poupança, à procriação, às invenções, aos
estrangeiros, à aventura, e assim por diante; atitudes essas que
brotam de fontes profundas da mente humana. A religião tem, para
Lewis, uma influência muito grande no controle dessas atitudes
humanas, visto que as crenças influem nos valores relativos
atribuídos pela sociedade a bens materiais e não materiais. Se os
valores atribuídos pela sociedade às satisfações do tipo não
material forem superiores aos do tipo material não teremos uma
situação favorável ao desenvolvimento econômico.
Esses fatores sócio-culturais
podem ser separados dos demais para efeito de análise, mas no mundo
real estão interagindo com os fatores econômicos influenciando-os
e, ao mesmo tempo, sendo influenciados por eles.
As pessoas moldam e são, ao
mesmo tempo, afetadas pelo desenvolvimento econômico.
Antes de analisarmos como as
atitudes da sociedade com relação aos fatores mencionados
(trabalho, poupança, invenções, etc) são fixadas devemos comentar
quais as possíveis influências de cada um desses fatores, no
desenvolvimento econômico, ainda segundo o pensamento de Lewis.
1.2– As atitudes sociais como
obstáculos ao desenvolvimento econômico
1.2.1- Trabalho
Um dos possíveis obstáculos ao
desenvolvimento, dentro do pensamento de Lewis e Lauterbach, é a
atitude social dos indivíduos de uma sociedade em relação ao
trabalho.
Lauterbach se refere a essa
questão da seguinte forma:
“Uma terceira influência
origina-se na atitude predominante em face do esforço material,
especialmente para com o trabalho. Em algumas culturas, o trabalho é
totalmente desprezado ou considerado como uma atividade própria das
classes mais baixas. Isso é evidenciado claramente nas sociedades
escravocratas, mas não é exclusivo delas. Um fator importante é a
presença ou a ausência de hábitos de trabalho regular e
sistemático que não se associam, necessariamente, à vida
virtuosa.” (LAUTERBACH. 1966, p.230/231).
Lewis também se refere às
atitudes sociais em relação ao trabalho, em sua obra:
“Passemos, agora, das
diferenças no esforço imposto pelo trabalho para o estudo das
diferenças na atitude diante do trabalho. Suponhamos que dois homens
tenham as mesmas necessidades, isto é, os mesmos desejos de coisas
materiais; e que o trabalho de ambos seja objetivamente igualmente
duro e pouco atraente; um deles, porém, ocupa cargo mais bem
remunerado do que o outro. Não se conclui necessariamente que aquele
que tem o melhor emprego trabalhará menos horas do que o outro.
Dependerá isso de sua atitude perante o próprio trabalho. O
trabalho é o meio de adquirir bens e serviços, mas é também um
estilo de vida, e, como tal, é mais atraente para uns do que para
outros, mais para alguns grupos do que para outros. Todos encaram o
trabalho em parte como maçada, em parte como virtude, mas certos
grupos atentam mais na maçada, enquanto outros incutem em seus
filhos a noção de que trabalho é virtude.” (LEWIS. 1960, p.42 e
43).
É evidente que não é possível
um aumento de produtividade (produção per capita) sem a
participação do fator trabalho. Existem muitas formas de se encarar
o trabalho, algumas são favoráveis ao desenvolvimento, outras, ao
contrário, atuam como obstáculo ao mesmo. O trabalho de Max Weber
(Weber, 1987, p.38 e seguintes), confirmando essa idéia, nos
demonstra que a produtividade do trabalho é mais influenciada pela
atitude do indivíduo, e num plano mais alto pela sociedade, em
relação a ele do que por um simples aumento salarial:
“O homem não deseja ‘por
natureza’ ganhar cada vez mais dinheiro, mas simplesmente viver
como estava acostumado a viver, e ganhar o necessário para este fim.
O capitalismo moderno, onde quer que tenha começado sua ação de
incrementar a produtividade do trabalho humano através do incremento
de sua intensidade, tem encontrado a infinitamente obstinada
resistência deste traço orientador do trabalho pré-capitalista; e,
ainda hoje, quanto mais atrasadas estejam (do ponto de vista do
capitalismo) as forças de trabalho tanto mais tem de lidar com ela.”
(WEBER. 1987, p.38).
Weber nos mostra, ainda, na obra
citada, que uma elevação nos salários pode levar a uma queda de
produção. O trabalhador pode (e muitas vezes ocorre) optar por
manter o mesmo rendimento monetário, em troca de menos trabalho.
Isto porque, aos olhos do trabalhador a oportunidade de ganhar mais
era menos atrativa que a de trabalhar menos. Este é um exemplo do
que se chama “tradicionalismo”. Este traço das sociedades
tradicionais, funciona como um sério obstáculo ao desenvolvimento
capitalista. Ao contrário, certas sociedades, principalmente as
protestantes (esta relação entre religião e economia será
abordada mais adiante), como nos coloca Weber, vêm o trabalho de
outra forma: para estas sociedades o trabalho deve ser executado como
um fim absoluto em si mesmo (como uma vocação). Tal atitude,
todavia, não é absolutamente um produto da riqueza, como também a
atitude oposta não o é. Ela não pode ser provocada por salários
altos, ou baixos, mas somente pode ser o produto de um longo processo
de socialização.
Lewis também se refere à
importância da religião na formação da atitude de indivíduos e
de sociedades em relação ao trabalho:
“Diferenças de atitude
correspondem, com freqüência, a diferenças de religião. Religiões
há que ensinam que a salvação, ou a plenitude espiritual, se
encontra principalmente na meditação ou na prece. Outras ensinam
que a salvação também se acha no trabalho, seja porque o trabalho
disciplina a alma, seja porque temos o dever moral de fazer o melhor
uso possível dos talentos e recursos que Deus nos deu, e com eles
servir ao próximo.” (LEWIS. 1960, p.43).
Em suma, a produtividade do
trabalho sofre influência profunda de fatores sócio-culturais e não
é apenas uma função dos salários.
1.2.2 – Riqueza
Outro obstáculo ao
desenvolvimento a ser analisado é a atitude social dos indivíduos
de uma sociedade em relação à riqueza.
Da mesma forma que o trabalho,
a riqueza é encarada de diversas formas nas diferentes sociedades.
Isto resulta da importância que as sociedades dispensam aos bens
materiais e às satisfações não materiais. Para muitos povos é
mais importante gastar grandes somas em grandes rituais do que
usufruir dessas riquezas em forma de bens materiais. Outros povos
preferem usufruir da riqueza que possuem, sem a preocupação de
multiplicá-la. Caem, então, no ócio e no relaxamento. Lauterbach
nos mostra isso da seguinte forma:
“Uma outra influência
cultural conexa encontra suas raízes no papel e na avaliação da
riqueza material, dentro da estrutura geral de valores. Na China
tradicional, o caminho do prestigio social seguia o rumo do saber e
não o da riqueza; na União Soviética, ele se projeta no campo das
atividades partidárias e, nos Estados Unidos, visa principalmente o
êxito nos negócios” (LAUTERBACH. 1966, p.230).
Weber nos mostra em sua obra
(WEBER. 1987, p.112 e seguintes), que nas sociedades protestantes a
riqueza era apenas uma medida do trabalho, um resultado do mesmo, e
que não era indesejável, o que não era permitido, isso sim, era a
acomodação, os gastos com o prazer e com o ócio. A riqueza deveria
produzir mais riqueza, através do trabalho, da produção.
Lauterbach toca ainda na questão
da riqueza da seguinte forma:
-
“ Populações inteiras ou grupos sociais específicos podem opor-se a aumentos na produção porque tais aumentos, certa ou erradamente, são interpretados como uma ameaça à função social ou ao prestígio de grupos que, tradicionalmente, têm desfrutado um alto status.” (LAUTERBACH. 1966, p. 232).
-
“Em toda parte, a alta avaliação cultural da propriedade da terra tem sido um obstáculo ao investimento de ganhos financeiros ou comerciais na industria; assim, a riqueza recém-adquirida tem sido, freqüentemente, invertida na compra de glebas adicionais, especialmente na América Latina, em vez de ser aplicada no desenvolvimento industrial, com base no espírito de livre iniciativa. (LAUTERBACH. 1966, p.232).
Lewis aborda a questão das
diferenças das atitudes de desejo pela riqueza entre as sociedades,
da seguinte forma:
-
“A vontade de buscar e aproveitar oportunidades, e de fazer investimentos produtivos, não é função do número de horas de trabalho, mas se relaciona, por certo, com a intensidade da preocupação com as oportunidades que se têm e pode custar muito em termos de energia nervosa... Em certas sociedades, o desenvolvimento econômico é apreciado em si mesmo, estimulam-se os jovens a se esforçarem nesse sentido; noutras, prefere-se dedicar o espírito a outras coisas: à guerra, às artes, ou apenas ao prazer da boa prosa e outras diversões.” (LEWIS. 1960, p.52).
Lewis relaciona, ainda, as
atitudes relativas à riqueza com a religião dominante, numa
determinada sociedade:
“Em primeiro lugar, o
desenvolvimento exige que as pessoas se esforcem por aumentar a
produtividade, tanto porque desejam bens, quanto porque estimam o
lazer suplementar. O desejo de possuir bens pode ser conseqüência
do valor que se atribui ao desfrute de coisas materiais, ou à
aspiração ao prestígio e ao poder social que acompanham a riqueza;
e, correspondentemente, o crescimento será mais rápido nas
sociedades onde a riqueza constitui caminho fácil para a obtenção
de posições sociais elevadas. Certas religiões ensinam que se
alcança a salvação através da disciplina do trabalho árduo e
consciencioso, e fazem da busca da eficiência elevada virtude moral.
Algumas formas do cristianismo salientam as virtudes da frugalidade e
do investimento produtivo. A maioria das religiões ensina, porém,
que é melhor dedicar-se à contemplação espiritual do que à busca
incessante de maior renda ou menor custo; além disso, praticamente
todas as religiões desestimulam o desejo de possuir bens
materiais.”(LEWIS. 1960, p.128 e 129).
Fica claro, após esta exposição,
a importância da atitude dos indivíduos e mais precisamente das
sociedades para com a riqueza e a sua influência no processo de
desenvolvimento econômico.
-
-
1.2.3 – Poupança
A poupança, como se sabe, é um
fator de grande importância para o processo de desenvolvimento
econômico. Sem a poupança não há investimento. Não queremos, no
entanto, discutir, neste trabalho, a função econômica da poupança,
mas a atitude da sociedade quanto a ela, a sua propensão a poupar. O
governo tem instrumentos técnicos (taxa de juros) para incentivar a
poupança, mas, como veremos, a atitude da sociedade quanto a isso,
mais uma vez, é influenciada pelo hábito, e por instituições como
a religião.
Lauterbach, citando Lewis, se
refere a esse fator da seguinte forma:
“Seja qual for a ordem
econômica instituída e a ideologia professada, as características
culturais de cada população em causa têm uma importância
fundamental em determinar sua resposta às medidas de
desenvolvimento. Um desses fatores culturais consiste no que W.
Arthur Lewis denominou “o desejo de economizar”, isto é, a
vontade de concentrar as energias nacionais na constante melhoria das
condições materiais. As culturas indiana e budista, com a ênfase
que dão aos valores ascéticos ou transcedentais, não têm sido
muito propícias a tal concentração, enquanto a cultura
norte-americana caracteriza-se por ela.” (LAUTERBACH. 1966, p.230).
A poupança, em algumas
sociedades, é confundida com avareza, e os poupadores eram vítimas
do controle social mais ou menos severo, de acordo com as
instituições sociais vigentes (LEWIS, sd. p.13 e seguintes). De
forma similar ao que comentamos sobre a riqueza, o desejo de poupar é
fortemente influenciado por instituições sociais como a religião,
os costumes, o governo, as necessidades econômicas e a família.
-
1.2.4 – Procriação
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Várias teorias do desenvolvimento dão maior ou menor ênfase ao controle da natalidade (como Malthus). Alguns pensam entendem que o simples controle da natalidade faria com que houvesse um aumento da renda per capita: PIB/nº de habitantes, simplesmente com a relativa redução, no longo prazo, do denominador da expressão (nº de habitantes). Para outros, uma família com menor número de filhos poderia dar uma educação de melhor qualidade para todos e contribuir para um aumento da produtividade e finalmente para o desenvolvimento econômico. Não nos cabe aqui comentar o mérito dessas teorias, mas apenas colocar que também a atitude humana quanto a procriação depende de uma decisão dos indivíduos e que essa decisão é regulada de várias formas. Por exemplo, existem várias formas de família, nas diversas sociedades, desde os tipos mais incomuns das sociedades primitivas como a família fantasma, a família achante, passando pela família patriarcal, até a moderna família nuclear.
-
Lewis, ao mesmo tempo que salienta a importância do controle populacional, relaciona a religião a essa questão:
-
“Semelhantemente, certas correntes religiosas se opõem à limitação deliberada da família, e conduzem o país à superpopulação, à fome e à pobreza. Grande parte do progresso tecnológico nasceu da opinião de que tudo o que há no universo existe para proveito do ser humano, e que este pode alterar as coisas que o cercam em seu próprio interesse. Tal opinião é compatível com as religiões que colocam o homem no centro do universo, mas não com aquelas em que o homem constitui apenas uma das manifestações do espírito de Deus, e em todo caso uma manifestação menor.” (LEWIS. 1960, p.129 e 130).
-
Dependendo do tipo de família, e das influências morais e religiosas recebidas, além do tipo de produção existente os indivíduos assumirão diferentes atitudes em relação a procriação e conseqüentemente afetarão o crescimento populacional. Todos esses fatores afetam a velocidade da procriação e, portanto, o crescimento populacional.
-
-
1.2.5 – Invenções
-
As invenções ou inovações ocorrem de forma mais significativa nas sociedades que de alguma forma privilegiam a racionalidade, isto é, quando os modos de pensar e agir são instrumentos da intenção (e não dogma ou fé). Os homens têm êxito ou não segundo o que comprovadamente realizam (e não por aquilo que veneram).
Uma referência a essa questão
encontramos no seguinte texto:
“Assim, enquanto o homem
tradicional tendia a rejeitar a inovação dizendo: Isto nunca foi
assim, é mais provável que o homem contemporâneo pergunte: Isto
funciona? e experimente o novo procedimento sem mais considerações”
(DURAND & MACHADO. p.84, sd.).
Ainda sobre este tópico, temos
em Lauterbach:
“Um quinto fator de grande
importância é a atitude cultural face ao “conhecimento”. Em
países ou culturas em que todo o conhecimento é tido como encerrado
nos antigos documentos da tradição ou da religião, as inovações
econômicas e de outra qualquer natureza serão consideradas
supérfluas ou nocivas. Por outro lado, onde os valores culturais
predominantes favorecem o exame imparcial de novas oportunidades, o
desenvolvimento econômico far-se-á mais prontamente” (LAUTERBACH.
1966, p.231).
Um exemplo de resistência
social à mudança e a novas invenções, que atua como elemento
retardador do desenvolvimento nos é dado, a seguir, por Lauterbach:
“Os camponeses franceses
relutaram em substituir cavalos por tratores, em primeiro lugar,
porque muitos deles acreditavam, naturalmente, que todo camponês era
obrigado a possuir um cavalo e, em segundo lugar, porque o uso eficaz
de tratores, especialmente em pequenas propriedades ou em áreas
montanhosas, somente era possível em bases cooperativas, o que
entrava em conflito com o seu arraigado e profundo individualismo.”
(LAUTERBACH. 1966, p.233).
Para Lauterbach, a abertura da
sociedade às inovações, assim como à aventura, é fundamental
para a existência do “espírito de empresa”, necessário ao
desenvolvimento econômico, o que veremos, mais adiante, no tópico
aventura.
-
2.6 – Estrangeiros
-
Para que uma sociedade se desenvolva é necessário, para Lewis (LEWIS, sd, p.13 e seguintes), que ela se integre com outras, que absorva conhecimento, enfim, que participe de comunidades cada vez maiores. Para isso, é importante que não haja entraves de origem cultural ao convívio e à integração com estrangeiros ou com outras raças. Esses entraves podem constituir-se em obstáculos ao desenvolvimento econômico. Lauterbach cita a atitude das sociedades para com estrangeiros, como um dos possíveis obstáculos de ordem sócio-cultural ao desenvolvimento, porém relacionando-o a outros como veremos no tópico seguinte.
-
-
2.7 – Aventura
As atitudes das sociedades para
com a aventura, favoráveis ou não são, para Lauterbach e Lewis,
importantes no sentido de que sem o gosto pela aventura, a sociedade
permanece estática, sem perspectivas de mudança. O espírito de
empresa, ou seja, a pré-disposição que o empresário tem para
assumir riscos, inovar, organizar, melhorar, etc; sem o que não há
a possibilidade de um desenvolvimento econômico profundo, está
intimamente ligado à relação de uma sociedade para com a aventura.
Podemos verificar isso no texto
abaixo, onde Lauterbach faz novamente referência ao que Lewis chama
de desejo de economizar e também à necessidade, para fins de
desenvolvimento, ao livre contato com estrangeiros.
“Uma quarta influência
cultural é a avaliação da experiência, da inovação e do risco.
Nos países em que uma antiga convenção encara com desconfiança
tal comportamento, o desenvolvimento econômico encontrará uma maior
resistência do que em outros. Uma espécie de experimentação é a
procura de contatos e experiências estrangeiros, procura que é
apreciada em algumas culturas e condenada em outras. Nas culturas em
que a maioria mostra pouco “desejo de economizar” uma minoria
religiosa ou étnica pode colocar-se à frente do desenvolvimento
econômico. Os huguenotes e os judeus da Europa Ocidental, durante os
séculos XVII e XVIII, comprovam essa asserção. Em outros casos,
todavia, pode ser a minoria, que se atrasa economicamente, como, por
exemplo, os franco-canadenses.” (LAUTERBACH. 1966, p.231).
Se levarmos em conta que existem
religiões que pregam o enclausuramento de freiras (religião
católica) em conventos para que levem uma vida voltada somente para
a meditação religiosa temos um bom exemplo da influência da
religião, também nesse aspecto.
As atitudes sociais favoráveis
à aventura e ao risco são, para Lauterbach e Lewis, essenciais ao
desenvolvimento econômico. Tal importância fica patente, por
exemplo, ao analisarmos as seguintes passagens da obra de Lauterbach:
“Praticamente, toda ação de
negócios é, ao mesmo tempo, econômica e psicológica, dependendo
do ângulo em que é observada“ (LAUTERBACH. 1966, p.15).
“Mostraremos, em particular,
que o lucro, atual ou previsto, só em casos raros representa a
determinante definitiva da atividade comercial no sentido
psicológico, não obstante ser o lucro, comumente, o incentivo mais
direto e consciente dessa atividade” (LAUTERBACH. 1966, p.16).
“Em outras palavras, o método
tradicional, adotado por muitos economistas e historiadores, de
comparar práticas de negócios “similares” de vários países e
períodos, como se elas fossem fenômenos autopropulsores isolados,
leva, insensivelmente, à falsa interpretação etnocêntrica. Na
realidade, um padrão aparentemente objetivo de comportamento
comercial, tal como o regateio agressivo, a agiotagem, a aposta, a
liberalidade ou a trapaça, pode refletir grandes diferenças nas
atitudes e nas estruturas de referência”. (LAUTERBAC. 1966,
pág.17).
Ainda, sobre o que Lauterbach
chama de “espírito de empresa”, verificamos que tal espírito
não deriva apenas da vontade de enriquecer, mas da aptidão para
experimentar e inovar:
“Alguns dos obstáculos ao
desenvolvimento econômico, é verdade, são principalmente de
caráter econômico... Os impedimentos não-econômicos, todavia,
foram provavelmente ainda mais importantes. Alguns deles, certamente,
provêm de raízes psicológicas, sociais e culturais. De todos,
talves os mais amplamente analisados tenham sido a escassez do
espírito de iniciativa, no amplo sentido da iniciativa individual, a
aptidão para experimentar e inovar e a disposição de assumir
responsabilidade pelas decisões econômicas... Muitas experiências
demonstram que esse espírito – por mais necessário que ele possa
ser – não pode ser reproduzido à vontade, numa área
subdesenvolvida, principalmente, é certo, pela pregação de
conselheiros estrangeiros. Quase sempre não existe, simplesmente, a
classe ou grupo de pessoas dotado do tipo adequado de curiosidade e
de habilidade de perceber as oportunidades industriais e comerciais.
Usualmente, não há falta de pessoas que desejem enriquecer-se
rapidamente, mas essa atitude que é freqüente está longe de
representar um espírito de empreendimento”. (LAUTERBACH. 1966,
p.227 e 228).
Lewis, finalmente, relaciona a
religião com todas as atitudes favoráveis ou desfavoráveis ao
desenvolvimento, inclusive com a aventura e o gosto pelo risco:
“Podemos resumir as respostas à
primeira pergunta dizendo que certos códigos religiosos são mais
compatíveis com o crescimento econômico que outros. Se a religião
aceita valores materiais, estimando o trabalho, a parcimônia e o
investimento produtivo, a honestidade nas relações comerciais, bem
como a experimentação, o risco e a igualdade de oportunidades, a
religião será útil ao crescimento econômico, enquanto tende a
inibir o crescimento à medida que hostilizar tais princípios.”
(LEWIS. 1960, p.133).
Acreditamos que pudemos resumir
neste primeiro capítulo, tendo em vista as limitações de um
trabalho monográfico, as teorias de Lauterbach e Lewis, no que tange
aos obstáculos ao desenvolvimento de ordem comportamental ao
desenvolvimento econômico.
No próximo capítulo,
procuraremos entender os mecanismos como certas atitudes são fixadas
nas sociedades, através das instituições sociais.
Capítulo II – As instituições
sociais: a gênese das atitudes sociais
Quando expusemos a importância,
dentro de um processo de desenvolvimento econômico, das atitudes das
sociedades para com o trabalho, a riqueza, o conhecimento, etc...;
ficou muito claro que as ações dos indivíduos passavam de uma
forma ou de outra pela influência de valores religiosos,
educacionais, entre outros. Agora vamos passar a discorrer sobre
esses conjuntos de valores, as instituições sociais.
2.1 – Instituições sociais:
conceito
VILA NOVA nos dá um bom
conceito de instituições sociais:
“Instituições sociais são
conjuntos de valores, crenças, normas, posições e papéis
referentes a campos específicos de atividade e de necessidades
humanas. As normas e os valores compreendidos por cada instituição
orientam e regulamentam a satisfação das necessidades humanas. Em
outras palavras, as instituições estabelecem o modo socialmente
aceito de satisfazer determinadas necessidades e de realizar certas
atividades”. (VILA NOVA. 1985, p.93)
“Algumas instituições são
universais, isto é, existem, segundo as evidências etnográficas
disponíveis, em todas as sociedades urbano-industriais. Outras são
específicas de determinadas sociedades. As instituições universais
são o eixo de certos conjuntos de atividades relativas a satisfação
de necessidades humanas específicas e por isso também denominadas
instituições axiais. As instituições próprias de cada sociedades
são, em geral, complementares em relação às instituições
axiais. Família, governo, economia, educação, religião e
recreação são instituições universais. Embora universais essas
instituições apresentam-se de formas bastante diferente nas
diversas sociedades. As tentativas de resposta à questão do porquê
da universalidade dessas instituições e da questão referente ás
origens das mesmas dificilmente deixam de cair em especulações e,
conseqüentemente, em conjecturas e demonstrações não
fundamentadas em fatos”.(VILA NOVA. 1085, p.94)
Agora vamos discorrer sobre como
cada uma dessas instituições pode afetar o desenvolvimento
econômico. Sem nos esquecer que a própria economia é uma
instituição social, isto é, é explicada por crenças, legitimada
por valores e regulada por normas. Assim em todas as sociedades para
a produção, a circulação e o consumo de bens escassos existem
crenças, valores, normas, posições e papéis determinados.
2.2- A família
Recorrendo novamente a Vila
Nova, veremos a seguir uma definição sociológica de família e os
principais tipos existentes:
“A família, como instituição,
refere-se universalmente à orientação e à regulamentação das
relações de parentesco, da procriação, das relações sexuais e
da transmissão dos componentes intermentais básicos da sociedade...
São muito variadas as formas de organização da família e
diversos os critérios sociológicos para sua classificação. Os
principais tipos de família são a monogâmica (união de um homem
com uma mulher), a poligínica (união de um homem com duas ou mais
mulheres) e a poliândrica (união de uma mulher com dois ou mais
homens). Enquanto nas sociedades de tradição religiosa
judaico-cristã a família é monogâmica, nas sociedades baseadas na
ética religiosa muçulmana a família normal é a poligínica.
Conforme observa Ralph Linton, a única forma de casamento
reconhecida e permitida em todos os sistemas sociais é a monogamia,
pois ela coexistiu com todas as outras, embora seja relativamente
pequeno o número de sociedades que lhe dão preferência. Além da
monogamia, da poliginia e da poliandria, há ainda o chamado
casamento grupal, mais raro do que aquelas formas de casamento.”
(VILA NOVA, 1985, p.95).
Ainda na visão de Vila Nova
(VILA NOVA, 1985, p.95 e 96), as formas de organização da família
refletem as imposições da coletividade para a sua própria
sobrevivência. Nas sociedades tradicionais agrárias o tipo
predominante de família é o extenso ou patriarcal, que compreende
várias gerações de parentes por consaguinidade, por casamento ou
por agregação. É muito comum em muitas sociedades que esse tipo de
família seja, ao mesmo tempo, unidade de consumo e de produção, ou
seja, que os principais bens necessários á família (alimentos,
vestiário, calçado, etc.) sejam produzidos por ela própria. O
tamanho ideal da família patriarcal é grande. Em muitas sociedades,
a família patriarcal está relacionada à necessidade de braços
para o trabalho agrícola. Já nas sociedades do tipo
urbano-industrial do presente, a família patriarcal não se
harmoniza com as exigências próprias do estilo de vida desses
sistemas sociais. Nesses grupos sociais predomina a família nuclear,
composta do casal e dos filhos. Ao contrário do que ocorre nas
sociedades tradicionais, nas sociedades urbano-industriais a família
é apenas unidade de consumo e o seu tamanho ideal é
compreensivelmente pequeno. Se no ambiente social rural a família de
orientação (a que é composta por todos os nossos parentes por
consaguinidade ou não) é um grupo de referência muito
significativo para os indivíduos, já no ambiente social urbano a
importância da família de orientação como grupo de referência é
consideravelmente menor do que na família de procriação (a que é
composta apenas pelos nossos parentes imediatos: filhos, esposa e
marido). Nas sociedades tradicionais agrárias, a família
concentrava grande número de funções, enquanto nas sociedades
secularizadas do presente a família tem perdido muitas das funções
que antes eram a ela atribuídas. As funções afetivas da família,
desse modo, passaram a ter importância bem maior do que do tipo
patriarcal.
Essa comparação das
características da família patriarcal com as da família nuclear
mostra-nos o quanto todas as instituições de uma sociedade são
dependentes. Como já dissemos, embora possamos tratar
conceitualmente as instituições como entidades isoladas, elas são,
na realidade, interdependentes. Aquilo que ocorre em um campo
institucional tende a se refletir nos demais. Por isso apesar da
possibilidade de abordá-los isoladamente, o que caracteriza
plenamente a perspectiva sociológica, é precisamente a busca dos
nexos porventura existentes entre as várias instituições.
Quanto à família nuclear
moderna e o seu funcionamento, recorremos a Bottomoro que nos diz o
seguinte:
“A família nuclear, já o
dissemos, é um fenômeno universal porque realiza funções sociais
indispensáveis. Os jovens humanos permanecem imaturos por um período
que é longo, em relação à duração da vida humana, durante esse
período têm de ser mantidos e socializados. Essa é a principal
função da família nuclear. Sua realização é independente da
forma de família, das disposições de parentesco, dos hábitos
matrimoniais, do tipo de controle do comportamento sexual, ou de
funções adicionais pela família. Tudo isso varia com as variações
das outras instituições sociais. Além disso, as formas pelas quais
a família nuclear desempenha sua principal função também são
determinadas por outros elementos da sociedade. A família socializa
a criança, mas não cria os valores que transmite, estes vêm da
religião, nação, casta ou classe. Assim o caráter específico da
família nuclear em qualquer sociedade é determinado por outras
instituições ao invés de determiná-los Da mesma forma as mudanças
sociais são originadas nas outras instituições e não na família.
A família se modifica em reação a elas...
“A família transmite valores
determinados por outras instituições, é um agente não um
principal” (BOTTOMORE. 1983, p.175)
Ainda segundo Bottomore
(BOTTOMORE. 1983, p.175/176) outra característica da interação da
família com outras instituições é que nenhum grupo na sociedade é
tão influenciado por códigos morais e religiosos. A conexão entre
a família e a religião pode ser vista hoje na preocupação das
sociedades ocidentais com a “promiscuidade” sexual e o divórcio,
por exemplo. Enquanto a influência das religiões tem sido
habitualmente no sentido de preservar as formas de família
estabelecidas. As mudanças nas instituições econômicas constituem
também um fator para provocar também mudanças na família.
Em resumo, a família, como
instituição, é um elemento transmissor de crenças e valores que
são determinados por outras instituições, especialmente a religião
e a economia. A religião, no sentido de manter, de preservar os
valores tradicionais e a economia no de mudá-los.
Por essas observações podemos
verificar que a família tem grande influência no processo de
desenvolvimento econômico quando levamos em conta que ela pode,
através da socialização, levar os indivíduos, através da
transmissão de valores e crenças (determinados por outras
instituições) a agirem com relação aos fatores já amplamente
discutidos como trabalho, riqueza, procriação, conhecimento, etc,
de modo negativo em relação ao desenvolvimento econômico.
Extraindo um exemplo de Vila
Nova (VILA NOVA. 1985, 95/96) temos que, o caso de uma família do
tipo patriarcal, a necessidade de poupar ou adquirir ativos é
reduzida, uma vez que a própria família garante os dependentes e dá
segurança para os velhos. O sistema de herança adotado pode inibir
a mobilidade. O papel das mulheres na economia, de acordo com o tipo
de família, pode ter efeitos sobre a taxa de natalidade e até sobre
a demanda de aparelhos eletrodomésticos.
2.3 – A Educação
Para iniciarmos nossa exposição
sobre o papel da educação no desenvolvimento econômico precisamos,
antes de tudo, expor brevemente o conceito de controle social, nas
palavras de Vila Nova:
“Controle social é qualquer
meio de levar as pessoas a se comportarem de forma socialmente
aprovada. Logo, a socialização é o meio básico de controle social
a que é principalmente através da assimilação de valores, crenças
e normas que o indivíduo pode comportar-se de modo socialmente
aprovado. O controle social é, portanto, eficiente à medida que os
indivíduos não apenas baseiam suas ações no cálculo das
recompensas e punições socialmente previstas, respectivamente para
o cumprimento e a infração das normas sociais, mas também
acreditam na legitimidade das regras socialmente impostas. Isto só é
possível com a interiorização dos valores e crenças que
fundamentam as normas. Em outras palavras, não basta o desejo de
recompensas nem o medo de punições para que os indivíduos se
comportem de maneira socialmente esperada. Punições e recompensas
atuam sobre o comportamento do indivíduo à medida que são dotadas
de um significado subjetivo para ele. Punições e recompensas
somente possuem sentido para os indivíduos quando partem de grupos
com os quais eles se identifiquem e dos quais dependam para
satisfazer a necessidade de aceitação social.” (VILA NOVA.
1985,p.52).
Para
Bottomore (BOTTOMORE. 1983, p.197 e seguintes), os principais
tipos de controle são o costume e a opinião, a lei, a religião, a
moral e a educação (entendida como conhecimento e ciência). O
sistema educacional também figura como agência de controle social,
juntamente com o sistema político, igrejas e outros órgãos
religiosos, a família (onde a socialização inicial tem lugar) e
muitas organizações especializadas.
O controle social, nesse
sentido, deve ser contrastado com a regulamentação pela força. A
sanção final da lei é a coação física e esta é mais efetiva
quando pode ser justificada em termos de valores aceitos por todos e
o grupo dominante deve estar unido por outro meio qualquer.
Feitas as considerações acima
voltamos à instituição educação vista não apenas como
transmissora, mas como determinante de crenças e valores através do
conhecimento e da ciência.
Ainda segundo Bottomore:
“A função da educação no
preparo da criança para um determinado meio de sociedade como
Durkhein definiu significou, tradicionalmente, o seu preparo para a
participação num determinado grupo na hierarquia social. A
experiência das modernas políticas de igualdade indica ser muito
difícil eliminar essa característica, principalmente porque os
critérios intelectuais e sociais freqüentemente se confundem. As
crianças de famílias de alto status estão, em geral, melhor
qualificadas para a educação superior, por causa da variedade de
vantagens que desfrutam.” (BOTTOMORE. 1983, p.248).
“Nas sociedades mais antigas,
onde a alfabetização era muito valorizada como base de prestígio e
poder, os professores eram altamente considerados. Além disso, os
próprios professores vinham habitualmente de famílias de alta
posição. A educação formal dava a uma minoria destinada a
governar e administrar a sociedade um código preciso de moral e
comportamento...
Com a realização da
alfabetização em massa nas modernas sociedades industriais, o
prestígio social do mestre tendia a declinar, pois já não era
distinguido como um homem alfabetizado. Além disso, os professores
primários passaram a ser recrutados entre as camadas sociais
inferiores. Por sua vez o crescimento da economia destacou a riqueza
como meio de prestígio e poder...
Os valores professados pelo
mestre não se revestem mais de autoridade, têm de competir com os
fatores apresentados à criança pela sua família, grupo de iguais e
os veículos de comunicação de massa... Há conflitos manifestos
entre a família e a escola provocados pela mobilidade social (por
exemplo, em muitas sociedades ocidentais o conflito entre os padrões
da classe média observados na escola secundária e na universidade),
pelo caráter secular da educação estatal em contraste com os
valores religiosos da família (ou vice-versa), ou de diferenças de
perspectivas entre as gerações; e há igualmente conflitos sérios
entre a escola e o grupo em que a criança vive e entre a escola e os
meios de comunicação de massa...” (BOTTOMORE, 1983, 250 a 252).
Continuando em Bottomore temos:
“Pode haver, ainda, sociedades
nas quais as mentes dos homens sejam embotadas pela instrução
dogmática que os leva a aceitar, sem crítica, as opiniões das
autoridades políticas ou religiosas, mas o caráter geral da
educação formal foi profundamente modificado pela ciência e
tecnologia modernas. Talvez a maior diferença entre as sociedades
primitivas e antigas e as modernas sociedades industriais esteja no
fato de que nas primeiras a educação se limitava em grande parte a
transmitir um modo de vida, enquanto na última, devido à massa de
conhecimentos existentes, à aplicação da ciência a produção, e
à minuciosa divisão do trabalho, a educação formal não apenas
predomina no processo educacional de modo geral como é também
dedicada em grande parte à transmissão do conhecimento empírico...
Outra grande diferença está em que, enquanto nas sociedades antigas
um modo de vida e uma soma de conhecimentos relativamente imutáveis
eram transmitidos, o conhecimento científico comunicado pela
educação moderna é passível de rápida mudança. Além disso, a
educação é cada vez mais necessária para preparar os indivíduos
para um mundo em mudança permanente, e não para um mundo estático.
É sob esse aspecto que devemos considerar a educação formal nas
sociedades modernas como uma forma de comunicar, independentemente,
idéias e valores que desempenham um papel na regulamentação do
comportamento... A ciência e a tecnologia modernas não são apenas
a base de regras infinitamente mais complexas de artesanato mas
também uma abordagem racional da natureza e da vida social, que tem
um papel cada vez mais importante no estabelecimento e manutenção
da cooperação social. Além disso, o conhecimento científico, nos
três últimos séculos, criticou implícita ou explicitamente as
idéias defendidas pelas doutrinas religiosas e morais e foi, em
grande parte, responsável pelas modificações que estas últimas
sofreram. Toda racionalização do mundo moderno com o qual Max
Weber se preocupava está ligada ao desenvolvimento da ciência, e
como o principal veículo desse desenvolvimento, pelo menos durante o
último século, foi o sistema educacional, podemos falar
legitimamente da educação formal como tipo de controle social.”
(BOTTOMORE. 1983, p.252 a 254).
Bottomore, ainda se referindo à
instituição social da educação, prossegue:
“A educação, no sentido
amplo, desde a infância até a condição adulta, é assim um meio
vital de controle social e sua importância aumentou grandemente nas
últimas duas décadas graças à rápida expansão da educação em
todos os níveis nos países em desenvolvimento e pelo igualmente
rápido crescimento da educação secundária e superior nos países
industriais. Através da educação as novas gerações aprendem as
normas sociais e as punições pela sua não observância são
instruídas também sobre sua posição e deveres dentro do sistema
de diferenciação e estratificação social. Nas sociedades modernas
onde a educação formal se torna predominante e onde um grupo
ocupacional importante de professores passou a existir, a educação
é também um dos tipos principais de controle social (como fonte de
conhecimento científico) que está em competição e por vezes em
conflito com outros tipos de controle. Tal conflito pode-se tornar
particularmente agudo com a extensão da educação superior a uma
maior proporção da população como a experiência o demonstrou,
durante os últimos anos na Europa e América do Norte, o sistema
educacional pode proporcionar cada vez mais uma das principais fontes
de mudança e inovação nas normas sociais”. (BOTTOMORE.
1983, p.254 e 255).
Como
vimos, a educação, entendida, não só como transmissora de
conhecimento mas sobretudo como determinante de crenças e valores
(conhecimento científico) tem um papel fundamental na formação da
personalidade social, e portanto influi nas atitudes dos indivíduos
quanto aos fatores que mencionamos no início deste trabalho e que
são vitais para o desenvolvimento econômico (procriação, riqueza,
trabalho, conhecimento, aventura, etc.) ao mesmo tempo que modifica
o sistema de crenças e normas tradicional e dogmático existente,
erigido, principalmente, pela instituição social que veremos a
seguir: a religião.
A educação atua na mudança da
percepção que os indivíduos têm do mundo físico do irracional
(fundamentado em dogmas religiosos) para o racional (fundamentado na
ciência) à medida que as sociedades se desenvolvem, ou em suma
mudam da superstição para a razão. Sem este processo de mudança o
desenvolvimento econômico não é possível. Não se pode esquecer
ainda que a educação está em constante contato e conflito com
outras instituições, especialmente a religião, influenciando e
sendo influenciada por elas.
2.4 – A religião
A religião, para Bottomore
(BOTTOMORE. 1983, p.220 e seguintes), difere dos outros aspectos da
vida social porque diz respeito a sistemas de crença bem como de
relação e ação, e porque seus sistemas de ação, em si, são
dirigidos para entidades cuja existência não está aberta à
observação. Na maioria dos campos do comportamento social as idéias
são normativas, dizem respeito ao que deveria ser feito e as razões
pelas quais deveria ser feito. O pensamento religioso embora em certo
sentido seja o próprio tipo de pensamento sobre o que deveria ser
feito, também inclui preocupação como o que é e por que é (como
a natureza do universo e o lugar do homem nele) é o que a maioria
dos teólogos chama de “grandes mistérios”.
A religião consiste em crenças
e práticas. Toda a sociedade tem sua visão de mundo e nas que não
têm tradição em ciência experimental esta é formulada sob o
aspecto de dogma religioso. Nas sociedades de tecnologia simples, as
pessoas crêem que os processos da natureza e o sucesso do esforço
humano estão sob controle de entidades fora do alcance da
experiência e cuja intervenção pode mudar o rumo dos
acontecimentos. A palavra usada geralmente para descrever essas
entidades é: “sobrenatural”.
Segundo Bottomore, as obras mais
consagradas ao estudo sociológico da religião foram as de Émile
Durkheim e Max Weber, sendo que, desde então, poucas contribuições
teóricas foram feitas a esse assunto.
Durkhein (in BOTTOMORE,
1983, p.220 e seguintes) argumentou que em todas as sociedades há
uma distinção entre coisas “sagradas” e “profanas”. A
religião é um sistema unificado de crenças e práticas
relacionadas com coisas isoladas e proibidas (crenças e práticas
que unem numa única comunidade moral, chamada Igreja todos os que a
elas aderem).
Na teoria de Durkheim, os
aspectos coletivos da religião são acentuados, a função dos
rituais religiosos é afirmar a superioridade moral da sociedade
sobre seus membros individuais e com isso manter a solidariedade da
sociedade.
Para Durkheim as crenças
religiosas se apóiam sobre uma experiência específica, cujo valor
demonstrativo é diferente mas não inferior ao fornecido pelas
experiências científicas, e acrescenta que se a experiência
religiosa tem fundamento isso não significa que esses fundamentos
sejam exatamente os que os crentes lhe atribuem. O papel essencial da
religião não é enriquecer nossos conhecimentos, é ajudar-nos a
viver, tornar-nos mais fortes. É o que fazem o rito e sua repetição
em intervalos mais ou menos regulares.
Vila Nova se refere a esta
questão da seguinte forma:
“A sociedade é também, em
grande medida, aquilo que as pessoas acham que ela é ou deve ser”
(VILA NOVA. 1985, p.55).
Ainda
conforme Bottomore (BOTTOMORE. 1983, p.222 e seguintes), toda
sociedade necessita reafirmar, em intervalos regulares, os
sentimentos coletivos, as idéias coletivas, que lhe dão unidade e
originalidade. Esta é a finalidade e o papel das cerimônias
religiosas. Este é o elemento eterno da religião que sobrevive às
diversas e efêmeras expressões simbólicas. Em suma, para Durkheim,
a religião garante a integração dos grupos sociais, ela é a força
soberana da integração social.
Toda sociedade tem preferências
fundamentais que fazem dela um grupo particular, com seus costumes,
seus hábitos, sua organização, que mantém sua existência. A
religião exprime estas preferências, estes valores primários e os
relembra continuamente pelo culto. Com isso mantém a unidade
profunda entre os membros da sociedade, acentuando valores essenciais
e acessíveis, numa comunhão em que um recebe sem tirar do outro.
Ela garante ao grupo uma unidade que transcende oposições de
interesses econômicos, políticos e até mesmo culturais e
ideológicos.
Já Max Weber (in
BOTTOMORE, 1983, p.223 e seguintes) ocupa-se com um único aspecto
principal da ética religiosa, ou seja, suas conexões com a ordem
econômica. Weber examina essas conexões de dois pontos de vista: a
influência de determinadas doutrinas religiosas sobre o
comportamento econômico e a relação entre a posição de grupos no
sistema econômico e tipos de crença religiosa. Interessam-lhe menos
as doutrinas éticas, tais como os teólogos as expõe, do que na sua
forma popular como guias do comportamento cotidiano. O trabalho mais
conhecido de Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo”, que foi o ponto de partida de seus estudos da
religião, visa mostrar o papel desempenhado na origem e
desenvolvimento do capitalismo moderno pela ética calvinista. A tese
é em resumo o seguinte:
“O Calvinista, jamais convicto
de ser um dos eleitos (para a vida eterna), busca indícios dessa
eleição na sua vida terrena e os encontra na prosperidade de seus
empreendimentos. Mas não lhe é permitido desfrutar o ócio, em
conseqüência de seu êxito, ou usar o dinheiro em busca do luxo ou
prazer. Assim, é obrigado a reempregar o dinheiro em negócios, e a
formação do capital ocorre em conseqüência dessa obrigação
acética de salvar-se. Além disso, somente o trabalho regular e
racionalizado, a contabilidade exata que torna possível o estado dos
negócios a qualquer momento e o comércio pacífico são coerentes
com o espírito dessa moralidade., pois o calvinista é senhor de si
mesmo, desconfia dos instintos e paixões, é independente e tem
confiança apenas em si, estuda e reflete sobre seus atos como o
capitalista deve fazer... Weber apresentou o protestantismo como um
exemplo favorável que nos permite compreender a forma pela qual as
idéias agem na história. As concepções teológicas e éticas dos
protestantes foram influenciadas em sua formação por várias
circunstâncias sociais e políticas, e, além disso, não tiveram
influência direta sobre as questões econômicas. Mas as idéias têm
sua própria lógica e dão origem a conseqüências que podem ter
uma influência prática. Assim os dogmas do calvinismo,
estabelecidos na consciência de indivíduos pertencentes a
determinados grupos, provocou uma atitude particular para com a vida
e uma forma específica de comportamento. Após o desenvolvimento
econômico favorecido pela ética protestante, o calvinismo, apoiado
numa base mecânica, não precisou mais do abrigo da religião, a
ética está em processo de secularização, porém suas bases
(racionalidade, trabalho como um fim em si mesmo, moderação no
consumo, busca incessante pela riqueza, repúdio ao ócio, etc)
impregnaram a sociedade, despidas de sua roupagem ética religiosa”
(BOTTOMORE. 1983, p.224).
Ainda sobre a religião, como
instituição social que pode operar como obstáculo ao
desenvolvimento econômico, temos em Kindleberger:
“A religião é um outro fator
social considerado importante para o desenvolvimento econômico. Max
Weber e R.H. Tawney deram ênfase à ligação existente ente a
Reforma Protestante e o crescimento econômico, passando pelos
preceitos puritanos de amor ao trabalho, à poupança e de satisfação
espiritual através do trabalho. Erich Fromm divide as religiões em
masculinas e femininas, sendo as primeiras caracterizadas pelo
protestantismo e judaísmo, que ressantam o amor paternal a exigir do
filho desempenho e as segundas representadas pelo catolicismo,
principalmente, anterior à reforma, o qual oferecia o amor do filho
pelo seu próprio valor. As religiões masculinas pregam a salvação
através do trabalho, que inclui realização em termos de dinheiro,
ao passo que as femininas pregam a salvação futura e,
conseqüentemente, a satisfação com o que se tem” ( KINDLEBERGER.
1976, p.29).
Não resta dúvida, tendo em
vista a obra dos autores citados e, ainda, Lucy Mair (MAIR. 1982,
p.200 e seguintes), de que a religião é uma das instituições mais
importantes para a organização social, precisamente pelo seu
conteúdo moral. A religião, referindo-se predominantemente ao
sobrenatural, reflete-se, no entanto, no comportamento real das
pessoas. É por isso que ela interessa à investigação sociológica
e econômica. As crenças e os valores religiosos são fatores muito
poderosos de formação de atitudes. A religião, por esse motivo, é
um dos mais fortes componentes do caráter, do modo de ser de
qualquer povo. Mesmo nas sociedades secularizadas de hoje, nas quais
os indivíduos tendem a orientar as suas ações por critérios
utilitaristas e pragmáticos, a religião está presente até mesmo
no comportamento das pessoas que se dizem não religiosas,
precisamente pelo fato de que os ideais éticos da religião, estando
presentes em toda a cultura, são inculcados pela socialização em
todos os indivíduos. Esta é a razão pela qual podemos falar em
culturas de tradição judaico-cristã, em culturas católicas ou
muçulmanas. Portanto, a tomada de atitudes vitais ao
desenvolvimento, tais como riqueza, poupança, trabalho, procriação,
invenções, estrangeiros, aventura, formação do espírito de
empresa, etc... são profundamente influenciadas pela religião que
ainda atua fortemente sobre outras instituições como a família,
embora, também sofra influência destas.
2.5 – Os Costumes:
Os costumes, de acordo com
Bottomore (BOTTOMRE. 1983, p.212 e seguintes), não têm a forma de
elaboração sistemática que encontramos no caso da lei, moralidade
ou religião. Há certa imprecisão e por vezes ambigüidade em
relação às infrações do código de comportamento que determinam
e em relação às punições. Ao estudar-se os costumes, chegou-se à
conclusão que nem a força do hábito nem o respeito pela tradição
pública, nem o medo de seres sobrenaturais poderiam explicar
totalmente a conformidade. Acentuou-se o papel das “obrigações
compromissantes” e da “reciprocidade” como estímulos positivos
ao comportamento habitual. Observou-se que a vida numa comunidade
primitiva envolve todas as pessoas em obrigações semelhantes à
primeira. Essas obrigações são cumpridas em parte devido à
opinião pública e ao interesse próprio: é compensador, sob vários
aspectos, agir como se deve e, se não for assim, haverá perda de
benefícios e da estima social.
Até nas modernas sociedades
industriais a importância do costume está longe de ser desprezível,
pois grande parte da religião é antes habitual do que produto da
reflexão e as relações sociais comuns são regulamentadas em
grande parte pelo costume e opinião pública. Portanto, uma vez
formado o costume pela atuação da lei, moralidade, religião e pela
ação da reciprocidade, mesmo que tais costumes não tenham mais
razão de ser, eles permanecem na sociedade.
2.6 – Personalidade Cultural
Assim como os indivíduos
possuem uma personalidade individual as sociedades possuem também,
como um todo, a sua personalidade, isto é, os indivíduos agem de
maneira semelhante em situações parecidas. Essas características
de cada sociedade são formadas ao longo do tempo principalmente pela
atuação das instituições sociais (família, religião, educação,
costumes, economia, direito, etc.).
A personalidade somente se
desenvolve através da socialização e dessa maneira reproduz de
algum modo os estados e movimentos do ambiente social no qual ela
está inserida.
Exemplos conhecidos de
personalidade social são, por exemplo: a capacidade de cooperação
dos dinamarqueses (KINDLEBERGER. 1976, p.36), uruguaios e
neozelandezes, assim como a capacidade de trabalho dos alemães.
2.7 – Mudança Social
A sociedade é também uma
realidade que se transforma continuamente. Algumas sociedades
transformam-se com grande rapidez. Outras mudam mais vagarosamente.
As sociedades tradicionais (mais isoladas) transformam-se mais
lentamente do que as sociedades do tipo urbano-industrial. Toda
mudança social acarreta necessariamente transformações no acervo
cultural de um povo, portanto no domínio das crenças, dos valores,
das atitudes, dos costumes, etc.
Muitas podem ser as causas de
mudança social. Fatores geográficos (clima, cataclismos, recursos
naturais, etc.). Outro fator importante é a liderança, notadamente
de pessoas carismáticas (Lutero, Calvino, Lênin, Getúlio Vargas,
etc), fenômenos demográficos.
No entanto, o estudo sociológico
nos levou a não dar grande importância a esses fatores, pois os
mesmos atuam conjugadamente com fatores sociológicos (a reação
humana aos fenômenos naturais e a socialização dos líderes
carismáticos são resultado da ação da socialização e, portanto,
são afetados por fenômenos sociológicos).
Os fatores mais importantes da
mudança social são, conforme aceito pela maioria dos autores, a
descoberta, a invenção, e a difusão por contato sócio-cultural,
sobre os quais discorreremos a seguir, conforme Vila Nova (VILA NOVA.
1985, p.112 e seguintes).
-
Descoberta: é todo e qualquer conhecimento acrescentado ao acervo de informações e explicações existentes numa sociedade, enquanto invenção é toda aplicação original do conhecimento disponível. As descobertas só se tornam causa de mudança social quando são efetivamente aplicadas, ou seja, quando são transformadas em invenções. Exemplo: máquina à vapor (invenção material), banco, voto secreto (invenções sociais).
-
Difusão: “Para alguns cientistas sociais, como o antropólogo George M. Foster, o mais importante fator de mudança da cultura é o contato entre sociedades. É através do contato entre sociedades que descobertas e invenções são difundidas e incorporadas em muitas sociedades. A pólvora que tanto contribuiu para a transformação do mundo ocidental é uma invenção chinesa. O contato entre sociedades tende a provocar também a difusão de valores, crenças, normas, atitudes e aspirações, o que constitui num importante fator de mudanças sociais. O crescente aperfeiçoamento dos meios de comunicação de massa tem sido causa da intensificação dos contatos entre sociedades. Desse modo os meios de comunicação de massa são hoje um dos mais eficientes meios de mudança social. Ao mesmo tempo as sociedades tradicionais simples de economia predominantemente agrária são mais resistentes à absorção de novos padrões culturais, enquanto as sociedades secularizadas do tipo urbano-industrial tendem a ser mais receptivas à mudança. Tem-se verificado que as áreas institucionais às quais pertencem os valores básicos e as normas sagradas são precisamente as de maior resistência à mudança.” (VILA NOVA. 1985, p.112).
Logo, é compreensível que,
universalmente, família e religião sejam as áreas de atividade nas
quais as pessoas apresentam uma tendência mais acentuada à
resistência, à mudança social. Esta é a razão pela qual as
mudanças no plano dos valores ético-religiosos tendem a afastar a
organização da sociedade como um todo. Mas esta constatação não
significa, por outro lado, que as mudanças na tecnologia e na
economia não afetem as instituições da família e da religião.
Existe um princípio sociológico que diz que transformações em
qualquer domínio institucional da sociedade tendem a afetar outros
domínios e, em conseqüência, toda a sociedade. Mas, de acordo com
Lewis e Lauterbach, e tendo em vista os mecanismos sociológicos já
citados, a família e a religião, como instituições, operam como
um obstáculo, embora não intransponível, a essas mudanças, as
quais se não são impossibilitadas, o são certamente atrasadas.
2.8. Influências sócio-culturais
ao desenvolvimento econômico
Como vimos, há uma influência
mútua entre as variáveis econômicas e as não econômicas no
processo de desenvolvimento econômico. As atitudes que os
indivíduos, e num plano mais alto a sociedade, toma com relação ao
trabalho, riqueza, poupança, procriação, invenções,
estrangeiros, aventura, etc., são condicionadas pelas instituições
sociais. Os indivíduos são socializados pela família e pela escola
(ciência), mas ambas recebem fortes influências da religião e dos
costumes. Essas influências podem operar, na teoria de Lewis e
Lauterbac, como obstáculos ao desenvolvimento econômico, retardando
as mudanças sociais necessárias ao processo de desenvolvimento, as
quais podem ser resumidas em:
2.8.1. Racionalidade,
na percepção: a percepção ou maneira pela qual o indivíduo
interpreta o mundo físico que o rodeia, tende a mudar do irracional
para o racional, ou da superstição para a razão, a medida que as
sociedades se desenvolvem.
2.8.2. Universalidade,
na associação: em termos de associação, o desenvolvimento traz
consigo uma mudança do particularismo para a universalidade (ou
realização). De acordo com o primeiro, os papéis na sociedade são
escolhidos conforme a família do indivíduo, sua religião, casta e
renda; de acordo com o segundo, a escolha se faz com base na
capacidade de desempenhar um determinado papel.
2.8.3. Especificidade,
nas relações: as relações essenciais variam desde as difusas, nas
quais os limites das obrigações das pessoas para com os semelhantes
são muito fluidos, até as específicas, em que os limites são
definidos sob a forma de contratos.
A gritante disparidade entre as
sociedades desenvolvidas e ricas e as sociedades tradicionais e
pobres, que representam quase dois terços da humanidade, ocasionou
até uma especialidade dentro da sociologia: a sociologia do
desenvolvimento, cujos estudos muito têm auxiliado os economistas,
especialmente os ligados à Teoria do Desenvolvimento Econômico.
Após esta necessária incursão
pela Sociologia, onde examinamos, dentro das possibilidades deste
trabalho, como as instituições sociais atuam na formação e
transmissão das atitudes às quais nos referimos no primeiro
capítulo, passamos à análise das características dominantes da
sociedade brasileira e sua relação com o desenvolvimento econômico,
tendo em vista as teorias de Lauterbach e Lewis.
Capítulo III – A Sociedade
Brasileira: suas características sócio-culturais e o
desenvolvimento econômico.
Neste terceiro capítulo
procuraremos investigar a existência de características sociais
inibidoras ou facilitadoras do desenvolvimento econômico, tendo em
vista as teorias analisadas no primeiro capítulo. Para isso
recorreremos a dois dos mais renomados “pensadores” da sociedade
brasileira: Gilberto Freire e Sérgio Buarque de Holanda.
3.1. Formação da Sociedade
Brasileira
Nossa sociedade foi formada,
segundo Sérgio B. de Holanda (HOLANDA. 2000, p.31) e seguintes)
Gilberto Freire (FREIRE. 1986, p.219 e seguintes) com base na cultura
lusitana que os portugueses implantaram no Brasil quando de sua
descoberta. Uma vez que essa cultura imposta pelos descobridores não
encontrou muita resistência por parte dos ameríndios, que eram
povos nômades que viviam da caça, pesca e do consumo de vegetais,
que não eram cultivados, mas extraídos, ela prevaleceu sem
dificuldades. A cultura lusitana implantada num território extenso,
dotado de condições naturais, se não adversas, largamente
estranhas à tradição milenar é, nas origens da sociedade
brasileira, um fato dominante.
3.2. Costumes
Antes de discutirmos a herança
recebida dos portugueses, temos que, em primeiro lugar, averiguar
quem eram e como foi formada a sua cultura, ainda com base nos
estudos de Freire (FREIRE. 1986, p.230 a 234).
O lusitano é um povo étnica e
culturalmente heterogêneo. Da era paleolítica, não se tem
conhecimento preciso para dizer se seus elementos vieram da África
ou pertenceram à Europa. Há quem admita origem européia. Mas nos
períodos paleolítico superior e neolítico houve um intenso contato
entre a Península Ibérica e a África. Chegaram depois gregos e
cartagineses, no Sul e Celtas, no norte, os quais vêm dar um novo
colorido ao povo. Já nos tempos históricos, chegaram os Romanos que
influíram sensivelmente na economia, política e, principalmente,
sobre a cultura moral. A população foi dominada, mas não esmagada.
Vieram depois os alanos, os vândalos, os suevos e os visigodos,
completando três séculos de dominação. Mas aconteceu algo novo,
foram os invasores que se submeteram ao credo dominante dos
hispano-romanos, o catolicismo. Finalmente chegaram os mouros que se
demoraram, mas foram, por fim, vencidos. Embora derrotados, os
sarracenos deixam uma influência indelével no elemento físico e
cultural do Luso.
O português é um povo
cosmopolita. Além das muitas invasões estrangeiras, a Península
Ibérica sofreu ainda influência de muitos outros povos, em razão
de sua posição geográfica. A Península Ibérica funciona como um
território-ponte, por onde a Europa se comunica com os outros
mundos. Dessa forma pode-se dizer que Portugal e Espanha formam uma
espécie de zona de transição, com características européias
menos evidentes. Surgiu assim um tipo de sociedade que se
desenvolveria, em alguns sentidos, quase às margens das congêneres
européias.
Uma das características mais
peculiares dos Ibéricos, desde os tempos mais remotos, é, segundo
Holanda (HOLANDA. 2000, p.31 a 33), a “cultura da personalidade”:
onde atribui-se importância particular ao valor próprio da pessoa
humana, à autonomia de cada um dos homens em relação aos
semelhantes. É dessa característica que resulta largamente a
singular tibieza das formas de organização, de todas as associações
que impliquem solidariedade e ordenação entre os povos. Essa
característica fazia com que a estrutura social fosse frouxa e não
houvesse uma hierarquia organizada. A falta de coesão em nossa vida
social não representa, assim, um fenômeno moderno.
Outro traço que caracteriza o
português, ainda segundo Holanda, muito mais que os seus vizinhos
espanhóis é a sua adaptabilidade. Talvez, por sua origem étnica
híbrida, os portugueses caracterizam-se por uma grande
adaptabilidade, a qualquer região do globo desde o ártico gelado
até as zonas tórridas próximas ao equador. Essa característica
foi fundamental para a instalação de colônias tropicais, onde o
português, por absoluta debilidade demográfica, teve que procriar
com mulheres nativas e posteriormente negras, dando início a um
processo de miscigenação muito característico do Brasil.
A característica a que nos
referimos, há pouco, da cultura da personalidade (Holanda. 2000,
p.37 e seguintes), resultou, ainda, a antipatia pelas teorias
negadoras do livre arbítrio, ou seja, onde o mérito e a
responsabilidade individual não encontrassem pleno reconhecimento.
Sobre esse tema, Holanda vai ainda mais longe:
“Foi essa mentalidade,
justamente, que se tornou o maior óbice entre eles, ao espírito de
organização espontâneo, tão característica de povos
protestantes, e sobretudo calvinistas, porque, na verdade, as
doutrinas que apregoam o livre arbítrio e a responsabilidade pessoal
são tudo, menos favorecedoras da associação entre os homens. Nas
nações Ibéricas, à falta dessa racionalização da vida, que tão
cedo experimentaram algumas terras protestantes, o princípio
unificador foi sempre representado pelos governos. Nelas predominou o
tipo de organização política artificialmente mantida por uma
força exterior, que nos tempos modernos encontrou uma das suas
formas características nas ditaduras militares” (HOLANDA. 2000,
p.37).
Quanto à questão relacionada
às atitudes do português com relação ao trabalho temos:
“Um fato que não se pode
deixar de tomar em consideração, no exame da psicologia desses
povos, é a invencível repulsa que sempre lhe inspirou toda moral
fundada no culto ao trabalho. Sua atitude normal é, precisamente, o
inverso da que, em teoria, corresponde ao sistema do artesanato
medieval, onde se encarece o trabalho físico, denegrindo o lucro, o
lucro torpe. Só muito recentemente, com o prestígio maior das
instituições dos povos do norte, é que essa ética do trabalho
chegou a conquistar algum terreno entre eles”.
“É compreensível, assim, que
jamais se tenha naturalizado entre a gente hispânica a moderna
religião do trabalho e o apreço à atividade utilitária. Uma digna
ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até mais nobilitante, a
um bom português ou a um espanhol do que a luta insana pelo pão de
cada dia. O que ambos admiram como ideal é uma vida de grande
senhor, exclusiva de qualquer esforço, de qualquer preocupação. E
assim, enquanto povos protestantes preconizam e exaltam o esforço
manual, as nações ibéricas colocam-se ainda largamente no ponto de
vista da Antigüidade clássica. O que entre eles predomina é
concepção antiga de que o ócio importa mais que o negócio e de
que a atividade produtora é, em sí, menos valiosa que a
contemplação e o amor”. (HOLANDA. 2000, p.38).
É facilmente compreensível, em
face do exposto, que a carência dessa moral do trabalho se ajustasse
bem à reduzida capacidade de organização social a que nos
referimos. A solidariedade entre os portugueses e espanhóis só
existe, e isto é importante, onde há vinculação de sentimentos,
mais do que relações de interesses.
O português encarna o tipo
aventureiro (HOLANDA. 2000, 44 e seguintes), para o qual o ideal é
colher o fruto sem plantar a árvore. É o tipo que ignora
fronteiras, suas energias e esforços dirigem-se para a recompensa
imediata. Nada lhes parece mais estúpido e mesquinho que o ideal do
trabalho. Portanto o português é o avesso do tipo trabalhador, que
enxerga primeiro a dificuldade a vencer, não o triunfo a alcançar.
Completando a visão que o
português tinha em relação à riqueza, Holanda arremata:
“O que o português veio buscar
no Brasil era sem dúvida a riqueza, mas a riqueza que custa ousadia,
não a riqueza que custa trabalho. A mesma, em suma, que se tinha
acostumado a alcançar na Índia com as especiarias e os metais
preciosos” (HOLANDA. 2000, p.49).
Uma outra face bem típica do
português é a ausência completa, ou quase completa, de qualquer
orgulho de raça (HOLANDA. 2000, p.53 e seguintes). Ao menos o
orgulho obstinado e inimigo de compromissos, que caracteriza os povos
do norte. Isso explica o fato de serem eles, em parte, e já ao tempo
do descobrimento do Brasil, um povo de mestiços (os negros
representavam a quinta parte da população de Lisboa em 1541). Eles
são distinguidos de seus vizinhos espanhóis, em termos raciais, por
ostentarem um contingente maior de sangue negro.
Outro aspecto peculiar da vida
brasileira, que herdamos como nos casos anteriores do colonizador
português, foi uma acentuação enérgica do afetivo, do irracional,
do passional, e uma estagnação ou antes uma atrofia correspondente
das qualidades ordenadoras, disciplinadoras, racionalizadoras. Um
exemplo bem típico dessa irracionalidade e passionalidade que
herdamos de nossos colonizadores e que se conserva em nossos
costumes é o “mutirão” que funda-se, desde os tempos mais
remotos, na expectativa de auxílio recíproco.
Um exemplo desse tipo de
comportamento, descrito por Holanda, foi chamado por um observador
setecentista de o “espírito da caninha”:
“Outros costumes, como o do
muxirão ou mutirão, em que os roceiros se socorrem uns aos outros
nas derrubadas de mato, nos plantios, nas colheitas, na construção
de casas, na fiação do algodão, teriam sido tomados de preferência
ao gentio da terra e fundam-se ,ao que parece, na expectativa de
auxílio recíproco, tanto quanto na excitação proporcionada pelas
ceias, as danças, os descantes e os desafios que acompanham
obrigatoriamente tais serviços. Se os homens se ajudam uns aos
outros, notou um observador setecentista, fazem-no `mais animados
pelo espírito da caninha que pelo amor ao trabalho`... Por outro
lado, seria ilusório pretender relacionar a presença dessas formas
de atividade coletiva a alguma tendência para a cooperação
disciplinada e constante. De fato o alvo material do trabalho em
comum importa muito menos, nestes casos, do que os sentimentos e
inclinações que levam um indivíduo ou um grupo de indivíduos a
socorrer o vizinho ou amigo precisado de assistência”.
Ainda seguindo Holanda
(HOLANDA. 2000, p.60 e 61), colocando os sentimentos num plano muito
superior ao dos objetivos materiais, chega-se à conclusão de que em
nossa sociedade é também mais comum o comportamento de rivalidade
do que o da competição, pois tanto a competição como a cooperação
são comportamentos orientados, embora, de modo diverso, para um
objetivo material comum: é, em primeiro lugar, sua relação com
esse objetivo o que mantém os indivíduos respectivamente separados
ou unidos entre sí. Na rivalidade, ao contrário, como na prestância
(caso do mutirão), o objetivo material comum tem significação
praticamente secundária, o que antes de tudo importa é o dano ou
benefício que uma das partes possa fazer à outra.
A repulsa do português à
racionalização foi descrita assim por Holanda:
“Sucede que justamente a
repulsa firme a todas as modalidades de racionalização e, por
conseguinte, de despersonalização, tem sido, até nossos dias, um
dos traços mais constantes dos povos ibéricos. Para retirar
vantagens seguras, em transações com portugueses e castelhanos,
sabem muitos comerciantes de outros países que é da maior
conveniência estabelecer com eles vínculos mais imediatos do que as
relações meramente formais que constituem norma ordinária nos
tratos e contratos. É bem ilustrativa a respeito a anedota referida
por André Siegfried e citada em outra parte deste livro, acerca do
negociante da Filadélfia que verificou ser necessário, para
conquistar um freguês no Brasil ou na Argentina, principiar por
fazer dele um amigo”.(HOLANDA. 2000, p.133).
Ainda, segundo Holanda (HOLANDA.
2000, p.133 e seguintes), não há dúvida de que esse comportamento
social, em que o sistema de relações se edifica essencialmente
sobre laços diretos, de pessoa a pessoa, procedam os principais
obstáculos que na Espanha, e em todos os países hispânicos
(incluindo Brasil e Portugal), se erigem contra a rígida aplicação
das normas de justiça e de quaisquer prescrições legais. Podemos
compreender, por esses estudos, que o nepotismo que está incrustado
em nossa sociedade e, principalmente, na máquina estatal, está
profundamente enraizado em nossa cultura, desde o descobrimento. Esse
contraste com a chamada “mentalidade capitalista” não é um
fenômeno recente. Obras setencentistas e mesmo atuais mostram nos
portugueses, em todas as épocas, que se tem notícia, o gosto
imprevidente e desordenado pela pecúnia. A ganância, o amor à
riqueza acumulada à custa de outrem sempre existiu em todos os povos
e não pode ser considerado como característico da mentalidade
capitalista. Nada indica, ainda segundo os estudos de Sérgio Buarque
de Holanda, que os ibéricos tenham gosto menos pronunciado que
outros povos por bens materiais.
Podemos resumir todos esses
traços característicos da personalidade social do português, que
acabamos de mostrar, da seguinte forma, sempre baseados nos estudos
de B. de Holanda:
-
Cultura da personalidade, tibieza das formas de organização (que explica algumas das características seguintes).
-
Extrema adaptabilidade.
-
Repulsa pela moral protestante, fundada no culto ao trabalho.
-
Gosto pelo ócio.
-
Aventura, gosto pelo ganho fácil e rápido.
-
Ausência de orgulho de raça.
-
Irracionalidade, passionalidade (repulsa pela racionalização).
-
Comportamento de rivalidade sobrepondo-se ao de competição.
-
Nepotismo.
-
Ganância e avareza, gosto pela especulação.
É importante verificar não só
o lado pejorativo dessas características, pois sem algumas delas,
como a adaptabilidade, a falta de orgulho de raça, a aventura, não
seria possível a colonização do Brasil, como ocorreu, pois poucos
povos poderiam se adaptar a um clima tão agressivo e com uma
população tão pequena colonizar através da miscigenação um
território tão extenso. Quanto à sobrevivência de tais
características pode-se dizer que nem o contato com raças indígenas
ou adventícias fizeram-nos tão diferentes dos nossos avós de
além-mar como às vezes gostaríamos de sê-lo. No caso brasileiro,
a verdade é que ainda nos associa à península Ibérica, a
Portugal, uma tradição longa e viva, bastante viva para nutrir, até
hoje, uma alma comum, a despeito de tudo quanto nos separa. Podemos
dizer que de lá nos veio a forma atual de nossa cultura; o resto foi
matéria que se sujeitou mal ou bem a essa forma.
3.3. Religião
O catolicismo, segundo Pedro A.
R. Oliveira (OLIVEIRA. 1985. P.112 e seguintes) foi implantado no
Brasil desde a chegada dos colonizadores portugueses, como a religião
oficial do Estado. Esse estatuto é conservado até a proclamação
da República, quando se separam igreja e Estado. O catolicismo
implantou-se no Brasil como religião de Estado, sendo um dos
elementos essenciais da empresa colonial portuguesa. Ser cristão, ou
no contexto português ou brasileiro ser católico, era condição
indispensável para o direito de cidadania e até para receber
sesmaria. Mas seria um erro encarar o catolicismo no Brasil
unicamente como religião do Estado. Pois com a chegada dos primeiros
portugueses (como atestam os nomes dados aos primeiros acidentes
geográficos encontrado: Ilha de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz, etc)
começou a ser introduzido o catolicismo popular português no
Brasil.
Analisemos agora as
características desse “catolicismo popular”. O catolicismo
popular, segundo Oliveira, é:
“... o conjunto de
representações e práticas religiosas dos católicos que não
dependem da intervenção da autoridade eclesiástica para serem
adotadas pelos fiéis. Concretamente chamamos de catolicismo popular
as representações e práticas relativas ao culto dos santos e à
transação com a natureza e não os sacramentos e a catequese
formal.”(OLIVEIRA. 1985, p.113).
No catolicismo popular (OLIVEIRA.
1985, p.114 e seguintes) os santos são concebidos como seres
pessoais e espirituais dotados de poderes sobrenaturais e capazes de
influir diretamente sobre o curso da vida e da natureza. Os santos
vivem no céu, mas de acordo com as crenças do catolicismo popular,
estão ao alcance dos homens, na terra, através de suas imagens.
Essa crença é importante pois possibilita o contacto direto entre o
fiel e o santo. Esse contato pode se dar sem que seja preciso
qualquer tipo de intervenção, ou mediação de especialistas
eclesiásticos. No catolicismo popular encontramos dois modos básicos
de culto: o modo contratual e o modo de aliança.
No primeiro caso o fiel pede uma
graça ao santo, obrigando-se a um ato de culto pelo qual o santo
seja recompensado pela graça alcançada (sob forma de promessa).
No caso da aliança, ao contrário
do modo contratual, o que está em jogo não é uma graça
determinada mas uma relação permanente de devoção e proteção. O
fiel se faz devoto do santo (por escolha própria ou por oferta dos
pais após o nascimento), esperando deste que seja seu protetor
celeste, uma espécie de padrinho do céu. Desta forma o devoto
presta culto ao santo para agradá-lo (como obrigação) e não para
pedir uma graça em particular. O culto aos santos é o núcleo
principal do catolicismo popular, mas existe ainda o culto à
divindade suprema, embora Deus não seja objeto de culto específico.
Mas sua representação como criador e senhor do universo é
essencial ao catolicismo popular, uma vez que os santos só tem poder
porque estão ao seu lado. Nada acontece no céu ou na terra sem
consentimento dele.
Os desígnios divinos são
concebidos como estando fora do alcance dos homens que são incapazes
de conhecê-los e menos ainda de influenciá-los. Contam apenas com
a ajuda dos santos que estão perto de Deus e que podem influenciá-lo
para que seja misericordioso. Essa concepção de Deus como ser
onipotente que submete os homens a provações terrenas para que eles
adquiram méritos para sua salvação eterna, conforme desígnios que
só ele formula, não está sistematizada em forma de doutrina
religiosa. Porém ela é perceptível nos relatos da vida dos santos
e na vida de Jesus. Essa concepção de Deus, no catolicismo popular
é fundamental pois explica o poder dos santos e a ordem do mundo.
Tudo o que existe no mundo foi criado por Deus e sem ele nada existe
nem acontece. Há pois uma idéia de destino, de fatalidade. As
pessoas são ricas ou pobres, sadias ou doentes porque Deus assim
quis. A idéia de destino está ligada à ordem. Todo o mundo é
organizado por Deus e cada um cumpre o papel que lhe é designado. O
homem deve submeter-se a seu destino, passando pelas provações
(como os santos), para ganhar o céu e a salvação.
Os oratórios (domésticos), as
capelas e santuários constituem, por assim dizer, o eixo físico em
torno do qual se organiza o culto dos santos. É o eixo organizador
do catolicismo popular, aonde agentes religiosos conduzem os atos de
culto aos santos padroeiros e protetores. Deve ser assinalado que
esses agentes são em sua totalidade leigos. Nos oratórios
domésticos, nas capelas e nos santuários, os agentes religiosos que
de uma ou outra forma dirigem o culto, não recebem nenhuma ordenação
religiosa, nem formam entre si uma hierarquia. Os agentes religiosos
(ermitães, capelães, rezadoras, festeiros, irmãos, etc)
desempenham, é claro, um papel próprio, que os distingue de outros
leigos que não têm outro papel senão de participantes do culto,
porém não precisam de qualquer autorização por parte das
autoridades eclesiásticas.
O catolicismo popular, conforme
Oliveira (OLIVEIRA. 1985, p.135 e seguintes) pode ser encarado como
um conjunto de representações e práticas religiosas autoproduzidas
pelas classes subalternas, usando o código do catolicismo oficial
(os significantes), mas lhes dá uma significação própria, que
pode opor-se à significação que lhes é oficialmente atribuída
pelos especialistas. O resultado é que o mesmo código religioso é
diferentemente interpretado pelas diferentes classes sociais de
maneira que, sob uma unidade formal, escondem-se, de fato, diversas
representações e práticas religiosas. Tal maleabilidade real,
prática, do catolicismo, lhe permite ser, ao mesmo tempo, a religião
dos dominantes e dos dominados. Isso explica ainda o caso do
sincretismo religioso afro-brasileiro que é exemplar: usando
significantes católicos, os africanos conseguiram reproduzir, no
Brasil, suas crenças e seus rituais sem que o clero os perseguisse.
A unidade religiosa de todo social realiza-se ao nível dos
significantes, permitindo grande diversidade ao nível dos
significados conforme as diferentes classes, grupos e etnias, de modo
a não colocar em xeque o catolicismo como religião oficial do
Estado. Todos eram católicos, todos recebiam os sacramentos, todos
afirmavam ter as mesmas crenças e aceitar as mesmas normas morais e
todos respeitavam as autoridades eclesiásticas, embora no cotidiano
cada qual praticasse o catolicismo a sua maneira.
Essa forma de culto, que tem
antecedentes na península Ibérica, também aparece na Europa
medieval e justamente com a decadência da religião palaciana, em
que a vontade comum se manifesta na edificação dos grandiosos
monumentos góticos. No Brasil o rigorosismo do rito é afrouxado e
se humaniza. Há uma religiosidade menos atenta ao sentido íntimo
das cerimônias que ao seu colorido e pompa exteriores.
No catolicismo popular, para
Oliveira (OLIVEIRA. 1985, p.145 e seguintes) o aparelho eclesiástico
só tem uma sólida organização quando da conquista colonial e
catequese dos índios, isso dura até que os jesuítas são expulsos
do Brasil, no século XVIII pelo Marquês de Pombal, após isso (após
estruturada a dominação senhorial e completada a dominação) o
aparelho eclesial assume a função da manutenção da unidade
religiosa e moral do todo social e a organização da vida coletiva.
Para isto bastam algumas centenas de padres, localizados nas cidades
e fazendo visitas às capelas e santuários do interior. Havia apenas
um mínimo de articulação entre os agentes religiosos do
catolicismo popular e os agentes do catolicismo oficial (por meio de
visitas), dessa forma a unidade religiosa e moral foi assegurada.
È necessário assinalar a
perfeita integração do catolicismo popular com o regime senhorial
que existia no Brasil. Isso ocorria, como já dissemos, pela
maleabilidade do catolicismo popular, cujas práticas são ordenadas
pelos costumes religiosamente sancionados. A relação entre senhores
e escravos e entre senhores e camponeses e, portanto entre fracos e
fortes estava inscrita nos costumes e sancionada pela religião, mais
do que por normas legais, principalmente pela instituição do
compadrio. Aos mais poderosos eram dados os filhos dos mais fracos
para batismo e se tornavam guardiões dos mais fracos, o que na
realidade funcionava como uma espécie de sanção religiosa ao que
já ocorria na prática. Esse procedimento pode ser comparado ao da
relação entre o fiel (afilhado) e o santo (padrinho), o qual, em
troca de proteção, oferecia o seu culto e a sua obediência.
Dessa forma a religião mantinha
a estabilidade social, que durou do descobrimento até a proclamação
da República influenciando fortemente nossa sociedade até os dias
de hoje.
Esse equilíbrio foi rompido
quando da abolição da escravatura e a introdução do sistema
capitalista; a gradual substituição do colono e depois do meeiro
pelo trabalhador assalariado quebrou a sanção religiosa que
mantinha a sociedade em equilíbrio, a relação paternalista contra
o senhor e o escravo ou camponês foi substituída por uma relação
de troca entre patrão e empregado, foi então que deu-se a separação
do catolicismo com o estado e uma ampliação do sistema eclesiástico
nacional, levando a uma romanização do catolicismo popular, isto é,
o estabelecimento de novas relações entre o padre e o leigo
(destituição dos agentes religiosos leigos de suas funções que
passaram a ser exercidas pelos sacerdotes, combate ao catolicismo
popular com a substituição do culto aos santos pela prática dos
sacramentos e a difusão da doutrina da salvação, conduzida pela
Santa Sé (Roma). Dessa forma, como verificamos nos estudos de
Oliveira (OLIVEIRA. 1985, p.311 e seguintes) houve uma valorização
dos rituais dos sacramentos de forma a fortalecer nos fiéis a
doutrina embutida nesses rituais. Pois como os sacramentos
(batismo/nascimento, crisma/adolescência, casamento/adultos e missa
de sétimo dia/morte) acompanham o indivíduo durante todas as fases
de sua vida a prática dos mesmos conduziria à salvação, pois é
como se fosse um acompanhamento divino de sua vida, purificando-a.
A doutrina católica da salvação
postula duas vias de acesso à felicidade eterna: os sacramentos e a
prática das virtudes. As duas se complementam. A prática das
virtudes corresponde à caridade que é interpretada como o amor ao
próximo numa dimensão interpessoal, em referência ao amor que une
Deus e os homens, é o cerne da ética católica.
Apesar da romanização, os
traços principais do catolicismo popular sobrevivem até nossos
dias, embora muitos dos seus cultos tenham se secularizado ou passado
para o campo do folclore, como a folia de reis, que de qualquer forma
ainda estão presentes. Vejam, por exemplo, as cada vez mais
numerosas romarias à cidade de Aparecida do Norte (SP), onde os
fiéis procuram visivelmente a imagem da santa e onde a missa e os
sacramentos aparecem em um plano nitidamente inferior, apesar dos
esforços em contrário dos religiosos; outro exemplo são as
romarias à imagem do “padre Cícero” que sequer foi canonizado,
ou beatificado pelas autoridades católicas!
Uma das conseqüências do
processo de romanização (padronização dos rituais e maior
proximidade com o aparelho eclesial) foi a formação de “novas”
religiões, cujos rituais estavam inseridos nos rituais católicos,
como as religiões africanas (Umbanda, Candomblé, etc.) protestantes
(metodismo), espíritas (kardecismo), etc; porém esse processo sendo
relativamente novo e processando-se de forma relativamente lenta
precisa ser mais profundamente analisado (ver romanização em
OLIVEIRA. 1985, p.279 e seguintes).
A partir do exposto, já podemos
sintetizar algumas características da religião católica praticada
no Brasil e que atua no sentido de moldar as atitudes de nosso povo.
A – Personalismo: ligação
direta e pessoal com os santos (imagem)
B – Cultos livres e sem
intervenção direta das autoridades eclesiais.
C – Irracionalidade: os
espíritos têm poder para interferir na natureza (milagres)
D – Paternalismo: o santo (o
mais forte) protege seus devotos (os mais fracos) e exige em troca o
culto (obediência).
E – Fatalismo: tudo o que
ocorre ou puder vir a ocorrer será pela vontade de Deus, que
organiza todo o mundo. O homem nada pode fazer para mudar esse estado
de coisas.
F – Resignação: provações e
sofrimento como mérito que conduz à vida eterna (salvação).
G – Maleabilidade: fácil
adaptação a outras religiões (sincretismo). Ausência de conflitos
religiosos, desde que a ordem social ditada pelo catolicismo seja
mantida.
3.4. Educação
A influência da educação como
instituição (ciência) é, para Holanda (HOLANDA. 1979, introdução
p.XVIII e seguintes) relativamente nova, data de nosso século, ou
melhor ainda, podemos dizer que a educação em massa (primária)
ocorreu já na segunda metade do século XX em nosso país. Vejamos
os dados de 1870 (portanto já no final do segundo reinado): 78% da
população acima dos 14 anos era completamente analfabeta e a
população (livre) matriculada em escolas primárias era de apenas
2% do total, o ensino secundário era acessível apenas aos filhos
das famílias mais abastadas do país, portanto a igreja era, pelo
menos até o início de nosso século o principal, senão o único
veículo de influência cultural e moral capaz de atingir o todo da
população
Além do alto índice de
analfabetismo característico de nosso país, ou do alto índice de
evasão escolar, Sérgio B. de Holanda ainda nos mostra uma
característica herdada de nossos colonizadores. Retomando o problema
dos intelectuais o autor assinala agora a satisfação como saber
aparente, cujo fim está em si mesmo e por isso deixa de aplicar-se a
um alvo concreto, sendo procurado, sobretudo como fator de prestígio
para quem sabe. Já a natureza dos objetivos é secundária, os
indivíduos mudam de atividade com uma freqüência que desvenda essa
busca de satisfação meramente pessoal. Daí valorizarem-se as
profissões literais (HOLANDA. 2000, p.157 e seguintes) que, além de
permitirem as manifestações de independência individual prestam-se
ao saber de fachada. Devido à crise das velhas instituições
agrárias os membros das classes dominantes transitam facilmente para
tais profissões, desligadas da necessidade de trabalho direto sobre
as coisas, que lembra a condição servil.
Podemos então caracterizar nosso
sistema de ensino, pelo menos na primeira metade do século XX, da
seguinte forma:
A – Alto índice de
analfabetismo e evasão escolar.
B – Elitização.
C – Saber de fachada. O saber
como objetivo em si, sem interesse em aplica-lo a um alvo concreto.
Dessa forma podemos constatar a
importância da educação, como instituição, no sentido de
substituir a igreja na formação social e substituir a
irracionalidade pela racionalidade na percepção e interpretação
do mundo físico.
3.5. Família
Já vimos neste estudo que as
mudanças sociais são originadas nas outras instituições sociais,
não nas famílias. A família transmite esses valores via
socialização. É a família, profundamente, influenciada por
códigos morais e religiosos.
Como vimos, o catolicismo popular
e a sociedade senhorial coexistiram por quase quatro séculos
harmonicamente. É evidente que essas duas instituições que,
naturalmente se completavam (sem que nenhuma tivesse planejado, e
mesmo tivesse plena consciência disso) moldaram o tipo de família
predominante até o início deste século: a família patriarcal.
Na família patriarcal, tudo gira
em torno do patriarca, geralmente senhor de engenho, é o grande
latifundiário. Ele é, ao mesmo tempo, o dono de tudo e o que tudo
pode. Esposa, filhos, empregados, escravos, todos que vivem no
ambiente social devem-lhe a mais irrestrita obediência. É o chefe
econômico e político. Seu poder não tem limites. Em troca de
proteção ele exige a mais completa obediência. Sua força não se
fazia sentir apenas sobre os escravos e a família, pesava também
sobre os estranhos que viviam no aglomerado urbano de sua propriedade
(homens livres, lavradores, fornecedores de cana, todos, enfim).
Essa organização familiar, para
Ramos (RAMOS. Sd, p. 89) que se instalou na casa grande com uma
disciplina modelar e um chefe aristocrático até o absolutismo,
havia de ter, como teve na sociedade uma grande força de expansão.
A família burguesa se decalcou na família patriarcal. Viam-se com
efeito, nas famílias burguesas, a mesma constituição da família
patriarcal.
Mesmo com a abolição da
escravatura e a introdução das formas de produção capitalistas
mais modernas, a família extensa e patriarcal continuou existindo.
Assim como os latifúndios, o trabalho escravo foi substituído por
outros sistemas, porém a estrutura patriarcal manteve-se quase que
inalterada, principalmente nas zonas rurais. É o que nos mostra
Verena Stolka, em seu trabalho: “A Família Que Não É Sagrada”,
parte do livro “Estudo Sobre a Família no Brasil” (STOLCKE. S.d.
p. 64 a 90). Em São Paulo os fazendeiros, com a abolição da
escravatura, passaram a trazer famílias de imigrantes europeus para
o trabalho na terra. Note-se que havia a preferência por famílias
com grande número de integrantes capazes. Essas famílias
trabalhavam num sistema de contrato de ameia. Os trabalhadores em
unidades familiares assinavam um contrato se obrigando a ressarcir os
custos que o latifundiário teve com a imigração e as ferramentas
de trabalho. Nesse sistema todos os membros da família procuravam
produzir o máximo possível (ao contrário dos escravos) para pagar
a dívida o mais depressa possível e passar a auferir maiores
lucros. Ao mesmo tempo fixavam-se no lugar por muito tempo a fim de
saudar suas dívidas. E produziam seus próprios alimentos e
utensílios. Dessa forma reproduziram uma sociedade semelhante à
anterior em que a família extensa e patriarcal sobreviveu. Esse
sistema, de ameia, foi substituído pelo colonato, onde cada família
passou a ter a terra arrendada em troca de uma determinada produção.
Esses sistema novamente exigia a existência de famílias numerosas;
e a família patriarcal e todas as suas características gerais, com
poucas modificações, permaneceu. Esse novo sistema, o colonato, uma
mistura de contrato por serviços e quantidade produzida persistiu
nas plantações de café até 1950. Dessa forma a grande família
nuclear foi possibilitada tanto pela própria ideologia dos
fazendeiros (uma família com mais braços pode produzir mais) como
pelas tradições dos trabalhadores (já comentamos anteriormente).
O fim do colonato (em São Paulo)
veio em 1950 com a modernização das lavouras de café, sendo
substituído por trabalhadores individuais em contrato temporário.
Se levarmos em conta que as lavouras de São Paulo estão entre as
primeiras a se mecanizarem, concluiremos que em outras áreas do país
o sistema de colonato, e com ele a família extensa sobreviveu mais
tempo e ainda sobrevive hoje.
Já nas cidades houve uma lenta
substituição da família patriarcal pela nuclear, onde o número de
filhos deixa de ser uma garantia de maiores rendimentos para o futuro
(pois nas cidades os filhos após o casamento e até antes deixam a
família grande para constituírem outras famílias nucleares) e
passam a ser apenas grande fonte de despesas para o presente.
De qualquer forma, como já
dissemos, essa mudança foi relativamente lenta devido a
sobrevivência dos valores éticos e morais e também porque a
população das cidades são alimentadas diariamente por imigrantes
rurais que vêm às grandes cidades industriais trazendo a sua
família estruturada nos moldes patriarcais. Mas como a família é
apenas uma transmissora dos valores determinados por outras
instituições, concluímos que, ao longo dos anos, ela não recebeu,
pelo menos até a década de 1950, influência de códigos morais e
religiosos suficientemente novos para alterar de forma significativa
as heranças que recebemos ao longo dos séculos dos costumes e da
religião católica, notadamente em sua forma popular.
Em função do nosso processo de
industrialização ser relativamente novo e concentrado em poucas
regiões do país, o seu poder de mudança social não pôde alterar
de forma significativa a herança cultural a que nos referimos.
3.6. Atitudes Sociais
Já vimos que as atitudes
individuais são moldadas pelas instituições sociais, que
estabelecem o modo socialmente aceito de satisfazer determinadas
necessidades e realizar certas atividades. Para, então, analisarmos
as atitudes sociais que nos interessam especificamente foi preciso,
primeiramente, retratar essas instituições teoricamente e,
posteriormente, seu desenvolvimento em nossa sociedade procurando
isolar as contribuições de cada uma na formação da personalidade
cultural do brasileiro. Vimos também que, pelo menos até a década
de 1950, a instituição mais influente de nossa sociedade foi a
religião católica, principalmente em sua forma popular. Não
podemos esquecer ainda que nossa sociedade foi moldada basicamente
pela cultura portuguesa, apesar das influências indígenas e
africanas, mas de qualquer forma, nos pontos que queremos abordar,
conforme os importantes estudos de Gilberto Freire, Sérgio Buarque
de Holanda e Pedro A R. Oliveira, nos quais nos baseamos. A herança
que recebemos da cultura portuguesa continua presente em nossa
sociedade, talvez um tanto modificada principalmente pelo
crescimento econômico do último meio século, nas grandes cidades,
mais ainda muito viva e atuante.
Quanto à atualidade dessa
herança, Holanda não deixa dúvidas:
“Nem o contato e a mistura com
raças indígenas ou adventícias fizeram-nos tão diferentes dos
nossos avós de além-mar como às vezes gostaríamos de sê-lo. No
caso brasileiro, a verdade, por menos sedutora que possa parecer a
alguns dos nossos patriotas, é que ainda nos associa à península
Ibérica, a Portugal especialmente, uma tradição longa e viva,
bastante viva para nutrir, até hoje, uma alma comum, a despeito de
tudo quanto nos separa. Podemos dizer que de lá nos veio a forma
atual de nossa cultura; o resto foi matéria que se sujeitou mal ou
bem a essa forma”. (HOLANDA. 2000, p.40).
3.6.1. Trabalho
Quanto às atitudes em relação
ao trabalho (estamos falando das atitudes dominantes, características
de nosso povo como um todo, não de grupos restritos como as elites
minoritárias) foi colocado, na segunda parte deste trabalho, que uma
das características que recebemos dos povos ibéricos foi a repulsa
pela moral protestante fundada no culto ao trabalho. Note-se que o
culto ao trabalho, como um fim em si mesmo, levando as pessoas a
trabalhar mesmo que não necessitem desses rendimentos para terem um
bom nível de vida, foi apontado por Max Weber como um dos motivos
que levaram a maioria dos países protestantes ao desenvolvimento,
dentro do capitalismo. O próprio Weber define muito bem o modo como
o trabalho é encarado pelos católicos:
“o individuo pode alcançar a
graça, qualquer que seja o seu tipo de vida, pois não há sentido
algum na curta peregrinação da vida em por ênfase em determinado
tipo de profissão. O impulso para o lucro material, aquele que
supera as necessidades pessoais, deve equivaler, em conseqüência, a
uma falta de graça e, aparentemente sendo apenas alcançável a
expensas de outros, a um objeto de imediata repressão.” (WEBER.
1987, p.56)
Além disso podemos extrair do
pensamento de Weber que a ética católica ainda dificulta a
especialização, uma das molas mestras do desenvolvimento econômico.
Como vimos a herança recebida de
nossos colonizadores estava muito bem aparada na religião que também
nos legaram. Sérgio B. de Holanda nos apontou, ainda, baseado em
estudos que cobriram períodos inclusive anteriores ao descobrimento,
o gosto pelo ócio que nos foi legado. Essa característica foi
sintetizada com rara felicidade por Mário de Andrade em sua
obra-prima “Macunaíma”, numa única expressão: “Ai, que
preguiça”, que o herói homônimo, que simboliza o povo
brasileiro, repetia a cada momento.
Todo esse quadro é agravado
quando a igreja católica repete, sistematicamente, que as provações
e sofrimento são o caminho da salvação e que nada pode ser mudado
contra a vontade de Deus (que ninguém conhece). Isso transforma o
católico num conformista, pois o mundo é obra divina e não pode
ser mudado por ele com trabalho, mas só por Deus.
O trabalho é visto como uma
necessidade desagradável (Adão, segundo a doutrina católica, foi
“condenado” a trabalhar para sua sobrevivência, quando foi
expulso do paraíso – onde não precisava trabalhar em virtude de
ter pecado – desobedecendo a “vontade de Deus”).
3.6.2. Riqueza
Foi colocado, tendo em vista o
trabalho de Holanda, que uma das características que o português
nos legou foi o caráter aventureiro, que não mede esforços para
obter ganhos rápidos e fáceis. Isto o distingue do tipo
trabalhador, que observa, ante de mais nada, as dificuldades a
vencer. Verificamos ainda as características de ganância e avareza
e o gosto pela especulação.
Já vimos também, através dos
estudos de Oliveira, que o catolicismo popular adequa-se muito bem a
todas as camadas sócio-econômicas, de forma a, na prática,
justificar as situações tanto dos pobres quanto dos ricos como
sendo a vontade de Deus, que só ele pode mudar. Ao mesmo tempo é
uma religião paternalista. Lembremo-nos daquela analogia que
citamos: Santo/Patriarca (poderosos) x Fiel/Colono, escravo,
familiares (fracos).
Verificamos que não há, nem nos
costumes que herdamos da cultura portuguesa, nem na doutrina
católica, nada que condene a riqueza e seu usufruto, nem que leve os
ricos a procurar obter mais riqueza (além da ganância pura e
simples) ou o pobre a procurar mudar de situação. Situação
completamente diferente dos países protestantes, desenvolvidos, onde
a procura pela riqueza é uma obrigação do fiel para com Deus como
nos mostra os estudos de Weber:
“Deveis trabalhar para serdes
ricos para Deus, e evidentemente, não para a carne ou para o
pecado”. A riqueza, desta forma, é condenável eticamente, só na
medida que constituir uma tentação para a vadiagem e para o
aproveitamento pecaminoso da vida.” (WEBER. 1987, p. 116).
Desta forma, além do fiel ter a
obrigação moral de produzir para aumentar a sua riqueza (para Deus)
ainda não pode usufruir dessa riqueza, de forma não produtiva, não
tendo outra alternativa senão reaplicar sua riqueza na produção e
multiplicá-la.
Este fator, para Max Weber,
contribuiu muito para o desenvolvimento dos países protestantes. Ao
contrário, no caso brasileiro, a atitude para com a riqueza
constitui um obstáculo ao desenvolvimento.
3.6.3. Poupança
Quanto à poupança, trata-se de
uma conseqüência da atitude para com a riqueza. A religião e os
costumes não impedem o usufruto da riqueza, de forma que a parcela
abastada da população consumia sua riqueza em forma de artigos de
luxo importados de todas as partes do mundo. Não havia, como no caso
das sociedades protestantes, uma preocupação de poupar para
investir, tanto por parte dos ricos como também dos pobres (ver
RAMOS. 1965. p.76/77). O que havia era avareza, a riqueza era
ostentada como símbolo de status e poder e não havia preocupação
com investimentos, a poupança era gasta em artigos de luxo. Já a
imensa camada pobre da população, como nos mostraram Gilberto
Freire e S. Buarque de Holanda, além de estar conformada com sua
situação, ainda não poupava recursos para a execução das grandes
festas dos santos padroeiros locais.
Poupava-se, em geral, para
consumo, não para investimento. Um exemplo disso, nos dias de hoje,
é o carnaval, onde famílias inteiras poupam e trabalham um ano
inteiro para consumir o resultado numa festa popular de quatro dias.
3.6.4. Procriação
Nossa própria história, que
privilegiou a família patriarcal, cuja principal característica é
o grande número de membros em cada família, fala por si só.
A religião católica também
favorece a procriação (vide posição mundial da igreja católica
quanto a questões como aborto e controle da natalidade, que todos
sabemos que é de profunda aversão).
A situação vem sendo modificada
lentamente nas cidades, principalmente nos últimos trinta anos,
porém nas áreas rurais ainda persistem as famílias extensas.
Para W. Arthur Lewis, a alta taxa
de natalidade é fruto das atitudes dos indivíduos para a procriação
e constitui-se em obstáculo ao desenvolvimento econômico, e como
vimos essa situação está presente em nosso país.
3.6.5. Invenções
Existem, como vimos, em nossa
sociedade, vários fatores que inibem as invenções como:
3.6.5.1. Irracionalidade: a
crença em milagres, o poder dos santos sobre os menores
acontecimentos, a
repulsa pela racionalização.
3.6.5.2. Fatalismo: a crença de
que o homem não pode fazer nada para alterar a vontade de Deus (a
realidade).
3.6.5.3. As atitudes negativas em
relação ao trabalho sistemático e contínuo.
São esses elementos
indiscutivelmente inibidores de invenções. Note-se que as
invenções, assim como as inovações técnicas, desempenham um
importante papel no aumento da produtividade e conseqüentemente (um
aumento da produtividade, como já expusemos, é básico para o
desenvolvimento) no processo de desenvolvimento econômico.
3.6.6. Estrangeiros
O brasileiro, em geral, não tem
aversão por estrangeiros. Essa atitude pode ser interpretada por um
fator, o qual já foi colocado no decorrer deste trabalho: a ausência
de orgulho de raça.
Os fatos que, ao longo de nossa
história, podem ter sido confundidos com aversão a estrangeiros, na
verdade não era: Gilberto Freire nos mostra, baseado em suas
exaustivas pesquisas que, na verdade, os portugueses não suportavam
aqueles que não professavam a fé cristã, que para eles era
sinônimo de catolicismo. Desta forma todo aquele que,
independentemente da raça, abraçasse a fé cristã (católica) era
aceito como irmão. Isso incluía os escravos negros, que eram
obrigatoriamente batizados, como nos mostra Freire:
“Não se pergunta aos escravos
se querem ou não ser batizados; a entrada deles no grêmio da Igreja
Católica é considerada como questão de direito. Realmente eles são
tidos menos por homens do que por animais ferozes até gozarem do
privilégio de ir à missa e receber os sacramentos”.(FREIRE. 1986,
p.372 e 373).
Outro elemento que pode ser
confundido com aversão a estrangeiros é a cultura da personalidade.
Para se fazer um bom negócio com um ibérico, principalmente com o
português, é bom que ele o tenha por amigo, é o que nos mostram os
estudos de Sérgio Buarque de Holanda aos quais já nos referimos.
Essa postura de não aversão a
estrangeiros possibilitou que importássemos, principalmente nos
últimos anos, muita tecnologia e até costumes de outros povos
desenvolvidos. Quanto às dificuldades de adaptação dessa
tecnologia e costumes à nossa sociedade, a amplitude do tema leva à
necessidade de estudos específicos, o que não é possível
desenvolver aqui, em virtude das características deste trabalho.
É esse aspecto que facilita,
portanto, o desenvolvimento econômico de nosso país.
3.6.7. Aventura
Como já foi colocado, o
brasileiro absorveu do colonizador português o seu caráter
aventureiro, que não mede esforços para chegar ao seu intento. É
uma ética que busca novas experiências, mas acomoda-se no
provisório e prefere-se descobrir a consolidar, logo opõe-se à
ética do trabalho, que estima a segurança e o esforço aceitando as
compensações a longo prazo.
Quanto a isso Holanda escreveu:
“entre esses dois tipos
(aventureiro e trabalhador) não há, em verdade, tanto uma oposição
absoluta como uma incompreensão radical. Ambos participam em maior
ou menor grau de múltiplas combinações e é claro que, em estado
puro, nem o aventureiro, nem o trabalhador, possuem existência real
fora do mundo das idéias”.(HOLANDA. 2000 p.44 e 45).
Para a interpretação de nossa
história, interessante notar que o continente americano foi
colonizado por homens do primeiro tipo (aventureiro), cabendo ao
“trabalhador”, no sentido aqui compreendido, papel limitado.
Aventureiros, sem apreço pela pertinácia e do esforço apagado,
foram os espanhóis, os portugueses e os próprios ingleses, que só
no século XIX ganhariam o perfil convencional por que os conhecemos.
E complementa:
“Essa pouca disposição para o
trabalho, ao menos para o trabalho sem compensação próxima, essa
indolência, como diz o deão Inge, não sendo evidentemente um
estímulo às ações aventurosas, não deixa de constituir, com
notável freqüência, o aspecto negativo do ânimo que gera as
grandes empresas. Como explicar, sem isso, que os povos ibéricos
mostrassem tanta aptidão para a caça aos bens materiais em outros
continentes? ‘Um português’, comentava certo viajante em fins do
século XVIII, ‘pode fretar um navio para o Brasil com menos
dificuldade do que lhe é preciso para ir a cavalo de Lisboa ao
Porto”. (HOLANDA. 2000, p.46).
Para W. Arthur Lewis, o espírito
de aventura é importante para o desenvolvimento econômico, mas como
vimos acima, é necessário que ele coexista com o espírito de
trabalho, aquele trabalho contínuo, apagado e sistemático que, como
nós vimos, não é apreciado pelo português, pelo espanhol e, como
conseqüência, também pelo brasileiro.
3.7. Personalidade cultural
Como já foi colocado, a
personalidade cultural de nosso povo foi formada basicamente pela
transferência da cultura portuguesa, que sofreu algumas alterações,
ao longo do tempo, devido à ação de outras culturas,
principalmente a autóctone (indígena) e a africana (escravos), mas
tais alterações não foram tão profundas no campo que estamos
estudando. Já a religião operou no sentido de preservar tais
características. Os mecanismos pelos quais isto ocorre já foram
amplamente abordados, principalmente na primeira parte deste
trabalho. A partir destas observações podemos extrair
características dominantes que podemos observar em nosso povo.
Note-se que ainda existem as diferenças entre regiões rurais e
urbanas, onde tais características surgem com diferentes nuances,
devido à ação dos fatores já abordados (educação, economia,
influência dos meios de comunicação de massa, etc) mas não o
suficiente para negar sua existência:
3.7.1. Paternalismo
3.7.2. Falta de coesão social,
artificialmente mantida pelos governos (tolerância a governos fortes
e paternalistas, como ditaduras).
3.7.3. Gosto pelo ócio, sendo o
trabalho encarado como um fardo, uma obrigação, uma necessidade
para a sobrevivência.
3.7.4. Nepotismo
3.7.5. Gosto pela especulação
(ganho fácil, sem a necessidade de trabalho, no sentido de produção
material).
3.7.6. Irracionalidade.
3.7.7. Passionalidade.
3.7.8. Ausência de orgulho de
raça (e de nacionalismo).
3.7.9. Fatalismo.
3.7.10. Conformismo.
3.8. Influências na Economia.
Percebe-se facilmente,
comparando-se o primeiro capítulo deste trabalho com o terceiro, que
o ambiente sócio-cultural formado no Brasil, como já descrevemos,
não é aquele considerado ideal para o desenvolvimento econômico.
Recordemos.
3.8.1. Racionalidade
A racionalidade na interpretação
do mundo físico é um fator que contribui para o desenvolvimento,
sendo, ao mesmo tempo, induzido por ele. Com o próprio
desenvolvimento, as sociedades tendem a mudar nessa direção. Mas já
verificamos que essa mudança é mais lenta e difícil quando as
instituições sociais predominantes levam à irracionalidade, e
portanto se opõe ao processo Funcionavam dessa forma os elementos
sócio-culturais como obstáculos ao desenvolvimento econômico.
Já verificamos que a
irracionalidade foi introduzida em nossa cultura desde o
descobrimento e não foi mudada, significativamente, ao longo do
tempo, ao contrário foi consolidada pela religião católica.
3.8.2. Universalidade
Na associação entre o
indivíduos, a universalidade é fundamental ao desenvolvimento
econômico. Na associação universal os papéis sociais são
determinados pela especificidade de cada um e não conforme sua
família, religião, casta ou renda. É uma forma de se colocar a
pessoa certa no lugar certo. Dessa forma atinge-se uma melhor
produtividade e conseqüentemente o desenvolvimento econômico.
Mais uma vez verificamos que não
é o nosso caso. Recordando as características dominantes em nossa
personalidade social como nepotismo, a passionalidade e a cultura da
personalidade, concluímos que nossa sociedade tem muito pouco de
universalidade, nas associações. Isso é facilmente constatado,
hoje em dia, por exemplo, quando observamos o grande número de
empresas familiares e os inúmeros casos de nepotismo (favorecimento
de parentes e amigos) nos órgãos públicos e empresas estatais e
privadas. Muitas vezes os mais capazes são relegados a um segundo
plano em detrimento dos menos indicados, porém parentes.
3.8.3. Especificidade
A especificidade nas relações
ocorre quando os limites e obrigações das pessoas para com os
semelhantes são definidos sob a forma de contratos, são
específicos. Isto é importante para o desenvolvimento como já
mostramos. Mas no caso brasileiro, como vimos, o que ocorre é que as
relações essenciais são relativamente difusas, nas quais os
limites das obrigações das pessoas para com os semelhantes são
mais fluídas. Isto ocorre devido as características que estudamos e
que mostram a sociedade brasileira como passional e paternalista, e
onde a longa sobrevivência da família extensa criou uma malha de
direitos e obrigações recíprocas entre as pessoas.
3.8.4. Outros
Podemos, ainda, destacar a
influência de elementos isolados como a forma de se encarar o
trabalho e o gosto pelo ócio: Weber nos mostra que todos trabalham,
mas são mais produtivos aqueles que encaram o trabalho pela ótica
da ética protestante:
“Mas, o mais importante é que
o trabalho constitui, antes de mais nada, a própria finalidade da
vida. A expressão paulina ‘Quem não trabalha não deve comer’ é
incondicionalmente válida para todos. A falta de vontade de
trabalhar é um sintoma de ausência de estado de graça”.
(WEBER.1987, p.113).
Weber mostra a diferença da
maneira de encarar o trabalho, através da ótica da ética católica
referindo-se à posição de S. Tomás de Aquino sobre o caso:
“...o trabalho foi considerado
necessário naturali
ratione para o
sustento da vida individual e coletiva. Onde não há essa
necessidade, cessa também a validez dessa prescrição. Ela só se
refere à espécie e não a cada um individualmente. Quem puder viver
de sua propriedade sem trabalhar não depende dela, e, naturalmente a
contemplação, como forma espiritual de trabalho, no reino de Deus,
pareça o significado literal. Além disso, para a teologia popular
da época, a forma mais elevada de produtividade monástica estava no
aumento do Thesaurus
ecclesiae, através da
oração e do canto”. (WEBER. 1987, p.113).
Em vista disso, e remetendo-nos
ao estudo que fizemos da religião dominante no Brasil e, ainda, dos
costumes herdados da cultura portuguesa podemos dizer que as atitudes
comumente tomadas em relação ao trabalho em nosso país não são
as mais favoráveis ao desenvolvimento econômico, pelo contrário,
podemos dizer que operam como obstáculos a ele.
Finalmente os outros elementos
importantes detectados em nossa formação social, como já
explanado, são o gosto pela especulação, que não contribui para a
produção material, o fatalismo e o conformismo que paralisa as
pessoas e a ausência de orgulho de raça, que juntamente com a falta
de coesão social não permite que o nacionalismo seja utilizado para
neutralizar, como vimos no primeiro capítulo, esses obstáculos.
CONCLUSÃO
Conhecemos, ao longo do primeiro
capítulo deste trabalho, de forma sintética, as teorias de Lewis e
Lauterbach, a cerca do fenômeno do desenvolvimento econômico.
Segundo os pesquisadores, vários
fatores influenciam o desenvolvimento, facilitando-o ou
dificultando-o. Esses fatores podem ser de ordem puramente econômica,
de ordem política ou de ordem sócio-cultural, nascendo das
tradições culturais e das atitudes dominantes de cada povo.
Não importa, aqui, identificar
qual ordem de fatores é mais importante no processo de
desenvolvimento econômico. Certamente os economistas dirão que são
os fatores puramente econômicos, enquanto os sociólogos defenderão
que são os outros. Na verdade, entendemos que todos o são já que
influenciam e são influenciados pelo desenvolvimento econômico,
como pudemos verificar ao longo deste estudo. Daí a importância do
enfoque transdisciplinar do problema.
Para Lewis, o desenvolvimento
econômico depende de atitudes da sociedade principalmente em relação
ao trabalho, à riqueza, à poupança, à procriação, às
invenções, aos estrangeiros e à aventura.
A religião tem, para Lewis e
Lauterbach, uma influência determinante no controle social e
portanto na formação dessas atitudes fundamentais ao
desenvolvimento. Nesta questão da importância da tradição
religiosa no processo do desenvolvimento econômico, nos baseamos
também nos clássicos estudos de Max Weber. Neles verificamos que as
sociedades de tradição religiosa protestante possuem atitudes,
principalmente com relação ao trabalho, à riqueza e à poupança,
mais favoráveis ao desenvolvimento econômico do que outras
sociedades cuja religião predominante não é o protestantismo.
A religião foi ligada, por
Lewis, também à questão da procriação. Se, numa determinada
situação, é desejável, para o desenvolvimento econômico, que uma
sociedade reduza a sua taxa de natalidade, esta mudança pode ser
poderosamente obstaculizada pelas tradições sociais fundadas em
determinados dogmas religiosos.
Sociedades que abraçam religiões
que pregam, por exemplo, o enclausuramento e a meditação
certamente, para Lewis, não terão atitudes com relação, por
exemplo, à aventura e ao risco muito favoráveis ao desenvolvimento
econômico.
Vimos, ao longo do primeiro
capítulo que certos códigos religiosos, em suma, para Lewis, são
mais compatíveis com o desenvolvimento econômico do que outros.
Para isso a religião deverá aceitar valores materiais, estimando o
trabalho, a parcimônia, a honestidade nos negócios e o investimento
produtivo, além de incentivar ou pelo menos não atuar no sentido de
dificultar atitudes favoráveis ao risco e à experimentação e ao
controle da natalidade. Caso contrário a religião poderá atuar no
sentido de inibir o desenvolvimento econômico.
No segundo capítulo verificamos
o que são as instituições sociais e como atuam. Verificamos que
elas estabelecem o modo socialmente aceito de satisfazer determinadas
necessidades e de realizar certas atividades, portanto regulam as
atitudes que Lewis e Lauterbach consideram fundamentais à formação
de um meio favorável ao desenvolvimento econômico.
Estudando os textos de Vila Nova,
verificamos que as instituições sociais denominadas universais
estão presentes em todas as sociedades urbano-industriais e são
responsáveis por certos conjuntos de atividades relativas à
satisfação das necessidades humanas. São elas, basicamente, a
família, o governo, a economia, a educação e a religião.
A família, como instituição
social, atua no sentido de transmitir, principalmente via processo de
socialização das crianças, crenças e valores que são
determinados por outras instituições, especialmente a religião e a
economia. A religião no sentido de preservar valores tradicionais e
a economia no sentido de mudá-los. A socialização dos indivíduos
pela família, através da transmissão de crenças e valores leva os
indivíduos a agirem de determinada forma predominante com relação
aos fatores em questão, ou seja, trabalho, riqueza, procriação,
conhecimento, etc. Essas atitudes podem atuar, como vimos no primeiro
capítulo, como obstáculos ao desenvolvimento econômico.
A educação, assim como a
religião, atua, enquanto instituição social, como uma agência de
controle social. Não é apenas transmissora, mas determinante de
crenças e valores, através do conhecimento e da ciência. Muitas
vezes as crenças e os valores determinados pela educação (ciência)
entram em conflito com os provenientes da religião. O campo mais
fértil para esse embate é a família, a partir da qual os valores
são transmitidos. A educação atua na mudança da percepção que
os indivíduos têm do mundo físico do modo irracional (fundamentado
em dogmas religiosos) para o racional (baseado na ciência), vimos
também que esse processo de mudança de percepção do irracional
para o racional tem fundamental importância para o desenvolvimento
econômico. Não podemos nos esquecer que, da mesma forma que a
educação influencia o comportamento das pessoas, com relação aos
dogmas religiosos, pode ser também influenciada por esses mesmos
dogmas (ex. escolas mantidas por instituições religiosas).
Vimos ao longo de todo o primeiro
capítulo e também do segundo, a extrema importância dada à
instituição religião, por isso reservamos um espaço importante,
no segundo capítulo, para conhecermos melhor essa instituição
social.
Verificamos, que a religião
difere dos outros aspectos da vida social porque diz respeito a
sistemas de crença bem como de relação e ação, e porque seus
sistemas de ação, em sí, são dirigidos para entidades cuja
existência não está aberta à observação.
Ao longo de boa parte do segundo
capítulo, desenvolvemos a teoria de Max Weber, em que verificamos a
importância da religião para o desenvolvimento econômico,
principalmente através da disseminação da moral protestante, que,
em resumo, prega a salvação através do trabalho, que inclui
realização em termos de dinheiro.
Encerramos o capítulo definindo
costumes, personalidade cultural, abordando a questão da mudança
social e relacionando todos os fatores abordados ao processo de
desenvolvimento econômico, tendo em vista as teses de Lewis e
Lauterbach, expostas e analisadas no primeiro capítulo.
Verificamos há uma influência
mútua entre as variáveis econômicas e as não econômicas no
processo de desenvolvimento econômico. As atitudes dos indivíduos
e, num plano mais elevado, da própria sociedade (personalidade
cultural) em relação ao trabalho, riqueza, poupança, procriação,
invenções, estrangeiros, aventura, etc, são condicionadas pelas
instituições sociais que estudamos.
Em resumo, os indivíduos são
socializados pela família e pela escola (ciência), mas ambas
recebem fortes influências da religião, da própria economia e dos
costumes. Essas influências podem operar, segundo a teoria de Lewis
e Lauterbach, como obstáculos ao desenvolvimento econômico.
Finalmente, no terceiro capítulo,
procuramos conhecer as instituições sociais brasileiras, dentro de
uma perspectiva histórica, através dos estudos de Gilberto Freire,
Sérgio Buarque de Holanda e Pedro A R Oliveira e a partir desses
estudos investigar a existência de características sociais
inibidoras ou catalizadoras do desenvolvimento econômico, tendo em
vista as teorias de Lewis e Lauterbach e os mecanismos analisados no
capítulo dois, onde recorremos, basicamente, aos estudos de
Bottomore e Vila Nova.
Verificamos que nossa sociedade
foi formada com base na cultura lusitana que os portugueses
implantaram no Brasil quando de seu descobrimento.
Essa cultura foi, absolutamente,
predominante, embora tenha sofrido alguma influência menos
importante dos ameríndios, dos negros importados como escravos e
mais recentemente de correntes migratórias européias, que vieram em
fins do século XIX e primeira metade do século XX e instalaram-se
em algumas regiões do Brasil.
A partir do trabalho de Holanda,
chegamos a certos traços característicos da personalidade social do
português que são:
-
Cultura da personalidade, tibieza das formas de organização
-
Extrema adaptabilidade
-
Repulsa pela moral protestante, fundada no culto ao trabalho
-
Gosto pelo ócio
-
Aventura, gosto pelo ganho fácil e rápido
-
Ausência de orgulho de raça
-
Irracionalidade, passionalidade (repulsa pela racionalização)
-
Comportamento de rivalidade sobrepondo-se ao de competição
-
Nepotismo
-
Ganância e avareza, gosto pela especulação
Quanto à religião, recorrendo
ao trabalho de Oliveira, verificamos que nossa religião predominante
é o catolicismo, implantado desde a chegada dos portugueses, tendo
sido uma religião oficial, de Estado, até a proclamação da
República.
Verificamos que a religião
católica praticada no Brasil, de forma predominante até a abolição
da escravatura e a adoção do sistema capitalista, mas que mantém
seus traços principais até hoje, foi um tipo particular de
catolicismo chamado de catolicismo popular. Nesse tipo de
manifestação católica há uma valorização do culto aos santos,
havendo um contato direto entre eles e o fiel.
Após uma análise deste tipo de
manifestação religiosa sintetizamos, com base nos estudos de
Oliveira, as seguintes características da religião católica
praticada no Brasil e que atua no sentido de moldar as atitudes de
nosso povo:
-
Personalismo: ligação direta e pessoal com os santos (imagens)
-
Cultos livres e sem intervenção direta das autoridades eclesiais
-
Irracionalidade: os espíritos têm o poder de interferir na natureza (milagres)
-
Paternalismo: o santo (o mais forte) protege seus devotos (os mais fracos) e exige em troca o culto (obediência)
-
Fatalismo: tudo o que ocorre ou puder vir a ocorrer será pela vontade de Deus. O homem nada pode fazer para mudar esse estado de coisas.
-
Resignação: provações e sofrimento conduzem à salvação
-
Maleabilidade: fácil adaptação a outras religiões (sincretismo). Ausência de conflitos religiosos, desde que a ordem social ditada pelo catolicismo seja mantida.
Em seguida analisamos a família
brasileira e verificamos a predominância da família do tipo
patriarcal até o início do século XX, quando passou a haver sua
substituição pelas famílias do tipo nuclear, a partir da década
de 1950, nas regiões mais urbanizada. Verificamos que, ao longo dos
anos a família brasileira, como transmissora de valores, não
recebeu pelo menos até 1950, influência de códigos morais e
religiosos suficientemente novos para alterar de forma significativa
a herança colonial que recebemos.
Analisamos, ainda no capítulo 3,
baseados nos estudos relatados, as atitudes predominantes em nossa
sociedade com relação aos fatores indicados por Lewis e Lauterbach
como propícios ou não ao desenvolvimento econômico.
Chegamos, então, ao que se pode
chamar de nossa personalidade cultural que podemos caracterizar da
seguinte forma:
-
Paternalismo
-
Falta de coesão social, artificialmente mantida pelos governos (fortes, paternalistas)
-
Gosto pelo ócio, sendo o trabalho encarado como um fardo, uma obrigação, uma necessidade para a sobrevivência.
-
Nepotismo
-
Gosto pela especulação (ganho fácil, sem a necessidade de trabalho árduo e persistente)
-
Irracionalidade
-
Passionalidade
-
Ausência de orgulho de raça (e de nacionalismo)
-
Fatalismo
-
Conformismo
Finalmente, concluímos, já no
final do terceiro capítulo, que as características observadas, por
Freire, Holanda e Oliveira em nossa personalidade cultural, em sua
maioria, tendo em vista os mecanismos sociológicos analisados no
segundo capítulo e as teorias de Lewis e Lauterbach, não
correspondem àquelas consideradas adequadas à formação de um
ambiente social favorável ao desenvolvimento econômico.
Especialmente ao desenvolvimento econômico nos moldes do modelo
norte-americano.
Este trabalho, por suas
características, não tem o objetivo de mostrar claramente soluções,
no sentido de alterar a situação exposta e formar um ambiente
social favorável ao desenvolvimento econômico, tendo em vista as
teorias de Lewis e Lauterbach.
Nosso objetivo que, acreditamos,
foi alcançado era melhor compreender o processo de desenvolvimento
econômico brasileiro e seus entraves, tendo em vista um enfoque
transdisciplinar, que ao nosso ver é o melhor caminho a seguir em
todos os ramos das ciências, inclusive das ciências sociais. Isto
porque não podemos reduzir uma realidade cada vez mais complexa a
compartimentos estanques, as ciências, sem perdermos muito de nossa
capacidade de análise. Isto porque, como vimos neste caso, as
diferentes instituições, e a economia é uma delas, estão em
permanente contato influenciando-se umas às outras permanentemente.
Por fim, gostaríamos que este
trabalho servisse de ponto de partida para outros necessários
estudos nesta área, inclusive de campo, no sentido de melhor medir a
qualidade das instituições e sua real influência sobre a vida
social, de forma a avaliar fatores que afetam o desenvolvimento
econômico brasileiro.
Entendemos que não há sentido
em importarmos modelos de desenvolvimento econômico de outras
sociedades muito diferentes da nossa. Melhor seria se criássemos
nosso próprio modelo, respeitando nossa realidade social e mudando
apenas aquilo que fosse realmente necessário. Para isso precisamos
nos conhecer melhor enquanto nação. Isto demanda estudos. Esperamos
ter dado, com este trabalho, ao menos uma pequena contribuição
nesse sentido.
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