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De Magistro: Santo Agostinho e o nosso Mestre Interior.


Introdução

            O texto do “De Magistro” é constituído basicamente por um diálogo entre Santo Agostinho e seu filho Adeodato. Nele, o filósofo desenvolve sua teoria da linguagem, que iremos, nos estreitos limites deste texto, sintetizar ao máximo. O diálogo consiste na relação entre o discípulo e seu mestre e na questão do ensino-aprendizagem a partir da linguagem. Por fim, Agostinho, o grande filósofo da Patrística, acaba concluindo que o conhecimento não vem do mestre exterior, mas do Mestre Interior que habita dentro de nós.

Desenvolvimento

            Agostinho defende que ao falarmos pretendemos sempre ensinar ou recordar. As palavras com as quais nos comunicamos são sinais, signos arbitrários das coisas, que, enquanto simples palavras, não têm valor cognitivo. Sinal, ou signo, é tudo aquilo que é passível de significação. Uma palavra cujo significado não é conhecido pelo ouvinte é apenas ruído, não transmite conhecimento. O signo, em Agostinho, possui uma função de admoestação, ou seja, induzir o ouvinte a procurar em seu interior o significado da palavra. Quando pensamos as palavras estamos falando mentalmente, de forma que nossa memória ao ser estimulada por elas traz à mente as coisas significadas, das quais as palavras são sinais. Se o ouvinte conhece o significado da palavra está apenas recordando, se não conhece não aprende. Para Agostinho não é através da palavra que conhecemos, não há, portanto, transmissão de conhecimento pela linguagem.
            Agostinho admite que, para que haja possibilidade de conhecermos, há a necessidade de algo prévio que torne inteligível a própria linguagem. O conhecimento, para o filósofo, está contido em nosso interior bastando consultá-lo quando somos admoestados através dos signos. O conhecimento não depende, portanto, do mestre exterior, do professor, mas da forma como as palavras são assimiladas pelo próprio ouvinte. Para Santo Agostinho entender é, pois, relembrar. A fala não é independente da mediação do que ele chama de “mestre interior”, através do qual rememoramos o que sabemos em relação às palavras que ouvimos. Para o filósofo, quem habita em nós, o nosso Mestre Interior, é o próprio Cristo.

Considerações finais

            Santo Agostinho, a partir do De Magistro, estabeleceu a sua teoria da linguagem,
a qual forneceu elementos importantes para o desenvolvimento das discussões, nos séculos seguintes e ainda hoje, sobre a natureza e o funcionamento da linguagem. Influências de sua teoria podem ser percebidas inclusive na pedagogia de Paulo Freire, que procura encontrar mecanismos pedagógicos incentivadores da busca do conhecimento pelo próprio estudante. O grande objetivo de Santo Agostinho, no entanto, talvez não tenha sido apenas desenvolver uma teoria da linguagem e da educação, mas sim provar a existência Daquele sem o qual não é possível o conhecimento, o Mestre Interior: Deus.

Referências Bibliográficas

ABREU, João Azevedo. Sobre o De Magistro, de Santo Agostinho. Revista Trans/Form/Ação. Marília, SP, vol.19, dez.1996.

ARAÚJO, Dario Reis. Presentificação ontológica de Deus no homem de acordo com o capítulo XII do De Magistro de Santo Agostinho. Revista Pandora Brasil, São Paulo, n.59, out.2013.

HORN, Christoph. Agostinho – Teoria Linguística dos Sinais. Revista de Filosofia da PUCRS, Porto Alegre, RS, v.51, n.1, 2006.

MARQUES, Carlos Euclides; NESI, Maria Juliani. História da Filosofia II. 1 ed. Palhoça: UnisulVirtual, 2011

SANTOS, João Tiago Costa. Da Linguagem Agostiniana: em busca do Mestre Interior. Covilhã: LusoSofia Press, 2010.




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